domingo, 26 de junho de 2022

BELAS OBSERVAÇÕES DE UM UNISTALDENSE



Permisso Dr.

Aqui me apresento, sem delongas. Quem vos fala é um admirador seu.

Ao acessar seu Blog do Ruy Gessinger, fiquei sentido, porque  ficou tanto tempo sem nos brindar com seus excelentes textos.

Perdão paizano. Por ser meio Santiaguense/Unistaldense sou franco demais.

Creio que lá no Vale do Rio Pardo a conduta deve ser essa também. O senhor deve estar pensando o seguinte:  na madrugada um desconhecido escreveu pra mim.

Sabe Seu Ruy ( parece que é até conheço  "o home " pessoalmente). Tenho muito gosto pela Internet,mas a leitura ainda me faz folhear um livro. Na minha apresentação ao senhor, prometi que não me alongaria.Mas como fica doutor: é "Gosto do Rio Maravilha", ou “Unistalda Maravilha?

Em 1982 eu, com nove anos de idade, cheguei no povo ( cidade ). Meu Pai, homem dos arreios,  que com uns cobres que arrumou na labuta campeira, já pensava em não esporear mais a vida . 

Em 1985, meu velho comprou uma chácara ali pras bandas de Unistalda. Saiu daqui da cidade de Santiago, cruzou a Vila Manoel de Freitas, bem naquela placa que diz Itacurubi.

Caso o Doutor Ruy não saiba bem o local, pergunte pro seu LÉLO. 

Pois bem, naquele tempo eu tinha doze anos.

Soa até hoje na minha audição, " o guri passou de ano? ". Sim,respondia a minha mãe, já com o boletim na mão. 

Uffaaaa.... agora faço o que eu quero.

 Disse meu pai:“Amanhã cedito larguêmo pra fora . Bota tuas coisas na camionete! Guri de férias na cidade é só pra pensar bobagem". 

Entrávamos na estrada do Itacurubi, na esquina do seu LELO, à esquerda tinha a Fazenda do seu Jorge Camargo, mais adiante o seu Fernando Saraiva. Naquela época aqui quase não se falava na Estância do Gessinger.

Dois dias na chácara e  o piá já era outro.

De chapéu na cabeça, com palavreado da campanha, sempre disposto para um ajutório na vizinhança.De vez em quando se perdendo pelos matos.

Aquele lugar é pra lembrar sempre. Ali meu pai me ensinou muita coisa.

Ali ele morreu curando o terneiro de uma vaca braba. As testemunhas principais do fato foram dois cachorros ovelheiros e uma égua rosilha que caminhava solita com os arreios e ao mesmo tempo que segurava na cincha uma zebua caborteira.

Escusas pelo atrevimento. Também tive a liberdade de formular frases que não existem no nosso vocabulário.Aceite como liberdade poética. 

Pelo simples fato de acompanhar seus relatos  fiquei animado de falar um pouco daquele chão. 

Abraços.

João Batista Machado Soares.

( carta no idioma unistaldês)

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quinta-feira, 23 de junho de 2022

GOSTO DO RIO MARAVILHA

 Acabo de voltar do Rio de Janeiro, onde fiquei com Maristela festejando por dez dias seu niver. 

Como já contei aqui, minha primeira viagem ocorreu quando eu tinha 20 anos. Soube , por um colega do Direito da UFRGS, que a Aviação Sadia (  existiu por pouco tempo essa companhia aérea), estava fretando um voo ao Rio para assistir ao jogo entre o Flamengo e o Inter. Um colega, bem mais velho que eu, serviu de meu  fiador e  comprei as passagens em dez prestações. O Inter não era muito conhecido, assim como qualquer time distante. Fui com a camiseta colorada e as pessoas achavam que eu era do América do Rio.

Ficamos ao lado de uma  charanga  do pessoal do Flamengo e tudo ficou numa boa. 

Perdemos por 1x0 gol de “Fio Maravilha”. Por sinal há uma canção que fez muito sucesso na época. Os mais antiguinhos devem se lembrar : “ Fio maravilha, nós gostamos de você, Fio Maravilha, faz mais um pra gente ver”.

Não sei de onde vem essa alegria constante do carioca. Sempre um sorriso .

Com o tempo notei que não se deve levar a mal algumas coisas. O carioca fala gritando, nem que esteja seu interlocutor a centímetros de distância. Quando discute futebol o discurso repete o palavrão na constância de uma metralhadora.

Nunca fui assaltado. Nesses anos todos sempre me hospedei em hotéis de frente para o mar. Não me importo que sejam mais caros, a vida é uma só, “ carpe diem” ( aproveite o dia) como diziam os romanos . 

O General Heraldo Tavares Alves, que servia em Santiago quando eu era juiz de direito, sempre dizia: “ vocês aqui no sul tem frutas sazonais; no Rio nós temos de tudo o ano inteiro”.

Apesar de a maioria dos cariocas não apreciar muito vinhos ou espumantes  ,  em qualquer supermercado  estará a  bebida ao alcance da mão.

É claro que o melhor churrasco é o do Rio Grande do Sul. No Rio não há aquelas gauchadas com espetos e tudo, mas a apresentação dos pratos é muito boa e a carne não deixa nada a desejar. O mesmo diga-se para os frutos do mar. Evidente que os produtos vêm de outros estados, mas a culinária é de alto padrão, mesmo a gente estando num restaurante mais simples.

Os garçons sempre estão bem vestidos e deixam o forasteiro muito à vontade. São afáveis e compreensivos. Exemplo: eu e  minha mulher não somos de comer montanhas de comida no prato. Então sempre indagamos se a porção de uma pessoa pode ser servida em dois pratos.

Nunca recebi um não.



terça-feira, 21 de junho de 2022

ARTIGO DE FRANKLIN CUNHA

 A REVISTA SUR E UMA VERTIGEM HORIZONTAL

 

Franklin Cunha

Médico

Membro da Academia Rio-Grandense de Letras

 

Estou folheando o número 349 da revista SUR, comemotativa do seu cinquetenário (1931-1981) e dedicada  à literatura hispanoamericaca

SUR atuou também como editora  e ambas foram fundadas pela escritora e grande estanciera Victoria Ocampo que a financiou durate 48 anos até sua morte. Mulher de importantes realizações intelectuais  e literaria, pertenceu a uma das dinastías mais antigas e ricas da Argentina.Grande estanciera, por supuesto..

SUR era integrada por um conselho de notáveis personalidade da literatura universal: Ernest AnsermetDrieu La Rochelle, , Waldo FrankPedro Henríquez UreñaAlfonso ReyesJules Supervielle y José Ortega y Gasset e seu conselho de redação era composto por nomes como; Jorge Luis BorgesOliverio Girondo,  Eduardo MalleaMaria Rosa Oliver e Guillermo de Torre.

No seu primeiro número Victoria Ocampo, estabeleceu  a quem  SUR se dirigía:

“Esta revista é a revista de todos que me rodeiam e que me seguirão no futuro. Dos que pensam na. América e nos que são da América. Dos que têm vontade de nos comprender e dos que ajudam a nos comprender”.

Para se avaliar o nivel da revista relacionamos alguns de seus colaboradores: Jorge Luis BorgesAdolfo Bioy CasaresJosé Bianco, Waldo Frank, Walter GropiusAlfonso Reyes OchoaJosé Ortega y Gasset, Pedro Henríquez Ureña, Octavio Paz, Jules Supervielle, Ramón Gómez de la SernaEduardo MalleaErnesto SabatoFederico García LorcaGabriel García MárquezGabriela MistralSilvina OcampoPablo Neruda, entre outros.

Tenho , em minha biblioteca, cerca de trinta edições de SUR

 

Com a orientação firme de Victória , a revista foi vanguardista  e original em sua orientação o que a converteu numa referencia obrigatória da cultura argentina.

Foi publicada até 1992 e o último número, o 371, foi publicado 13 anos depois da morte de sua fundadora.

SUR foi um espaço de debates e polémicas de autores consagrados  que se  rivalisaram  por vaidades e por amores conquistados ou contrariados. A modernidade das letras e das artes se refletiu na revista graças ao seu prestígio editorial e também pelo financiamento generoso de Victória.Na sua parte editorial, SUR  publicou obras de autores de vanguarda da literatura mundila como Garcia Lorca ,Juan Carlos Onetti, Alfonso Reyes Ochoa, Horacio QuirogaAdolfo Bioy CasaresAldous HuxleyCarl Gustav JungVirginia WoolfVladimir NabokovJean-Paul SartreJack Kerouac e Albert Camus.

ORIENTAÇÃO POLÍTICA E FILOSÓFICA

Segundo  o qualificadíssimo ensaista Juan José Sebreli, a revista SUR adotou em sua primeira época uma orientação liberal e nacionalista. Borges,  naquela altura estava em sua etapa criolista, escrevendo sobre  poesía gauchesca. Um dos expoentes de orientação nacionalista foi Ezquiel Martinez Estrada autor de um excelente livro: Radiografia de la pampa (1933)uma lúcida interpretação da economía “ganadera da pampa argentina“ o qual sempre recomendo aos meus amigos ligados ao mesmo tipo de economia  ( embora tenho dúvidas se algum deles o leu).

Ao lado do grupo de escritores que abordavam os temas nacionais e sulamericano, Sur também acolhia destacados nacionalistas como Lepoldo Marechal, Carlos Astrada, Ramon Doll, Julio Irazustra . Este escreveu um texto , referindo-se às reuniões na elegante casa de Victoria Ocampo ,notando que “naquelas tertúlias os escritores liberais se altercavam com os nacionalistas em um ambiente de convivencia civilizada”. Em 1933 Irazustra comentava que o comunismo de Waldo Frank, colaborador de SUR, coincidia com os nacionalistas  no seu ódio à burguesía.

 

Em julho de 1939 houve um debate originado por uma nota apócrifa publicada em SUR – atribuída a Borges ou a Sabato –a qual ridicularizava  “ la hispanidad retinta “ da revista  Sol y Luna.Outro colaborador da revista,Ramon Doll,  em sua revista El Pampero, fustigava Victoria Ocampo afirmando que Sur era um “ bazar de importados “.

A própria Victoria, inicialmente adepta do fascismo ( tanto que teve entrevistas privadas com Mussolini e com o Papa Pio XII), diante da Segunda Guerra Mundial,  manifestou apoio aos Aliados ao passo que  outros escritores de Sur , os nacionalistas e os católicos tinham simpatía pelos países do Eixo, embora sob a capa de uma posição neutralista que, aliás, foi a adotada por todo o governo   imprensa e empresas argentinas

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Enfim, SUR foi uma admirável revista cultural,mais admirável por ter sido financiada por uma rica estanciera durante 48 anos, fatos que não se observam nos espaços culturais de nosso país. Nunca tivemos  uma publicação do nivel de SUR e também nunca tivemos uma rica estanciera do nivel cultural de Victoria Ocampo, embora as  tenhamos na situação financeira da escritora e mecenas argentina.

Historinha final  e moral da história.

Entre os colaboradores e namorados de Victoria houve um, colaborador de SUR de nome Drieu la Rochelle. Era um intelectual ideológicamente da direita, fascista mesmo, um autêntico  dandi parisiense que encantava todas as mulheres que dele se aproximavam, inclusive Victoria. Nasceu em 1893 e se suicidou em março de 1945 uma semana antes da libertação de Paris da ocupação nazista. Com Victoria ele manteve um longa correspondencia apesar de algumas divergencias ideológicas.

Há relato de uma visita que fez a Buenos Aires, quando Victória o levou a visitar uma de suas imensas estancias em pleno pampa argentino. Planícies que se perdiam de vista e de onde não se avistava nenhuma elevação de terreno por centenas de quilômetros.  Drieu que nunca tinha montado um cavalo,  nunca tinha  visto uma extensão de terra tão imensa e com um horizonte tão extenso, desmaiou e caiu do cavalo. Socorrido por Victoria e outros convidados da revista SUR, ao recuperar os sentidos e indagado o que lhe  acontecera respondeu que tinha sofrido “ uma vertigem horizontal”.

·         O originalíssimo  termo de Drieu, se aplica ao se olhar o  horizonte cultural da atualidade brasileira, especialmente das privilegiadas categorías sociais que desde o descobrimento usufruem da imensa riqueza do país. Relatei a história da revista SUR para tentar explicar a evolução cultural de nossos vizinhos que gozaram de um perído de brilhantes escritores, de ensaistas de qualidade , de grandes escritores e editoras, de livrarias em cada quadra  ( J.L. Borges: “ Buenos Aires é uma cidade de livrarias e retaurantes”), e de uma  rica e culta  classe média. Só depois disso é que a TV e a midia de baixa qualidade começaram também a atuar como formadoras da opinião pública. 

·         A diferença que nos causa vertigens é que nós  passamos diretamente da condição de um generalisado analfabetismo para as TVs e as mídias de qualidade mais do que infantil,  primária, deformadora intelectual e desinformadora da realidade política e econmômica do Brasil e do mundo.

·         E disso estamos sofrendo as graves consequências vistas no panorama atual do pensamento e das atuações de nossas classes dirigentes .

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NEBLINAS E SOIS DE OUTONO

 Neblinas e sóis de outono.

A primeira neblina, o fim do mormaço / o alívio da chuva que veio dos céus \ as folhas maduras caindo do espaço\ e as mãos levantadas num graças a Deus.

Se a seca resseca\ e a geada cresta\ a fé que ainda resta nos faz renascer/e os sóis de outono que espiam nas frestas/ aparam arestas e fazem crescer.

( De uma composição minha e de   Nenito Sarturi, após uma seca tenebrosa como nunca se havia visto.Também está no CD)


Ouço  The Lark Ascending  em La Simphonie des Oiseaux ( a Sinfonia dos Pássaros), que coleta peças que remetem à Natureza. Obras de Dvorak, Schumann, Camile Saint-Saens, Mozart ( Die Zauber Flöte) e outros  mais.

Ótimo para meditar no meu refúgio marítimo. Em cidade muito grande há barulho, protesto, fechamento de vias, filas, engarrafamentos, crimes a granel. Nas pequenas, assaltantes estouram as caixas eletrônicas (não sei porque dizem OS caixas) . Aí vai ficando  impossível de viver. Então optei por de vez em quando me  refugiar no Litoral, onde não há assalto frequente e sequencial, nem barulho. Isso de março a fim de novembro.

Como já disse, fui um caçador de pássaros. Mas já estou entrando com Habeas preventivos junto às cortes celestiais. Alegarei “erro de proibição" ( Verbotsirrtum), ou qualquer outra filigrana  para, ao fim e ao cabo, só passar poucos séculos no purgatório. Nunca vi tantos pássaros  na vida, como aqui. Pode até que haja, mas eu não vi. Esses aqui de Xangri La perderam o medo dos humanos.Caminho na praia e as aves só se afastam bem pouquinho à minha passagem. “ Lo juro por la leche de mi madre” que quando toco violino os bichinhos vêm escutar. O que está me surpreendendo é meu  encantamento pelo outono que, como vemos,  está aí aguardando o inverno. 

O calendário está defasado. Há uma cor diáfana no dia, algo como se houvesse uma cortina  translúcida. Às vezes calor, em outras frio. Para dormir,  melhor tudo de cobertas. Nunca se sabe.

 Tudo isso conduz a uma alegria inebriante de  estar em paz, sem incômodos como carros com som alto, calor massacrante ou gente estressada no entorno.

Não é por nada que tanta gente, após uma vida de suor e labor, retira-se para uma fase sabática de só aproveitar o que ainda resta de bom.

Um alerta, porém: assim como há os esquimós que  adoram morar nos seus iglus e os que acham muito lindo acampar no meio dos mosquitos, é melhor deixar uma árvore enraizada no lugar.  Se preferir mudar e experimentar tenha calma, a adaptação demora. E é indispensável gostar de sua própria companhia...


sábado, 18 de junho de 2022

TESTAMENTO

 “ Quando me for para as paragens de meu Deus,

 não quero briga pelas coisas que deixei,

 joguem minhas cinzas pelas plagas onde andei.

 Não quero flores nem velórios nem tristezas,

chamem meus filhos para estarem junto a mim

 para que me amparem nessa estrada de incertezas

 e me acalentem no princípio do meu fim.

Que meus acertos permaneçam na lembrança,

 e por amor sejam as falhas esquecidas,

 que meus exemplos sejam ventos de esperança

 soprando sonhos pelos mares desta vida

 e quanto a mim enforquilhado na minh'alma

 irei vagar onde não pude e sempre quis,

 entre carquejas e trevais da minha terra

 sem mais o tempo a me impedir de ser feliz''

(Essa canção é letra e música de Ruy Armando Gessinger e Nenito Sarturi.

Está no CD “ Santiago baita chão).

Houve uma época em que estava muito entusiasmado com a música. Participava de Califórnias e de outros festivais em várias cidades. Várias músicas e letras minhas tiveram acesso aos CDs, conquanto nunca tenha conseguido uma premiação. Sempre me conformei e não reclamei. Figurar num CD já me alegrava.

Fiz parceria , tanto de letra como de música, com vários amigos, salientando-se com Nenito Sarturi. 

Com o tempo cansei. Tenho dois CDs gravados os quais estão esgotados. Mas os tenho a todos, mesmo as músicas que até hoje não foram gravadas. 

Essa letra “ Testamento”, foi fruto de minha preocupação com o que haveria com meus filhos, já que eram de mães diferentes.

Graças a Maristela, com quem estou, sem brigar jamais, a mais de 30 anos, ingressei na vida telúrica e campesina. 

Nessa canção, Nenito se superou porque ele também tinha filhos de mais de uma mãe.

Portanto como já não frito em pouca banha,procurei ajeitar tudo, para que quando eu me for, não haja dúvida de nada. 

Modalidade de enterro, local, ausência de exposição. As cinzas vão para quatro locais diferentes, onde fui muito feliz. Naturalmente Santa Cruz está nessa lista.

Estou com plena saúde, tenho várias testemunhas disso, pratico ginástica , caminhadas e tênis ( podem pergundar ao Haas e ao Dummer) . Nunca passa um dia sem me movimentar.

Remédio contínuo só tenho um, por enquando: uma ou duas taças de vinho tinto e nos fins de semana uma champs brut, não muito cara. 

Por sinal, sou dos vinhos tintos simples. Há mais de 20 anos deixei de tomar cerveja e com isso voltei ao peso normal. Nada de refrigerante. Só suco ou água.

Aos poucos vou mostrando para meus queridos leitores minhas outras músicas. Todas temáticas. 


quinta-feira, 2 de junho de 2022

UM POUCO SOBRE ANIMAIS

 Muitos anos atrás , estando sozinho, comprei uma casa em Ipanema, na Rua Flamengo, na zona sul de Porto Alegre. Decidi cercar todo o pátio, fiz um galinheiro, comprei uma galinha, um galo e vários pintinhos. De manhã cedo os tratava e depois ia ao Tribunal. Voltava ao fim da tarde,passava num mercadinho onde buscava restos de verduras, trocava a água e realimentava o bicharedo.

Perto de  mim morava um casal bem velhinho, do qual fiquei muito amigo. Assim, quando eu queria pernoitar fora ou viajar, entregava as chaves ao seu Aureliano e à dona Mathilde.

Tratavam-me como filho. Às vezes seu Aureliano vinha na minha casa escondido para tomar uma ou duas cervejas comigo. Dona Mathilde se irritava pois sentia o bafo do seu marido.

Eu tinha uma empregada que cuidava da minha casa, limpava o pátio , enfim era bem zelosa. Chama-se Zaida. Ficava só um turno. O marido era pedreiro.

Certo dia ela, querendo me agradar, passou um veneno onde as galinhas dormiam.

Um dia depois começou a tragédia: as penosas foram morrendo com a cabeça e a crista bem escuras . Só sobraram o galo e uma pintinha. Incrível, o galo assumiu o lugar da choca e passou a cuidar da órfã. Mas também ele foi ficando com a crista azul e morreu.

Peguei meu carro e  levei a pintinha sobrevivente para a casa de minha mãe em Santa Cruz que, como vocês devem ter lido aqui na Gazeta, criava galinhas em seu pátio a duas quadras da Catedral.

Dona Ludmilla adotou a pintinha, que se transformou numa bela galinha, que namorou, teve pintinhos e nunca tivemos coragem de a matar. Acabou falecendo de morte natural.

……………………….

Só voltei a lidar com galinhas depois que comprei a fazenda em consórcio com minha mulher Maristela, também apaixonada por tudo quanto era  ser vivo. Vejo mais claro agora como leva tempo recuperar a fauna em caso de destruição.

Realmente: anos atrás  em nossos matos começaram a aparecer bugios mortos. Foi tamanha a mortandade que nossa família e todos os peões fomos nos  vacinar contra a febre amarela.

Já se passaram vários anos e até hoje é raro o aparecimento desses simpáticos animais. Calculo que os raros que existem vieram migrando de outras localidades distantes.

Mas o pior aconteceu por falta de esclarecimento. Eu mesmo ouvi, na fila de vacinação, várias pessoas dizendo que iam matar todos os bugios “ porque eles trouxeram a febre amarela”, quando na verdade eles serviram de alerta da doença.

A  fauna está caminhando em passos irreversíveis para o indesejável.. 

É demais a sujeira do “ homo burraldus”  e a troca das noites pelos dias.