quarta-feira, 2 de abril de 2014

AINDA AS TURBULÊNCIAS DE 1964 - RELATO DE LOEFFLER

Jorge Loeffler é policial aposentado, edita o blog Praia de Xangri La, dono de uma mente inquieta,mora no Litoral.
Eis um patético relato seu:


 

Sobre o golpe de estado e a ditadura militar implantada em 64 li ontem vários textos. Li o de Ruy Gessinger assim como o de João Francisco Rogowski.

Dizem muito ambos. Eu carrego até hoje o fato de que estando lotado em Bom Jesus em 1966 recebi telefonema de um vizinho e colega, Luiz Carlos Costa que também era redator da Folha da Tarde.

Disse-me que meus pais (éramos residentes na rua prof. Ivo Corseuil) estavam com problemas de saúde, pois já idosos. Perguntou-me se não desejava voltar a Porto Alegre. Vibrei com tal possibilidade, pois criado em Porto Alegre sentia-me desconfortável em Bom Jesus e também por que não tenho espírito de pinguim. Veio então à bomba. Só seria possível me lotar no DOPS e que ali ficaria até o final do ano. Perguntei a ele se não havia possibilidade de qualquer Delegacia, pois o dito criminoso político de hoje é o herói de amanhã, ao passo que o em qualquer democracia é criminoso é sempre criminoso.

A Presidente da República foi presa, torturada de forma covarde e condenada. Passou três anos de sua juventude no Presídio Central onde conheceu Carlos Araújo com quem casou. O crime dela foi se opor à ditadura militar.

Ouvi e li de ontem para hoje incontáveis opiniões sobre tal período e parece-me que os historiadores ou tem memória curta ou são covardes, pois nenhum deles incluiu entre os responsáveis pela ditadura a Igreja Romana.

E digo isto por que em nossa rua em prédio na esquina da Rua Mariz e Barros residia um agrônomo de nome Peter (holandês) que disse a mim e vários outros jovens que estava de retorno ao seu país, pois o padre havia afirmado em seus sermões que os comunistas estavam tomando conta do país. Ora, se o padre havia dito tinha que ser verdade, pois eles atuam em nome do Criador mesmo não tendo instrumento de procuração para tal.

Topei a remoção e apresentei-me no DOPS em primeiro de agosto. No dia 13 daquele mês um colega havia adoecido e fui convocado para cobrir o plantão dele. Chequei lá por volta das 15 horas. Cerca de uma hora depois o Delegado Enir Barcellos da Silva, um dos Diretores do DOPS chegou com um jovem casal que havia prendido. Eram Edgar Pernau e sua namorada ou noiva. O crime deles foi terem participado de uma leve colisão com o veículo conduzido pelo referido Delegado que era irmão de um Oficial do Exército também ligado a repressão política. Edgar era filho do senhor Henrique Pernau, residente da Rua Visconde Duprat, uma transversal da rua em que residíamos. Era gerente de Lojas Renner e amigo de meu pai.

Minutos antes de escurecer foi levado do xadrez à sala do plantão um cidadão que eu desconhecia. Pareceu-me ser nordestino. Vestia camisa volta ao mundo com as mangas dobradas e uma calça de nycron preta “aquelas do comercial do senta e levanta”. Ele pareceu-me assustado e trazia sob um dos braços uma caixa de sapatos sem tampa a qual continha material de higiene pessoal e algumas cartas. Foi o que pude observar. Começava a anoitecer quando ele foi mandado embora. Fui até a janela que dava para a Av. Ipiranga e vi que ele assim que começou a caminhar na ponte sobre o Arroio Dilúvio foi apanhado por dois indivíduos que o colocaram num Renault Gordini.

Terminado o plantão fui para casa. Na noite de 23 daquele mês foi noticiado que o cadáver do sargento Manoel Raimundo Soares havia sido localizado no Rio Guaíba. Algumas horas depois, ou seja, na manhã de 24 de agosto cedo desembarcava de um ônibus a esposa da vítima desembarcava de um ônibus na rodoviária local.

O busilis da questão soube muito tempo depois é que constava no livro de presos que ele havia sido libertado ao meio-dia e não ao escurecer como testemunhei. No dia seguinte fui ao necrotério do IML, então atrás da Santa Casa e reconheci o morto como sendo aquele que havia visto ser libertado. Junto comigo estava o Guarda Civil Dionísio Torres Medeiros, tão jovem quanto eu. Algumas semanas depois encontrei o Regis na escadaria do prédio e ele disse-me estar aliviado, pois conseguira remoção para Rio Grande. Recomendei a ele cuidado, pois sendo uma cidade portuária podia ser mais perigosa que outras.

Não sei como explicar o que me fez dizer tal a ele que no mesmo dia em que chegou a Rio Grande foi assassinado com um tiro na cabeça.

Em dezembro conforme me havia sido prometido consegui sair daquele inferno, passando a combater o crime verdadeira função da Polícia.

Algum tempo um adevogado  de nome Aldrovando de Oliveira Micelli escreveu uma dessas obras literárias para faturar e na qual acusava a mim e ao Comissário Ribeiro como sendo os autores de tal assassinato político e que o mesmo seria decorrente de um “acidente” no momento em que nós dois estaríamos dando um “caldo” na vítima às margens do Guaíba. O caldo é o afogamento ou a asfixia parcial com água para obtenção de uma confissão.

Óbvio que se fosse esse o caso não seria necessário ir até o rio, pois penso que basta um balde com água.

Indignado procurei um advogado e movi um processo contra esse adevogado Micelli. Alguns meses depois ao procurar o cartório da Vara Criminal no Foro Central constatei que o processo havia sumido, ou seja, alguém havia pedido vistas do processo e sumido com o mesmo. Esse Micelli já morreu e ao que sei de causas naturais.

Antes da ditadura em cursava o clássico no Colégio Estadual Infante Dom Henrique e fui levado por um amigo a uma reunião de estudantes na faculdade de direito da URGS. Lembro que ouvi de Pila Vares, já falecido e que trabalhou em ZH que o Brizola quando a coisa apertasse fugiria do país.

Algum tempo depois soube por uma fonte confiável que um tribunal revolucionário me havia condenado a morte pelo assassinato do sargento Manoel Raimundo Soares. Não sei como acabei não sendo executado assim como não sei com que provas teria havido minha condenação. Essa cruz carrego até hoje e não culpo a ninguém senão a alguns membros da polícia política que em minha coluna me acusam dessa morte toda vez que posto um texto e esses o fazem por ordem dos seus coronés que já tentaram me tirar tal espaço inclusive com uma reunião promovida por alguém do MP entre esses coronés e o editor do portal. Mandam os vira latas me baterem.
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         Jorge Loeffle