quinta-feira, 22 de setembro de 2022

EDUCAÇÃO DEVE COMEÇAR EM CASA

 Tipos raros esses gaúchos campeiros que, com sua lealdade, floreiam este Rio Grande.

Sim, os campeiros já foram cantados em prosa e verso por muitos. Até me lembro de uma canção que tirou um prêmio com o Nenito Sarturi e que diz "dom Ponciano cuida da tropa mais que o dono".

Queria dar mais dois exemplos:

a) no interiorzão, na campanha, o ônibus deixa os campeiros na beira do asfalto com suas compras que foram fazer na cidade. Daí, às vezes, eles têm que caminhar alguns quilômetros. Muitas vezes parei para dar carona aos viventes. Relutavam, não queriam incomodar, queriam tirar as botas, queriam ir na carroceria. Até que os convencia a entrarem e sentarem ao meu lado;

b) quando morei em Santiago, minha casa ficava no Centro e bem na frente havia uma parada de ônibus. Só eu sei como faz calor em certos dias de verão por lá. E as pessoas ficavam esperando e esperando debaixo daquela "lua". Comprei um banco bem bonito de cimento, coloquei na calçada, junto à parada e ainda puxei uma torneira de água até a cerca de ferro,para que fossem se refrescando.

Pois não é que as pessoas não se sentavam e nem usavam a torneira?

Fui até um grupo que estava  na parada:

- por que vocês não se sentam no banco e não usam a torneira para beber água?

- porque o banco não é nosso e a torneira está no seu terreno.

Bem assim, com toda simplicidade.

Sim, isso ainda acontece no Brasil simples. Onde ainda há vergonha.

Conto isso porque de uns tempos para cá a boa educação está desaparecendo, não no campo, nem nas vilas, nem nas pequenas cidades. Nesses lugares todos se conhecem, prestam auxílio na hora que o vento derruba as telhas, levam o vizinho doente ao hospital.

O que piora de alguns tempos para cá é a pouca vergonha na cara de algumas autoridades. Em todos os setores, sem exceção. 

Eu sempre brinco com meus amigos mais chegados dizendo: esse aí não dá nem para convidar a um churrasco, porque é certo que vai querer “mexer” com minha mulher ou minhas filhas. Apesar de ser uma alta autoridade vai usar palavrão para mostrar como é “interessante”.

E a que se pode debitar tudo isso?

Respondo sem pestanejar: é a falta de berço e de boa educação. É o que quase desapareceu. Não é o dinheiro que nos faz decentes. São os fundamentos básicos que se aprende no lar. 

Hoje o que se vê é lamentável.

Daí que o único caminho que nos pode encaminhar a uma civilização ao menos normal é a educação. Sim: as grandes civilizações,  que hoje são festejadas, tiveram um período muito duro para colocar as coisas no trilho. 

 


terça-feira, 20 de setembro de 2022

NELSON WEDEKIN

 TITO GUARNIERE

 

PÁTRIA E PATRIOTISMO

 

Os bolsonaristas dizem com orgulho que Bolsonaro resgatou o patriotismo do povo brasileiro. Pode ser. Mas é preciso primeiro perguntar se isso é bom ou ruim.

Patriotismo – se supõe - é amor à pátria. Desde logo: não se desconsidere um sentido de pertencimento ao torrão natal, à comunidade, ao idioma nacional, aos usos e costumes do lugar. Mas para isso tudo – e mais – não é preciso ser "patriota".

Uma vez que a pátria é uma abstração – na mesma medida em que o estado é uma ficção jurídica - , o que se queira ter a respeito dela é um sentimento difuso, uma impressão vaga, uma declaração retórica de apreço, de resto insuficientes para gerar uma atitude, uma ação capaz de mudar os rumos, quando eles se encontram em desajuste ou disfunção.

Não vejo grande mérito no patriotismo dos militares, estes patriotas de ofício, profissionais. Afinal é a pátria que lhes paga o soldo – convém, pois, enaltecê-la. Bolsonaro de gaba de patriotismo, mas é de sua lavra o conceito de que (essa gente do PT) " vem dos grotões, e dos rincões, de onde nada pode sair de bom a não ser esse tipo de gente". Se dos grotões e rincões, de onde eles (os pobres, os desvalidos) vêm, nada sai de bom, então eles não são dignos da pátria.

A pátria, para ser cultuada, não pode excluir uma parte dos seus concidadãos por causa de sua origem de classe, cor da pele, sexo, idade ou profissão religiosa, ou pela adesão a um partido. A pátria – para se tornar um valor – deve dar abrigo, refúgio e meio de vida decente a todos os seus filhos.

O conceito de pátria separa e diferencia os seres humanos entre si, como se o fato de terem nascido de um lado ou de outro da fronteira mudasse a essência das pessoas. Isso não faz nenhum sentido. As fronteiras são convenções históricas e políticas, linhas imaginárias traçadas de acordo comum ou na base da força entre os habitantes de uma parte do território.

Dito de outro modo: os seres humanos são iguais ou muito semelhantes entre si, independente do lugar onde nasçam. Vêm ao mundo, crescem, vivem, trabalham e um dia morrem. Suas necessidades, aspirações, virtudes e imperfeições, a noção do certo e errado, são mais ou menos as mesmas em todas as culturas, em todas as pátrias.

É em nome da pátria – associado muitas vezes à religião – que se cometem os maiores desatinos, as guerras mais cruéis, o sofrimento e a mortandade de mulheres, crianças e idosos. O patriotismo, que vem a ser a mesma coisa que o nacionalismo exacerbado, desune, fragmenta, isola, reaviva animosidades e ódios ancestrais entre os povos e nações.

Na guerra do Leste Europeu os dois países contendores, Rússia e Ucrânia, exaltam o patriotismo e as respectivas pátrias. " O patriotismo é a disposição para matar ou morrer por razões triviais" -

do matemático, filósofo e pacifista inglês Bertrand Russel.

Nas retóricas mais arrebatadas, como na Cuba revolucionária, o " patria o muerte ", no final não é a pátria que prevalece, mas a morte, a força bruta, a asfixia das liberdades.

Há um patriotismo humano, profundo e realmente virtuoso: é aquele que pensa toda a humanidade como pátria.

 

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

AS PEDRAS DA FOME ( HUNGERSTEINE)

 Achei uma reportagem de Teresa Canto Noronha que diz, em síntese, que  as imagens de satélite mostram o estado dos grandes rios da Europa, que têm sido afetados por uma seca que começa a deixar marcas. O rio Reno apresenta um nível de água abaixo do normal para esta altura do ano. Os moradores locais começaram por identificar as pedras no fundo do rio, intituladas de "pedras da fome", consideradas "mau presságio". Curiosamente, são rochas que, ao longo das décadas, as pessoas têm escrito nomes e datas durante períodos de seca.


Consta que moradores ribeirinhos costumavam registrar o ano de  muita seca colocando pedras na parte mais baixa do rio. Numa das pedras estava escrito: "Se me vir, chore". 

Prossegue a reportagem dizendo que no rio Elba, “a inscrição mais antiga data de 1417. Nos séculos seguintes, muitos identificavam as pedras da fome em novos períodos de seca e registravam o ano nelas. Algumas das “Hungersteine” ( pedra da fome) que apareceram neste ano na Alemanha estavam completamente esquecidas.”

Me lembrei, então, de um artigo meu em que abordo essa questão da água. O maior erro que se pode fazer, penso eu, é a destruição das florestas ciliares. Não sou técnico no assunto, mas onde se destroem as árvores que margeiam os rios a seca aparece com facilidade.

Pego o exemplo, se me permitem, das terras que minha família possui em Unistalda. Nelas corre, de ponta a ponta, um córrego com o fundo de derrame  basáltico. Árvores nativas das margens fazem uma espécie de proteção da água que corre. Em vários anos houve seca, mas o córrego e seus lagoões sempre ficaram firmes, com as águas cristalinas.

Um dia fiquei observando, do alto de um cerro, numa invernada lá dos fundos de minha estância, um olho d’água. Surge perto de uma pedra e o filetezinho vai serpeando uns metros por entre o capoeiral. Logo depois,  encontra arbustos maiores um pouquinho e uns 50 metros além começa a chamada mata ciliar, com árvores mais frondosas dos dois lados do leito, já com meio metro de largura.   A mata ciliar se torna mais larga e mais espessa até que, num lagoão rochoso, forma-se uma verdadeira piscina,  com palmeiras ou coqueiros, e diversas árvores e arbustos.

A verdade é que, em todo o percurso, de uns 6 kms, não vi uma bolsa de plástico, uma lata, nada. E a água é cristalina quase azulada.  No verão canso de tomar banho, contemplando a cobertura das árvores que filtram o calor do sol. Na época das secas são  essas árvores, que jamais deixamos cortar, que garantem água para os bichos, domesticados ou não.