quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

RIO DE JANEIRO E MÚSICA

 Não quero ser ranzinza, mas nossa música popular está muito pobre. Não atino como alguém , em sã consciência, possa gostar dos trovões barulhentos  de bate-estaca. Se observarmos a música da época medieval, veremos que, apesar de não muito “ colorida”  como as obras da época posterior, eram interessantes. 

A música popular foi se aprimorando, os músicos se aperfeiçoando e vivemos , em certa fase da história, uma época de ouro.Lindas composições, muitas tecnicamente perfeitas, tanto que não ficaram no  olvido. Ao contrário, são apreciadas até hoje por pessoas de mais idade.

A música brasileira vicejou como nunca, sendo apreciada no mundo todo.

O que,no entanto, ocorreu de uns anos para cá? Não há mais melodia. São uma arenga de mantras faladas como se músicas fossem. Letras de péssimo gosto.

Agora, nas praias, lá estão as caixas de som, em alto volume, com esse lixo que me recuso a chamar de música. Não vi, em nenhum lugar , uma caixa que tivesse algo palatável.

Se assim é, então só nos resta uma conclusão: eles venceram, o mau gosto triunfou .

Mas, como gosta de dizer Lissi Bender, ainda há brasas sob as cinzas. Um dia retornará ao gosto do povo a boa e  séria música.

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Meu filho Rudolf, de 24 anos, já formado em Direito pela PUC, trabalhando no Tribunal de Justiça, entrou em férias. Há uns meses conheceu uma linda santiaguense, estudante de Medicina. Ela não conhecia o Rio de Janeiro.

Ponderei a meu filho que não era boa idéia viajar com essa pandemia. Disse que se cuidaria , reservou duas passagens da Azul, o avião decolou às  6 da manhã e chegou 7,30 no Santos Dumont.

Pronto, o check in era só às 14. Decidiu alugar um carro para mostrar para sua amada as belezas da Cidade Maravilhosa. Acontece que o carro não tinha ar condicionado e era do tempo em que Matusalém era guri. Deu umas volteadas e se dirigiu ao hotel que fica em Copacabana . A entrada  foi permitida  às 15 horas. Surprise: o quarto não estava arrumado. Demarches e mais demarches, a duplinha decidiu dar uma volta na praia.

Quando voltaram às 19 horas o quarto continuava na mesma. Rudolf armou um barraco e finalmente a camareira deu uma “ tapeada”. 

Decidiram então os pombinhos subirem ao último andar para se refrescarem na piscina. O hotel tem três elevadores, mas um estava estragado. Quando o elevador chegou ao térreo havia uma fila enorme porque no roof haveria uma festa de casamento para 300 pessoas e os convidados  se aglomeravam como sardinhas.

Mas graças aos céus não houve mais percalços e a semana passou ligeiro.

Entre mortos e feridos salvaram-se todos.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

BELO ARTIGO DE TITO GUARNIERE

 

TITO GUARNIERE 

 

OS PARADOXOS DO BRASILEIRO 

 

Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o economista Eduardo Giannetti da Fonseca mencionou o "paradoxo do brasileiro". Todos nós o conhecemos – e muitos de nós o praticamos sem perceber. Nós, os brasileiros, somos extremamente rigorosos para julgar as falhas dos outros, mas somos indulgentes e concessivos quando se trata de nossas próprias falhas. 

 

Nos achamos diferentes, superiores. Nos mostramos indignados com a corrupção, a incompetência, a estupidez, a falta de educação, a intolerância dos demais. Mas nós mesmos, com frequência, incorremos nos mesmos males, nos mesmos defeitos – sempre encontramos as desculpas mais improváveis para nossos erros e tropeços. 

 

Giannetti fala dos seus alunos, nos 30 anos em que ele exerce o magistério superior. Os estudantes vão às ruas protestar contra o preço das passagens de ônibus, os desmandos dos governos, os malfeitos de dirigentes e políticos, porém uma boa parte deles simplesmente cola nas provas escritas. Eles não ligam as pontas – colar na prova é uma transgressão ética da mesma natureza e raiz de crimes e infrações legais, ou de gozar os privilégios de certas situações inacessíveis ao homem comum. 

 

É da mesma essência do paradoxo do brasileiro o combate à desigualdade social e à concentração de renda, mas desde que a renda a ser repartida não seja a dele. É o caso dos professores da universidade pública que propugnam uma distribuição mais justa da renda, mas que na recente reforma da previdência, diante de possíveis perdas, reagiram como se lhes fosse esfolar a pele. A reforma da previdência, uma clara proposta distributiva, embora limitada, recebeu o carimbo de "neoliberal", como é tudo que lhes desserve os interesses, uma forma de privilegiar os bancos e o grande capital. 

 

Condenam (com razão) a desigualdade, o acúmulo da riqueza, mas passam ao largo de que a mais exuberante concentração da renda nacional se dá nas mãos do Estado – cerca de 34% do PIB. Esse olhar egocêntrico que só vê a si próprio, é da mesma natureza que mobiliza grupos e corporações para reclamar prioridade na vacinação – alguns deles têm alguma razão, outros apenas forçam a barra. 

 

Os professores do ensino público não reclamam prioridade para a vacina - simplesmente não aceitam voltar às aulas presenciais, mesmo com todos os protocolos e cuidados para evitar o contágio da Covid-19. O fato de serem estáveis no emprego e de não ter sofrido redução de salário não faz parte da equação. 

 

Se todos pensarem desse modo quem produzirá os alimentos que nos sustentam, quem os transportará até os centros consumidores, quem os venderá praticamente à porta de nossas casas? 

 

Os professores ficam em casa por causa da Covid, mas não os caixas e repositores de supermercados (para ficar em um só exemplo), que têm contato direto todos os dias com centenas de clientes, que manipulam todos os dias milhares de produtos. 

 

Olhando de perto, à direita e à esquerda, nada temos de muito diferente, nem de outros povos, e nem dentre nós mesmos. Como diz Giannetti, causando-nos um certo incômodo, "nós somos exatamente tudo isso que aí está". 

 

titoguarniere@outlook.com 

ARTIGO DE FRANKLIN CUNHA

 PODER, MEDO E RAZÃO

O historiador e jornalista italiano Guglielmo Ferrero, escreveu em seu livro O Poder a respeito do medo paranoico que sofrem os ditadores. Contou que em pleno regime fascista, foi convocado pelo prefeito de Florença, em outros encontros risonho e gentil, estava agora com semblante negro e inquisitorial ao lhe entregar uma carta de Benito Mussolini que entre outras admoestações dizia: "Lembro ao Signore Ferrero que a Revolução Francesa tratava seus inimigos de maneira muito diferente". Ao sair do Palácio Riccardi, Ferrero se perguntou que crime tinha cometido para que o ditador poderoso lhe mostrasse a guilhotina como término de sua carreira?.

Tudo foi originado por um texto no qual Ferrero zombava das frustradas lutas pela liberdade, pela democracia e pelos direitos civis que acabaram por entregar a Itália às mãos de um ditador. Na ocasião, a Itália desmoronava por todos os lados e, por isso, tinham sido conferidos plenos poderes a um ditador para que ele evitasse a definitiva debacle do país.

Então, no meio dos monstros que devia matar  para cumprir sua hercúlea tarefa, o déspota deixava-se tomar pela paranoia provocada por algumas linhas escritas por um opositor político incipiente e fraco.

Para Ferrero, os detentores do poder aspiram a conservá-lo, os amedronta a lembrança de sua transitoriedade e que uma democracia só é legítima quando a possibilidade de sua renúncia e substituição é algo que pode se realizar quando os eleitos frustram as esperanças de seus eleitores.

Opinião semelhante tinha Isaiah Berlin quando disse que a verdadeira democracia não se resume à eleição de candidatos nos quais confiamos, mas também na possibilidade de destituí-los no momento em que verificamos terem eles fraudado justas e legítimas expectativas. "Ser liberal", afirmava Berlin, "não é somente aceitar opiniões divergentes, senão admitir também que são talvez nossos adversários os portadores da razão".

Nada, portanto, mais antiliberal e mesquinho do que retaliá-los com ações discriminatórias e ressentidas quando eles questionam e denunciam a precariedade legal e consensual dos detentores do poder, principalmente quando sobre eles pesam acusações de arbitrariedades e de corrupção.

 

Franklin Cunha

Médico

Membro  da Academia Rio-Grandense de Letras

 

 

 

 

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

AVENTURAS CARIOCAS - RUDOLF GENRO GESSINGER

 Bueno vater, cheguei no Rio de Janeiro cedo. 8 e pico.

O Santos Dumont é o máximo: perto e fácil de se achar lá dentro. Tem duas locadoras de automóveis nele.

Na que escolhi, tinha 3 opções disponíveis: Doblô, Fiorino e um carro elétrico – incoerentemente, o com a diária mais cara.

Fui de Doblô, fazer o quê.

Acostumado a acessar Porto Alegre pela Mauá, não me apertei para chegar em Copacabana. Estacionei perto do Forte, fui para a parte cargueira do auto e dentro dela me troquei, saindo pra rua com a camisa titular do Internacional de 2006.

Um dos caras que caminhava na minha frente comentou com o parceiro do lado dele:

- Flamengo vai ser campeão hein?

Eles me viram.

- Pô gaúcho, dixculpa.

Os cariocas têm um ótimo senso de humor, mesmo encolhidos com a cerração das 9 horas da madrugada.

Eu andava pela calçada central da Avenida Atlântica em direção ao Posto 5, mais precisamente para a barraca do Edson e Família.

Tu que me ensinaste a ir ali, e o bom atendimento sempre faz o cliente voltar.

Entre ciclistas, turistas, vendedores, Edson me viu de longe, ergueu os braços e gritou EI!

Fui recebido com um abraço bonito, azar do covid. 56 anos, ele não é do grupo de risco. Perguntou por todos nós e o neto dele, mais ou menos da minha idade, separou cadeiras e guarda-sol pra mim.

- Cê não pegue essas caipirinhas da beira da praia meu rapaix. São puro tang. A minha faço pra você na hora.

Não te perde, era 9 da manhã!

O mar estava cristalino e um pouco gelado. Peguei uns 3 ou 4 jacarés, tomei um laçaço duma onda e fui me secar no sol.

Igual a um Spotify não pago, a beira da praia de Copacabana é tapada de anúncios de camarão, bixcoitos Globo, queijo coalho e

Óculos.

 - Não, muito obrigado!

Acabou que pensei alto.

- Mas são bonitos...

O cara voltou.

- Tem esse Rayban aqui chefia. Pra você é 25!

Ergui a camisa do Inter e vi o meu óculos, muito parecido com aquele.

Puxei 25 pila trocados da carteira e comprei aquele então... total, sempre precisa.

Apesar do preço, te garanto que o óculos é muito bom.

Na verdade, confesso que quando o cara me ofereceu, pensei que pudesse ser o meu.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

O NOVO LANCE DE EDUARDO LEITE

 Durante a Expointer eu sempre era convocado pelo Paulo Sérgio Pinto, vice-presidente da Rede Pampa, para participar das entrevistas com diversos personagens da política e do agronegócio. Tudo ao vivo desde a bela casa que a Pampa tem lá dentro da parte nobre do Parque. 

Paulo Sérgio e eu somos amigos antiquíssimos. Inclusive a filha dele, Ana Paula, ao se formar em Veterinária, nos honrou com um pedido de estagiar na Pecuária Gessinger. E lá ficou Ana Paula vários meses sujando as botas, vacinando o gado. Enfim, aprendendo a prática. Nos comovemos, Maristela e eu, porque existem centenas de estâncias mais aparelhadas. Ana Paula não aceitou, quando de nossa ausência,  almoçar na nossa casa. Ela fazia questão de almoçar na casa do capataz.

Voltando ao assunto do programa, também já ia esquecendo que durante cinco anos tivemos um programa na Rádio Pampa, todos os domingos das 7 às 9.30, ao vivo.O Rudolf, ainda piá, anotava os recados. Parei por causa da falta de tempo. Mas tenho saudade.

Bem antes das eleições vencidas por Eduardo Leite ele foi convidado para integrar a banca da Pampa, ao vivo, direto do estúdio ali no parque.

Quando Eduardo Leite adentrou ele sentou ao meu lado, após as apresentações. Muito bem vestido com a indumentária gaúcha.

Logo pensei: esse rapaz de seus trinta e poucos anos deve ser gauchinho de apartamento.

Nada disso, o cara conhecia tudo de pecuária , finanças e tal.

Na saída eu profetizei ao grupo: “ bota esse cara na televisão e ele mata a pau”. 

Não deu outra, ele ganhou as eleições muito por suas atuações na TV.

Iniciou seu governo, foi indo e vindo e, ante várias crises na área da União, ele ficou discreto, tocando seu governo no RGS. Enfim, ele submergiu uns tempos.

Eis que de repente o João Dória entra no páreo com toda força. Acompanhando suas manifestações pela imprensa, minha impressão é de que não vai longe. A mim ele não parece muito versado na diplomacia. Foi empurrando e derrubando os copos da mesa. 

Leite se manteve calmo e respeitoso ante as crises que jorravam de Brasília. Ficou frio durante o episódio das eleições ao Senado e à Câmara.

Agora, num churrasco no galpão do Palácio, recebeu vários próceres políticos de outros Estados. Não muitos, mas também não poucos. Era um balão de ensaio. Colocaram seu bloco na rua.

Hoje, com a TV e as redes sociais, nunca se pode prever com exatidão uma eleição. Vide Bolsonaro.

Parece que meu caro amigo Heinze , apesar de submerso, está pronto para iniciar um voo para governador. Se for, não será voo de galinha.


sábado, 13 de fevereiro de 2021

BELO ARTIGO DE FRANKLIN CUNHA

 Q E P D

Faleceu Ivan Izquierdo.  Amigo  de muitos anos, partilhávamos alguns interesses: os labirintos da memória,  linguística, política de esquerda,( o “apellido “ dele já indicava como pensava em política), Borges,  tangos “arrabaleros” entre outros temas.

Trocávamos livros  e o que ele mais gostou não foi um com temas científicos, mas um que comprei num sebo de BA  intitulado:  EL LUNFARDO Y EL TANGO EM LA MEDICINA “ de autoria do médico  Luis Alposta e com prefácio de Luis Federico Leloir, prêmio Nobel de Química em 1970.

Alposta abre o livro assim:

“Alma Fuerte y Carriego en un estante,

un anónimo cráneo que bosteza,

Vários puchos, mis sueños de estudiante

Y un tomo de Testut sobre la mesa”.

(Testut é um tratado de anatomia, traduzido do francês)

Nas décadas de 10, 20 , 30 e 40 , os estudantes de medicina costumavam realizar dois bailes anuais: um para os que entravam na faculdade e outro para os que dela se despediam.

Q E P D era uma lápide vista nos túmulos da Recoleta  e queria dizer “Que Es Para Despedirse”” e o título dos bailes era também Q E P D e traduzido por : Que Es Para Divertirse “. E foi também o título de um tango.

E de muitos desses bailes se originavam composições tangueiras, todas com títulos ligados à profissão médica.

Cito alguns :

Muy de Vacuna de Serafin Santiago

La Morgue de Norberto Robertazzi

Restablecido de Antonio Catuara

Le Pica? Lugolina do Dr. Eduardo França

Reumil . Tango Inyetabble  de José Clemente

Púrguese de Vicente de Cicco

Sal Inglesa de autor não identificado.

Bicarbonato de A. Battisti

Bicloruro de Francisco Demarco

Sulfato de Soda de Maria Luisa Tirigail

Sin Drenaje de A. C. Scatasso

Trepanación de Alberto Cianclarulo

EL Serrucho de Luis Teisseire

Cloroformio de Alberto Paredes

La Fratura de Raimundo Petillo

El Galeno de Orfeo Giudice

El Oculista de Naum Kotliroff

Caso Grave de Felisa Luengo

El Bacilo de Alberico Spatola

La Gripe de Antonio Viergol

Patologico de Alberto Etcheverry

Praticante de Antonio De Bassi

Histerico  de Miguel Tornquist

El Termometro de Jose Martinez

La Muela Careada de Vicente Greco

El Anatomista de Vicente Greco

Enfim, no total, foram 135 títulos de tangos e milongas que resultaram dos famosos bailes de estudantes  de medicina.

Naquelas épocas era frequente os músicos , pobres, a maioria deles ,  dedicar tangos aos médicos  como agradecimento aos tratamentos que recebiam. Em uma oportunidade o compositor e regente de orquestra típica Augusto P.Berto visitou o famoso ciruurgião Dr.Finochieto para pedir-lhe  o favor de atender a um de seus músicos. O hábil cirurgião lhe respondeu o seguinte:

Sim, mas com uma condição.

Qual?

Que seu amigo não me dedique nenhum tango.

Henrique Finochietto era o cirurgião da moda, sua clínica era frequentada pela alta sociedade argentina ( foi médico de Evita Peron) e, por sua vez, o tango, era considerado “El reptil de los lupanares “ como dizia o poeta Leopoldo Lugones. Portanto, socialmente, não ficava  bem ver seu nome citado num tango de um pobre músico “arrabalero”.

Dessas e de outras histórias tangueiras ou políticas , Ivan e eu conversávamos nas reuniões que fizemos em minha casa e em outros encontros eventuais – científicos ou não . Uma dessas histórias, foi sobre política argentina, da ditadura, de torturas, desparecimento de pessoas  e assassinatos.

Percebendo que Ivan era um fiel e habilidoso  contador de histórias, o convidei para escrever uma delas  para um livro que eu e os colegas Blau Souza, José Eduardo Degrazia e Fernado Neubarth resolvemos organizar e publicar, escritas por médicos. Título da série( sim, foram sete edições com autores  e temas diversos): “ Médicos (Pr)Escrevem.  Ivan, pronta e gentilmente, nos brindou com uma emocionante história de um estudante, preso e torturado durante a ditadura argentina, tema que ele conhecia bem porque  lá viveu durante algum tempo na barbárie que tomou conta do vizinho país sob a ditadura militar.

Essas são algumas de minhas recordações de meu amigo que certamente nos fará muita falta .

Q E P D, querido Ivan Izquierdo.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

MÚSICA TAMBÉM É SILÊNCIO

 Quando criança eu muito passava férias na casa dos meus avós Rosália e Rudolf Gessinger, ali em Boa Vista. O casarão hoje está lá abandonado. Mas era um empório de tudo o que o colono precisava. Também uma parte da construção era depósito e servia também como salão de bailes.

O prazer do meu avô era “ obrigar” minha tia Brunhilde a tocar piano para as visitas domingo à tarde. Dias de semana à tardinha a tia me dava aulas de piano,sempre com uma régua na mão para me dar nos dedos caso tocasse a tecla com o dedo errado.

Também tocava cítara.

A outra tia, Hildegard, tocava acordeão. Nunca ví o vô tocar seu violino. Também nunca vi meu pai tocar o seu . A mãe me disse, certa feita, que em dado momento ele colocou seu violino na caixa e nunca mais tocou.Parece que o deu para alguém. Razões insondáveis.

Quando fomos morar na cidade, em Santa Cruz, na rua Tomás Flores 864, meu pai me mandou aprender piano. Na rua João Werlang, um pouco acima da nossa casa, morava um militar, o maestro Araújo. Ele lecionava solfejo e me deu uma aulas de piano, mas não dava com a régua  nos meus dedos.

Todavia  minha carreira como pianista só durou o que dura um lírio. Piano não era minha praia. Eu queria tocar violino. Meu pai relutava em me dar um, sempre protelava. Até que um dia minha mãe se enfeitou toda e fui com ela no Bazar Rex para comprar o violino. Para isso ela revistou as roupas do meu pai, que sesteava, e pegou um maço de dinheiro. 

Fiquei muito feliz e prontamente o escondi para que não ocorresse um desastre, qual seja meu pai mandar eu devolver o instrumento. Mas foi tudo bem, ele afinou de ouvido o violino, notas em intervalos de quinta. 

Fui então tomar aulas com dona Amália Eidt, que morava perto de casa.

Mais tarde, quando  interno do Kappesberg, meu professor foi o padre Ludovico Kolberg.

Ao voltar a Santa Cruz tive a felicidade de acompanhar Guido Koehler em suas serenatas. Guido tocava tudo o que lhe aparecia pela frente. Baita parceiro.

Para encurtar. Ao assumir como juiz em várias comarcas, sempre descobria quem gostasse de uma seresta ou de um encontro musical.

Mas o lugar onde mais toquei foi em Santiago.Fiz amizade com muitos músicos. Conheci o delegado Nenito Sarturi, artista  talentoso.

Aí foi um “upa” nossa parceria. Temos várias obras gravadas, toquei com ele em vários festivais. Tenho dois CDS gravados .

Hoje está cada vez mais difícil de se reunir e tocar. É uma pena, são raras as pessoas que ao menos escutam em silêncio. Ou como disse um parceiro: “ se não gostas da minha música, escuta ao menos por educação.”


terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

NOVA DIREÇÃO, VELHOS VÍCIOS - TITO GUARNIERE

 TITO GUARNIERE   

 NOVA DIREÇÃO, VELHOS VÍCIOS  

O Palácio do Planalto está eufórico com a vitória dos seus aliados para as presidências do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Mas o presidente da República Jair Bolsonaro e os seus arautos deveriam conter o entusiasmo - é vitória à qual falta substância, matéria altamente perecível, no ambiente flácido, volátil dos senhores deputados e senadores.   

Logo ao primeiro embate real, à primeira votação importante de interesse do Planalto, novas faturas serão apresentadas no guichê do Tesouro - onde falta dinheiro para tudo, menos para assegurar o apoio da maioria nas casas do Congresso, principalmente na Câmara dos Deputados. As verbas e cargos agora concedidos só quitam os votos dados a Pacheco e Lira. Finalizado este episódio, a cada nova votação será necessário combinar novos, por assim dizer, emolumentos.   

Aquela massa disforme que chama de Centrão é insaciável. Bolsonaro mergulhou fundo na bacia das almas para eleger os seus preferidos. Não tem volta: daqui para frente ou ele paga a conta cada vez que precisar, ou receberá em troca retaliações e derrotas no Parlamento.   

Se ao menos a troca de favores entre Executivo e Legislativo tivesse em vista um plano, uma votação decisiva, uma lei estruturante, impopular mas necessária, objeto de disputa entre interesses conflitantes (como é o caso das reformas administrativa e tributária), então haveria uma justificativa. Mas da forma como se deu, e como se dará daqui para frente, não obedece a nenhum critério de interesse público. Há um obstáculo intransponível: o governo Bolsonaro tem uma noção vaga, confusa e contraditória do que quer, governa aos espasmos, não tem plano, não tem projeto.   

Com Lira e Pacheco o Brasil continuará o mesmo, andando de lado e em marcha lenta. O Congresso Nacional seguirá sendo o palco de questões paroquiais, cada parlamentar disputando a tapas o seu quinhão de verbas públicas e de fatias orçamentárias - é o que vale e conta para a reeleição em 2022. Como Bolsonaro, eles, os parlamentares, só pensam naquilo.  

A representação parlamentar vem perdendo qualidade a cada legislatura - é uma constatação quase unânime. O Congresso Nacional é um gigante disfuncional e o resultado previsível das suas notórias distorções. A representação é torta - no estado de São Paulo cada deputado federal representa 650 eleitores; em Roraima, 72.   

Não há Parlamento que funcione com tantos partidos políticos. Não existe no mundo nada parecido com a cornucópia de agremiações políticas, que nascem da legislação frouxa combinada com a fartura das verbas do fundo partidário. Não são agremiações políticas, mas balcões de negócios.  

Não existe a menor chance desse Congresso - e dos seguintes - de ao menos aprovar o voto distrital, a mais elementar forma de baratear o custo de campanha e de aproximar o eleitor do seu representante.  

Enfim, as casas do Congresso não correm o menor perigo de melhorar.  Ainda no século passado, quando um interlocutor criticou o baixo nível do Parlamento, o doutor Ulisses Guimarães vaticinou: "Se você acha ruim essa legislatura, espere a próxima".    

titoguarniere@outlook.com 


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

PREMONIÇÕES DE PAI

 “No creo en brujas, pero que las hay, las hay”. 

Vou me desapegar um pouco da política e principalmente  da pandemia. É muita controvérsia e creio que está todo mundo querendo tomar a vacina. Só espero que não façam como muitos que embolsaram indevidamente  o tal do auxílio emergencial. Até gente abastada meteu a mão nos mil e poucos pilas.

Passo a narrar uns causos.E garanto que coisas parecidas já ocorreram com vocês.

Eu sempre fui muito agarrado com minha filha Milène. Formou-se em Direito na UFRGS, foi aprovada no concurso para juiz após ficar noites e dias estudando.

Ela ainda estava solteira e gostava muito de ir na nossa fazenda. Eu até tinha dado de presente a ela uma caminhonete tracionada . 

Ela anda muito bem a cavalo, tanto que comprou uma égua muito linda e garbosa. Essa égua tinha um andar de rainha.

Aconteceu que após um tempo ela arrumou um namorado e rarearam suas visitas à fazenda. 

Não sei se vocês sabem, mas os cavalos sabem quem é seu dono e se apegam. Igual aos cuscos que sempre escolhem seus donos ( ou como hoje dizem: seus tutores) . A égua tinha saudade da dona.

Certo dia , estando na 290 em direção à fazenda, me deu uma tristeza sem motivo. Em seguida me lembrei da minha filha com a sensação de que ela não estava bem. Encostei a caminhonete e liguei para ela. Ela disse o alô dum jeito diferente. 

Eu sempre fui muito direto com tudo. “ Filha, o que houve? o que está acontecendo?”

Ela vacilou um pouco e disse “ nada, pai”. 

“Eu te conheço guria, onde estás?”  Ela disse que estava na estrada, perto  de Pantano, para visitar uma amiga. Pedi então que fosse direto para a fazenda e deixasse a amiga para outra hora. “ Pai, tu vais me fazer muitas perguntas?” 

Respondi que não ia perguntar nada e, como era inverno, nos sentaríamos na frente da lareira e tomaríamos vinho .

Eu cheguei antes dela e preparei tudo. Horas depois ouvi a cuscada fazendo alarido na porteira. Era ela chegando. Nariz vermelhinho de tanto chorar.

Conforme prometido não perguntei nada e abri um vinho.

E ela quieta. Dia seguinte ela, já acordada ,olhava os pingos da chuva. Continuava quieta, não mexia no celular. Em seguida abriu o sol e fomos direto ao galpão . Ela mesma encilhou sua égua e saímos para  dar uma olhada nas invernadas. 

Depois do almoço ela foi sestear. 

Acordou , sorriu, o narizinho não estava mais vermelho.

Dia seguinte me olhou com seus olhinhos azuis, sorrindo: “ pai, muito obrigada, já estou bem, vou indo, te cuida”.

"Parte para outra, filhota"!

Bingo. O tempo passou e ela está bem feliz com seus dois piazinhos.