quinta-feira, 21 de setembro de 2023

MINÚCIAS - PARTE II

Meu filho Rudolf Genro Gessinger, advogado e proprietário rural, observou com muita acuidade coisas que nem todos conhecem. Dei abrigo a ele na minha coluna da Gazeta, resta a ele agora procurar seu espaço:

“Entre outros exemplos que se poderia dar, cada profissional do campo - incluindo o patrão - era responsável por um certo e curto repertório de tarefas. Não que sobrasse mão de obra, pois o êxodo rural que progride desde a década de 1960 encoraja cada vez mais campeiros a cambiar o largo dos campos pelos bretes da cidade. Como reflexo desse movimento, os ranchos e pequenas estâncias foram desaparecendo, dando lugar a grandes áreas de poucos donos. 

A gestão sobre essas grandes áreas não era tão rígida há 20 anos - e quanto mais pra trás, menos ainda - pois muitas tarefas eram delegadas sem critérios bem definidos e não havia um controle preciso sobre o que exatamente estava acontecendo numa estância. Entre faltas e excessos, as coisas corriam frouxo, principalmente para quem não tinha financiamento para pagar, e se tropa, rebanho e manada eram considerados “gordos e sãos de lombo”, estava tudo certo.  

Pode-se dizer que as relações de trabalho eram muito mais maleáveis em todos os sentidos. Os filhos do capataz nem bem largavam a teta e já saíam campo a fora. Lidas rápidas e menos brutas como buscar as vacas de leite de manhã não raro eram feitas por um piá de 6 anos sozinho, que depois pegava seu transporte na porteira para ir pra aula. Era sua forma de ajudar a família, pois encurtava o serviço do pai. A remuneração poderia ser toda in natura e não se enxergava problema nenhum nisso, 20 anos atrás.

Na época da tosquia, não era incomum que profissionais - que, assim como no caso do alambrador, não necessariamente eram peões - trabalhassem “pela bóia” e por alguns pelegos cada um, os quais eles mesmos lavavam na sanga depois da lida. Os patrões não tinham tanto receio de problemas trabalhistas 20 anos atrás: o empregado que batesse às portas da Justiça do Trabalho podia desistir de conseguir serviço em toda a região. Espalhava-se ligeiro uma lista negra não escrita.

Tenho notado que, ao longo dos últimos 20 anos, a realidade do campo, enquanto lugar de trabalho, tem abandonado padrões seculares para adotar, como tinha antevisto Pedro Ortaça, a uma postura de ambiente profissional, no qual se busca aumentar a produção com planejamento, controle e otimização em cada uma das etapas da cadeia produtiva, buscando a maximização dos resultados, tal qual ocorre numa empresa na cidade.”

terça-feira, 12 de setembro de 2023

TITO GUARNIERE

 TITO GUARNIERE

 

UM PRESIDENTE ENTEDIADO COM O BRASIL

 

É impressionante como Lula se dedica ao destino do mundo e como ele desconsidera o fato de que a tarefa que lhe foi confiada pelos brasileiros foi governar o Brasil, resolver e encaminhar as soluções para os problemas do país.

O presidente tem uma visão restrita e limitada da função. Ele parece entediado com o Brasil. No caso, tudo o que ele aparenta buscar – a qualquer custo - é uma maioria folgada no Parlamento, que lhe permita andar pelo mundo com as suas chorumelas, cobrando dos demais governantes ( principalmente os dos países ricos ) as soluções que salvarão o planeta.

Desse modo ele vai à Delhi, na Índia, e diante do G-20 – os 20 países mais ricos do mundo - , faz a autocrítica em nome de todo o colegiado e bate de frente contra o neoliberalismo, a versão supostamente mais sórdida do capitalismo. É o santo guerreiro contra o dragão da maldade.

 A pobreza, as desigualdades decorrem de uma conspiração dos ricos e dos poderosos, os bem-nascidos do centro do mundo. Claro, os Estados Unidos à frente, o grande mentor, executor e beneficiário da trama sinistra. Lula acredita que dessa forma, condenando os países ricos, se chegará finalmente à redenção da humanidade e que assim será lembrado pela história. Ele acredita em Marilena Chauí, que cunhou a frase famosa: " quando Lula fala, o mundo se ilumina".

Criticando a concentração da renda na mão dos ricos, ele passa ao largo do fato notório : o Brasil é um campeão das desigualdades sociais e da concentração da renda e da riqueza.

É verdade que as ações do seu governo têm o propósito de minorar a pobreza e, portanto, reduzir as desigualdades. Mas o conjunto das proposições se resume às fórmulas envelhecidas do Estado indutor e produtor de toda a riqueza. 

São escassas as palavras e as ações do governo no sentido de incentivar os investimentos, facilitar as atividades produtivas, criar um ambiente que facilite a abertura e o desenvolvimento de negócios, empresas e agentes econômicos. O governo Lula não gosta do mercado, não gosta de empresários, não gosta de empresas. Tudo tem de vir do Estado, o velho e ruim Estado, que em passe de mágica, fará brotar do chão os bens, os serviços, as riquezas. 

Se um governo anterior, como o de Temer, promove uma reforma, ainda que pífia, como a reforma trabalhista, que de algum modo barateia os custos do emprego no Brasil, entre os mais altos do mundo, hordas de arautos saem a campo para afirmar que estão retirando direitos e prejudicando a classe trabalhadora. É como se fosse possível criar os empregos sem as empresas. 

O governo do PT é bom para chacoalhar as árvores e colher as frutas. Mas o partido não tem a menor vocação para plantá-las, cultivá-las até que se tornem produtivas.

 

titoguarniere@terra.com.br


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

AS MINÚCIAS DO NOSSO ESTADO

 O Rio Grande do Sul é interessantíssimo. Em Pelotas fala-se de um jeito, em Porto Alegre é outro e assim vai. Mas o que me assombra é o “você” entre as crianças. As professoras gostam de usá-lo. O “tu” está quase condenado à morte.

Mas existem lugares com uma fala muito interessante. Elas se situam na região perto de Santiago e proximidades. 

Meu filho, Rudolf Genro Gessinger, que praticamente se criou na nossa fazenda, é graduado em Direito pela PUC de Porto Alegre, tem pós-graduação pela mesma faculdade, e cuida do nosso escritório perto do Palácio do Governo.

Vou dar ao meu filho a palavra:

“Em Timbre de Galo, o lendário Pedro Ortaça já anunciava que "o campo é quase a cidade". O campo ainda era, 20 anos atrás, um lugar regulamentado principalmente por usos e costumes da região. Os valores de seriedade, simplicidade e valentia eram lema para homens e mulheres que dificilmente mudavam de domicílio ou se deslocavam grandes distâncias por consideráveis períodos de tempo. 

20 anos atrás, ainda não havia luz em muitas estâncias da região das missões e fronteira oeste. O sinal de telefone era fraco e maioria da peonada nunca tinha acessado a internet. Em verdade, mal e mal sabiam do que se tratava. Até mesmo o modo de se expressar do profissional do campo era vago e impreciso. 

Um rádio ligado alto no galpão fornecia as notícias regionais e proporcionava distração para os momentos de intervalo e folga. Era difícil ter televisão na estância, fora a do patrão. Se tinha, era à parabólica. 

O trabalhador rural era o que tinha se criado por ali. Havia, em regra, frequentado a escola agrícola. Fora dela, normalmente não era manso no estudo. Estudar era caro, longe e sem muito sentido para quem aprendeu o que sabia pela experiência e pelos costumes que eram lhe passados.

Assim, existiam profissionais especializados em só uma atividade rural. As microrregões tinham um homem que era conhecido por ser, por exemplo, o alambrador. 

O alambrador, em geral, era o homem que lidava com o aramado (as cercas) ou ficava de caseiro, ponto. Para começar, o alambrador era, em maioria, um profissional autônomo, de forma que não era peão de ninguém. No máximo peão por dia (leia-se, para uma lida específica em que se precise de mais gente).

Quando precisava revisar uma cerca, era só chamar o alambrador. Nenhum peão de campo, 20 anos atrás, pararia a lida para consertar o aramado. Interromper a doma, então, menos ainda.

O pior dos castigos para um peão campeiro é manda-lo carpir, desde sempre e até hoje. Tanto é que existe um dito para quem, digamos, está sendo inconveniente: "mas vai carpir um lote!".” (Continua)