segunda-feira, 29 de abril de 2019

FALECEU CLEO BALBINOT , UM LIDER. PAI DO RECANTO XANGRI LA

Impressionante esse amigo. Por vezes carinhoso, por vezes brabo, mas sempre olhando nos olhos, nunca falando por trás. Foi o mentor do Recanto Xangri La. Ali que brotou do nada o tênis em Xangri La. Ao lado de sua casa construiu uma quadra de tênis e criou o Recanto, com mais uma.
O resto é história linda que reproduzirei linhas abaixo.
Enquanto isso digo que semanas atrás fui visitar meu amigo Cleo. Estava lívido.Sua esposa me disse que estava com um câncer.  Pedimos licença para jogar na sua quadra. Ele disse, naquele jeito só dele, que estava brabo por não ocuparmos mais sua quadra.Sua esposa Darceg, então, me alcançou a chave do portão de acesso e me disse: " fica com a chave,  Cleo quer que vocês usem sua quadra de tênis".
Dias depois Cléo apareceu e disse: só tenho três meses de vida. Aproveitem e joguem.
Ficamos paralisados.
Hoje ele se foi. Dizer o que depois de uma ausência tão prematura? 
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Celso Carlucci de Campos  apresenta sua crônica de meses passados .

Pois, meus caros amigos, encerra-se, simbolicamente hoje, uma etapa de nossas vidas. A etapa Recanto Xangri-Lá, nome inspirado na sugestão de nosso saudoso e inesquecível LonguinoBystronski.

Uma etapa importante, pois este encontro de amigos já dura mais de quarenta anos. O encontro não se encerra, é claro, pois nós, ainda remanescentes, certamente continuaremos nos encontrando, ao menos a cada veraneio.

A referência que nos aproximou nos primeiros tempos, a quadra de tênis do Cléo (que sucedeu à antiga quadra de asfalto do Hotel Xangri-Lá), continuará à nossa disposição, conforme afirmado pelo próprio já por diversas vezes.

As amizades que aqui desenvolvemos e cultivamos durante todo esse tempo são daquele tipo de amizade que dispensa a convivência frequente, pois a maioria de nós se vê apenas no verão. Mas, ao nos encontrarmos a cada ano, parece que não houve interrupção, as conversas apenas continuam, como se não tivesse havido a separação temporária.

Vêm-nos à lembrança os primeiros tempos, ainda na quadra do hotel, quando chegávamos cedo, por volta das oito horas da manhã, e os dois primeiros a chegar tinham direito de jogar um set de simples antes das duplas habituais. Éramos jovens. Muitas vezes, depois das duplas, ainda nos restava energia para uma partida de simples, sob o sol escaldante do meio-dia. Lembro-me dos meus amistosos e renhidos confrontos com o David, que o Amerigo até hoje comenta comigo.

E os torneios, já desde o hotel, quando chegamos a ter trinta e duas duplas inscritas, divididas em categorias. E as festas de encerramento, no sítio do Neneco, de onde saíamos muitas vezes cheios de chope e íamos para a estrada, voltando pras cidades. E o “coroamento” dos campeões com meia melancia na cabeça! E a guerra de chope! E os patrocinadores financiando o churrasco com um boi inteiro!

E os desafios, que nasciam nas festas, já com algum teor etílico na cabeça, e se concretizavam na quadra nos dias seguintes. E o Julinho me escolhendo como parceiro e, já no chope, desafiando a dupla Cléo e David, sempre com uma aposta. E perdíamos sempre. Quanta cerveja pagamos...

E as tertúlias, músicas prolongando nossas jantas, e as serenatas, quando, depois das festas, saíamos a cantar acordando os amigos que abriam suas casas para nos receber. Às vezes até interrompemos atividades importantes que estavam acontecendo... Nesse setor, tenho orgulho de lembrar que, com a empolgação dos festivais nativistas de que estava possuído, consegui fazer muitos amigos perceberem o encanto das músicas nativistas, quando, como me disse o Amerigo ontem, começavam a entender o significado das belas letras que íamos mostrando.

Mais detalhes e histórias certamente estão, neste momento, aflorando às memórias de muitos.

Tenistas demais frequentando a quadra, que já não dava conta de tanta demanda.

E, finalmente, após muitos planos do grupo à beira da quadra, quando muito se sonhava e nada se concretizava, surge o princípio do Recanto: o Cléo havia comprado os terrenos e nos disponibilizava a sonhada construção das quadras.

Então o projeto andou. Formou-se o primeiro grupo de “associados”, éramos dezessete, aos quais foram-se paulatinamente agregando outros, chegando-se a ter cinquenta e oito condôminos, como passamos a ser chamados na constituição do Condomínio Recanto Xangri-Lá. Naquela etapa, após a construção das quadras pelo Cléo, já se reunindo os primeiros recursos do grupo, conseguimos juntar o montante para ressarcir ao Cléo o valor despendido na compra dos terrenos.Entretanto, o esforço desse amigo e o valor do benefício recebido são imponderáveis, certamente isso não conseguiremos ressarcir.

Éramos os donos do tênis na praia. Nenhum clube ou associação tinha, como nós, três quadras modernas, sempre com pisos de última geração, que atraíam a atenção dos tenistas que aqui veraneavam.

E assim estivemos, jogando tênis, a nossa paixão, e convivendo em amizade, ativos e participantes, durante tanto tempo. Os que estão aqui presentes hoje, fundadores ou que aderiram ao grupo na trajetória, conhecem essa história.

Muita coisa ainda poderia ser dita a respeito desta história. Mas nossa memória é imperfeita...

Mas o tempo é implacável. Os condomínios surgiram, com suas quadras. O grupo, amadureceu e envelheceu. Muitos deixaram de frequentar as quadras, em função da saúde ou por outros motivos, e começaram a retirar-se, de forma que restamos nós, que hoje estamos promovendo o encerramento desta etapa.

Mas encerra-se esta etapa com dignidade, conforme nos propusemos. À custa de bastante trabalho, mas valeu a pena.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

AINDA SOBRE ANIMAIS

E os cavalos, quando se aproximam da velhice? Esse é um problema para quem mora na campanha e ama os cavalos. Por vezes passa um caminhão pelas fazendas reculutando cavalos que não servem mais para a lida. Pagam uma ninharia e se diz que vão para fazer salame. Pois é, um cavalo é um animal que pasta, tem que vacinar, essas coisas. Entendo os que vendem os idosos  “ para salame”. Da minha parte , que não estou apertado, deixo esses numa invernada com boas aguadas, algum mato frondoso para se abrigar, mas faço questão de que fiquem acompanhados de cavalos e éguas jovens, em período de folga, para que contem seus causos. E quando  a chama votiva desses valorosos seres começar a  se extinguir, que sigam para o céu dos bichos tendo um final que não seja o matadouro.
A região da campanha é louca por cavalos. Portanto quando vem uma criança me pedir um , pergunto se aceita um matungo meio velho para passear, sem muito retoço. Então dou o cavalo idoso para a criança ter uma bela companhia.
Os cavalos inteiros, os “ culhudos”, esses são um perigo e é  necessário muita cautela. Ao verem uma égua no cio é aquele alarme.
Outro problema com cavalos é quando fraturam , num galope, um membro. Aí não tem jeito a não ser a eutanásia através de um veterinário.
Os bovinos são um caso a parte. Quase todos os terneiros machos são castrados ao atingirem determinada idade.Menos os que são vendidos para o mundo árabe. Com efeito, não é razoável que um macho comum, sem “ pedigree”, cubra uma fêmea. Para isso existem os touros selecionados , a inseminação artificial ou a transferência de embrião. A monta natural das fêmeas dá-se hoje quase só quando do repasse das inseminadas. Uma amiga um dia me disse: “ mas bah, uma novilha, depois vaca, ter tido vários filhos sem nunca ter tido um cópula normal?” . Pois é, muita gente no mundo está reclamando , dizendo que assim se nega o bem estar animal. Aqui entre nós, o touro faz uns carinhos rápidos, salta em cima da novilha, não dura mais do que um minuto, sai de cima e vai cuidar da vida. Mas creio que deve ser idílico para os dois, conquanto a relação tenha durado o que dura um lírio.
Nos bovinos a relação forte mesmo é entre a matriz e seu rebento.Chega uma hora e é preciso desmamar os terneiros e os retirar de perto das mães. Minha nossa, a choradeira é grande, de ambos os lados. Muito vi vacas saltarem cercas e cercas até chegarem onde estavam os terneiros. Mas depois de uma semana as mães se acalmam, encontram um touro amoroso, engravidam de novo e a vida segue. ( continua)
( publicado na Gazeta do Sul)

terça-feira, 23 de abril de 2019

SOBRE JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE - DEBATE IMPORTANTE

O Diretório Central dos Estudantes da URI Santiago irá promover na próxima quinta-feira (25), o II Painel Acadêmico de Debates que abordará o tema “Saúde, Poder Judiciário e Estado: esclarecendo papéis individuais”.  Com a mediação do presidente do Núcleo Jovem da Cacism, Lucio Antunes, profissionais da área vão prestar esclarecimentos sobre a saúde em âmbito público e privado, bem como as atribuições de cada setor.
O advogado e especialista em direito médico pela Washington College of Law American University, EUA, Ricardo Jobim; prefeito de Santa Maria, ex-secretário de saúde e advogado Jorge Pozzobom; o diretor do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul, Fernando Uberti Machado; e o diretor do laboratório Oswaldo Cruz e presidente do Centro RS Saúde, Rafael Silveira, são os profissionais convidados a falar sobre a temática escolhida para este Fórum. Fazer da academia palco de uma pertinente discussão sobre saúde, um dos maiores anseios da população, é extremamente importante para esclarecer os papeis individuais de cada agente no processo de gestão, execução e operacionalização da saúde”, afirma o presidente do DCE, Fernando Oliveira.
O evento que tem apoio do COREDE Vale do Jaguari e Centro RS acontece a partir das 19h, no Salão de Atos da universidade e é aberto a toda comunidade. A entrada é 1 kg de alimento não perecível. A taxa para emissão do certificado de 5 horas complementares para universitários será de R$ 5,00. Acadêmicos com a carteirinha do DCE não pagam.


                                          
Fernando Oliveira
Santiago - RS - Brasil
Fone: (55) 9.9675-3496

quinta-feira, 18 de abril de 2019

ARTIGO DE GILBERTO MOSMANN


CARTA ABERTA AO PRESIDENTE BOLSONARO

Gilberto Mosmann
consultor empresarial
gmosmann@gmail.com

Senhor Presidente Jair Bolsonaro, eu desgosto de seu estilo, falante e pouco atuante. Votei no senhor com vistas a livrar o Brasil de males maiores. Escutei-o pessoalmente em Porto Alegre, antes mesmo do início da campanha. Não gostei do que ouvi. Levantei-me e saí do recinto.
Exerci o cargo de Secretário Estadual de Desenvolvimento junto a dois Governadores. Suplente, assumi a Câmara dos Deputados em final de mandato, em 90 para 91. Em três sessões, comprovei-o nos Anais do Congresso Nacional, falamos os dois nos respectivos espaços chamados de Pequenos Expedientes: o senhor, sobre os militares e seus soldos; eu, sobre temas econômicos.
Se quiser realmente mudar os rumos do país, livre-se da influência de seus filhos: que cada filho cumpra o seu papel onde esteja, sem interferir no Governo Federal. Livre-se do twitter; há escritos seus que chegam às raias da infantilidade. Mudando o Ministro da Educação, falta fazê-lo com o das Relações Exteriores, que insiste na bobagem do anti-globalismo e tolamente coloca o nazismo na esquerda. Governe, ao invés de twittar; a economia aguarda as ações dos cem primeiros dias de governo, já esgotados. Desembarque da campanha, encerrada há bom tempo. Observe como o seu Vice-Presidente, equilibrado e sensato, vem sendo bem recebido em todos os plenários.
Isso é o mínimo que eu me ocorre propor. Não o afronto. Afinal, o senhor conquistou seguidos mandatos parlamentares. Chegou à Presidência pela via das redes sociais. Elas servem bem para campanhas, mas não para governar. Jânio Quadros se valia de bilhetinhos, e deu com os burros n´água.
O Governo não deve cabalar votos no Congresso com cargos e verbas. Mas, deve entrosar-se com o Parlamento. O regime democrático não se enaltece em discursos, mas vivencia-se com a atuação.
Rememorar ou comemorar o 31 de março foi péssima idéia. Porque destacar algo que, pós-recíproca anistia, deveria ficar restrito às páginas dos livros de História?
Creio no nosso país, promissor, e formulo votos que o senhor mude a si e o País.




terça-feira, 16 de abril de 2019

GESSINGER ADVOGADOS COM MAIS UM INTEGRANTE


Após concluir com muito aproveitamento seu curso de Direito na PUC de Porto Alegre e, mesmo antes de formado , ter  sido aprovado nas provas da OAB, Rudolf Genro Gessinger, meu filho, está apto a advogar.
Vêm se unir ao meu sobrinho Cristiano Gessinger Paul, também formado pela PUC, mestre  e professor universitário.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

PUTZ, TUDO QUE ME FALTAVA ERA PUBLICAR CRÔNICA DE UM GREMISTA

Meu pai era torcedor do Renner, que fechou em 1954, após ser campeão gaúcho. Como bom alemão, bandeou-se para o Grêmio. Minha mãe Ludmila, também alemoa, tinha pena dos pobres do Colorado. E torcia  pelo Inter. Claro que a segui. Mas não toco flauta, não vou a jogos e só olho os gols do Inter depois do jogo, se ele tiver sido vitorioso.
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ATÉ DE BONDE NÓS IREMOS!
Sérgio Agra

O dia está lindíssimo. Não é só um domingo cristão, é um imenso domingo universal dissera o Bruxo de Cosme Velho ao pé do ouvido do moleque de quatro anos que seguia seguro pelas mãos firmes do pai rumo ao abrigo do bonde Auxiliadora, na Praça XV. O destino, Estádio da Baixada. O ano era 1953.
O pai prometera o levar por vez primeira para torcer, não apenas para o vizinho de apartamento, o cearense Itamar Sampaio, mas pelo “team” que naquele ano de seu cinquentenário ganharia o terceiro e definitivo Hino, composto por seu não menos ilustre torcedor, Lupicínio Rodrigues, e que o Tempo ungiria o Clube homenageado na ode ao Olimpo como o Imortal Tricolor.
Na esquina da Rua Mostardeiro o elétrico fizera a última parada antes de dobrar à esquerda e prosseguir pela Florêncio Ygartua. Ali uma leva de senhores, alguns em terno e gravata, e jovens trajando roupas leves e desportivas desceram a íngreme lomba da continuidade da Mostardeiro— que os gaiatos do início dos anos 70 apelidaram de “O último suspiro das virgens”. À esquerda, ao fim do declive, situava-se o Jockey Club do Rio Grande do Sul, ponto de encontro da “rai soçaite”, em que, não raro, no tradicional Grande Prêmio Bento Gonçalves, transfigurava-se no palco do desfile de cavalheiros fidalgamente encartolados e de luzidias e “britanicamente” enchapeladas madamas e presumíveis vestais senhorinhas.
Voltemos, porém, ao Planeta Terra. À direita, numa construção de madeira, simples, mas de bom gosto, destinada para abrigar sócios e convidados, resplandecia o Estádio da Baixada, também conhecido como o Fortim da Baixada. Os não sócios se acomodavam ao redor do campo em cadeiras, entre as árvores ou nos barrancos.
O vizinho Itamar Sampaio e seus companheiros, dentre os quais Airton Ferreira da Silva, Ênio Rodrigues, Sergio Moacir e Tesourinha seriam condescendentes para com as desatenções do molequinho de quatro anos que preferira galgar os degraus das arquibancadas de madeira até o seu cimo e, através de pequenas aberturas, espiar as carreiras que se desenrolavam nas pistas do hipódromo. Afinal, era aquela a iniciação do futuro e fervoroso torcedor.
Foi ainda pelas mãos do pai que o menino viajara, ou no bonde Glória ou no Teresópolis até a Pedreira, para desembarcar na esquina da Avenida Carlos Barbosa com a Rua José de Alencar e se acomodar nas arquibancadas de cimento do Estádio Olímpico. A novidade era a recente contratação de um argentino que revolucionaria a indumentária dos goleiros com sua berrante camisa amarelo-gema: Germinaro.
Definitivamente, a paixão assaltara o guri de forma que, ainda hoje, ele nomeia aquele que fora o primeiro grupo de seu coração: Germinaro, Figueiró, Airton, Ortunho, Elton, Ênio Rodrigues, Marino, Gessy, Juarez Milton e Vieira. Era a tradicional formatação inglesa: dois, três, cinco.
Trinta anos mais tarde, o piá, feito homem e pai, levava seguro pela mão um curioso fedelho ao Olímpico Monumental. Ali, muitos foram os jogos que pai e filho torceram e vibraram até o último Gre-Nal, em dezembro de 2012, quando todos os que lá estiveram se despediram daquele Templo sagrado.
Muitas foram as lágrimas de dor e de alegria vertidas naquele amado Casarão que a descúria de uma construtora fraudulenta e a incompetência dos gestoresmunicipais permitiram transformasse em covil de desocupados e drogadictos. “Não há nada menos vazio do que um estádio vazio. Não há nada menos mudo do que as arquibancadas sem ninguém". As palavras são do escritor uruguaio Eduardo Galeano.
Através do Rogério, combativo Editor deste Litoralmania e fraterno amigo do “homem”, a quem outorguei procuração para, junto a ele, Romildo Bolzan Júnior, solicitar não um busto, menos ainda uma estátua; um simples, mas especial convite ao camarote.
É mais do que chegado o momento, num dia lindíssimo, não apenas um domingo cristão, um imenso domingo universal, em que filho e neto hão de segurar-lhe as mãos e se transfigurarem os olhos do pai e avô que lhes há de dizer, ante a imponência e sacralização da Arena: — Me ajudem a olhar!


sábado, 13 de abril de 2019

NO CAMINHO DE TAQUARI - SÉRGIO AGRA


NO CAMINHO DE TAQUARI





Chovia muito na véspera daquela Sexta-feira Santa. As nuvens carregadas e a fúria dos ventos emprestavam a São Jerônimo, Triunfo e General Câmara, de tão quietas e desertas, a aparência de cemitérios abandonados. O barco a vapor de Mestre Dário, o Porto Alegre, o maior da frota da Companhia de Navegação Arnt— com capacidade de transportar até 400 passageiros, dotado de camarotes, cozinha e refeitório —, enfrentara com valentia a correnteza do Rio Jacuí. Há muito escurecera quando a embarcação, finalmente, enveredou para o Rio Taquari, por onde alcançaria o embarcadouro da cidade a que dera o nome. No porto, apesar do dilúvio, Nenê Agra, meu avô, lá estava, abrigado do torrencial aguaceiro, no volante do seu Prefect estrategicamente estacionado o mais próximo possível do cais, à nossa espera.
Após o tormentoso desembarque, envolvido pelo afetuoso abraço avoengo e perguntado como fora a viagem, eu jurara que jamais faria outra jornada a bordo de balouçantes embarcações, não nas condições de tempo como o daquela noite. Minha mãe, sempre prestimosa aos meus caprichos, aquiescera e, para me sossegar, conjeturara que, dali para diante, as excursões àquele pequeno e bucólico lugarejo se fariam no automóvel de meu pai. Esta decisão, no entanto, não passaria de uma única e desgastante experiência, às vésperas do Natal daquele mesmo ano.
A rodovia então extremamente precária era, em alguns trechos, de chão batido. A poeira, erguida pelos automóveis que trafegavam no sentido contrário, cegavam a visão de meu pai, sem considerar as pedras que eram lançadas com violência pelos pesados caminhões deixando suas marcas na pintura da lateral do carro. Em dias de chuva a estrada transformava-se em verdadeiro atoleiro, e não guardavam, a qualquer tempo, o fascínio das viagens, mesmo nos barcos a motor, que sucederam os antigos vapores impulsionados por caixas de roda.
Ao se partir de Porto Alegre, antes de alcançar o delta do Rio Jacuí, vislumbravam-se das vigias dos camarotes as Ilhas da Pintada, da Pólvora e das Flores para, aí sim, se iniciar a subida do leito sinuoso dos rios Jacuí e Taquari, margeado por densas matas nativas que presenteavam com deslumbrantes cenários a cada meandro. Ao longe e em dias de intensa claridade, a uma distância de quatro quilômetros do porto da cidade, quando o vapor iniciava uma longa e suave curva para a esquerda, apoiado nas balaustradas, eu avistava por entre a copa das árvores do bosque que ainda hoje circunda a pequena povoação, primeiro, o campanário da Igreja Matriz São José de Taquari, na elevação da Rua Sete de Setembro; aos poucos, os altos muros e os telhados já sem cor definida dos antigos sobrados no estilo açoriano. Mais próximo, eu distinguia, tal sentinela, a possante águia esculpida em granito na cumeeira do solar de meu avô. A ave parecia premonizar a chegada de seus hóspedes.
Na casa avoenga vivenciavam-se verdadeiros festivais de aromas e sabores indescritíveis que se perpetuariam na minha memória: a essência do óleo de peroba nos móveis antigos, o perfume dos jogos de cama lavados e caprichosamente engomados, os eflúvios da goiabada, ou do doce de abóbora recém-feitos em tachos de cobre pela avó, que se evolavam por todos os recintos do casarão. O avô não cabia em si de contentamento com a visita do primeiro neto. Prometia, para o dia seguinte, uma ida ao orquidário para exibir os novos espécimes de sua coleção e as medalhas mais recentes, fruto dos lauréis nas exposições.
Na companhia de meu avô eu fruía, naquela hora preguiçosa de pós-almoço, do suave e inusitado prazer em aspirar a adocicada fragrância da fumaça do crioulo e ver o fumo caprichosamente desbastado e enrolado com habilidade na folha de palha. Eu era tomado por assomos de risos ante os “causos” então narrados com fina ironia traço marcante do ancestral das gafes e trapalhices de alguns confrades da aldeia. Meu avô inventava, mesmo ante minha ingênua curiosidade, anedotas contando as sandices de antigo administrador da cidade.
Nos feriados prolongados como aquele, a casa, após o almoço, era invadida pelo alarido dos demais netos, a despeito dos clementes pedidos de minha avó para que guardássemos silêncio, afinal a sesta era sagrada para o velho orquidófilo e exímio inventor de histórias. Era, então, permitida a incursão do alegre bando à Lagoa Harmênia.
Para alívio de minha avó, o descanso do patriarca estava salvo.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

SOBRE ANIMAIS - 1


Nosso cancioneiro nativo gaúcho tem pérolas, tanto sonoras, como poéticas que miram a vida de campo. Uma delas é a belíssima composição de Ewerton Ferreira e José H. Retamozo, “ Poncho Molhado”:

“Poncho molhado olhar na tropa e no horizonte/Vai o tropeiro devagar estrada aforaA chuva encharca que está chovendo desde ontontem/Dói dentro d'alma essa demora/

Irmão do gado ele se sente nessa hora/E o seu destino também vai nesse reponte/
Igual a tropa nesse tranco estrada afora/Sempre encharcado de horizontes/
A tropa segue devagar mugindo tonta/Talvez pressinta que seu fim é o matadouro
E o tropeiro entristecido se dá conta/O boi é bicho mas tem alma sob o couro….”

Nada mais verdadeiro. Hoje, queiramos ou não, a maior parte de nós está confinada em
apartamentos ou em casas bem gradeadas, cheias de sensores, alarmes, câmeras.
Saímos das fábricas ou qualquer local de trabalho e nos socamos dentro do
automóvel, para apear já dentro da moradia. Se não estivermos teclando no
celular, é provável que estejamos degustando a overdose de informações, cuja
única “ virtude” é nos deixar mais aflitos e estressados.No máximo teremos um
cachorro, cujo horizonte é a grade da casa, com o qual passeamos, sempre com
uma guia e coleira, impedindo que saia correndo e brinque com alguma coisa.
Sendo assim, pouco tempo temos de contemplar a  natureza, tal qual ela foi
gestada pelo Criador. Às vezes chegamos ao absurdo de pensar que  vegetação que não foi por nós colocada nos vasos ou plantada no jardim, é cisco, é capoeira, é erva daninha.

As pessoas ficam , assim, desnorteadas por imposição de nossos tempos. Os pequenos
povoados, as bucólicas cidades , onde não pega bem a internet, são
inimagináveis para a maioria.
 

Pois como se diz em Unistalda, “ é aí que me refiro”.

Por eu estar há mais de 20 anos em estreito e frequente contato com os campos,
observei que os animais são maravilhas da natureza. Tanto os domesticados como
os livres. Não concordo com a assertiva de que os animais, por não terem o
aparelho fonador como os humanos, sejam irracionais. Lá na fazenda andam livres
canídeos, felinos, veados, etc que não deixam lixo por onde habitam. E
proclamo: eles têm tanto direito de viver aqui na Terra como nós.

Se você tiver bastante contato com os cavalos verá que eles tem, no seu grupo,
parceiros escolhidos, trocam afagos, se acostumam com os humanos, sabem “ de vereda”
quem é cavaleiro e quem não é.

Continua
na próxima.

terça-feira, 9 de abril de 2019

TEM GENTE DESCONHECIDA QUE ESCREVE BEM MELHOR QUE MUITO FIGURÃO

Escrever poemas numa hora dessas? Sergio Agra

SERGIO AGRA – Intelectual não vai a praia. Intelectual bebe.
ESCREVER POEMAS NUMA HORA DESSAS?
 (Ou não ter algo mais útil por fazer)
Como invariavelmente acontece, meus bruxos, meus duendes, meus fradinhos da mão furada, invadem meu sonho, roubam-me o sono e, na algazarra que lhes é característica, me imobilizam pés e mãos, sem ofereceram-me chances de defesa, e me arrastam até o computador. Nada lhes demove daquela travessura, sequer meus argumentos que já passam das duas horas da madrugada.
Ciente do que eles são capazes, tanto em me concederem favores e benefícios como me enganarem e pregarem-me partidas, pergunto-lhes o que pretendem desta feita. Pulando, batendo palmas, num uníssono, garantem-me que adoraram brincar de “fazer poesia” e desejam continuar a brincadeira.
Lembro a madrugada do dia 13 de março em que eles, em alegre bando, assaltaram meu quarto e ordenaram que eu lhes fizesse algumas poesias. Argumentei dizendo-lhes que não era e nunca serei poeta. Ardilosamente me indagaram o que fazem os poetas. Respondi-lhes, escrevem poesia! E tu, replicaram, não és escritor? Então, um escritor também “escreve” poesia! Inútil seria minha tréplica ante tamanha sagacidade. E, naquele quase amanhecer, escrevi “Decompondo a Poesia”, que Litoralmania publicou no mesmo dia.
Admiro os poetas – os talentosos – que reinventam sonhos, pintam crisálidas, cantam os amores. Mais que admirar, no entanto, é saber ler e entender o que o poema traduz, sob o risco, o que acontece amiúde, de se ler uma espécie de “torre de babel” de pretensas poesias. Duvidam? Então, leiam:
O plenilúnio, na pluviosa e invernal noite,/ de doirado e intenso esplendor,/ borrifa sobre a dama-da-noite,/ acolhida pelo indevassável dossel de uma estufa, / desenhando um halo de inusitada cor”.
E a cativa claque explode em loas!
O poema, dos gêneros literários, se não é o mais difícil de ser bem escrito, o é em ser entendido. Mesmo sendo-lhe contemplado voos sem limites da imaginação do versejador, há de guardar lógica e verossimilhança.
Se a noite, como a descrita acima no poema “ensaio”, é de chuva, há de se presumir que as nuvens impeçam o brilho, mesmo sendo lua cheia (plenilúnio), ser vislumbrado; menos ainda que os raios desse luar trespassem o “indevassável dossel” da estufa. Quanto ao esplendor “doirado”, ainda que um tanto forçoso, a licença poética concede esse arroubo.
Enfim, mais intrincado do que escrever e ler um poema, é entender se o que o poeta versejou tem um sentido, tem uma lógica. Caso contrário, nem a licença poética o absolve.
Por esta insofismável razão, apesar da tirania desses monstrinhos e inimigos íntimos, fico eu com minha descomplicada prosa. Mas sempre se abre uma exceção. Afinal, estamos no Brasil, sil, sil…
O Face Book e os “poetas” de ocasião
Num distante,tão distante carnaval,
entre tirolesas,havaianas e colombinas,
misteriosa e dissimulada odalisca,
a fronte envolvida por purpurinas
e delicado véu que me concedia a vista
dos verdes olhos como o mar abissal,
desafiou-me – tal zíngara dissimulada –
para dar asas a seus devaneios,
dedicar-lhe parnasiana poesia
como se fora ela, a odalisca,
Sherazade, a mulher de meus mil e um anseios.
Jurei-lhe, veemente,
ser menestrel de escasso cântico,
de verso desataviado e anacrônico.
A irreal escrava de harém, obstinada,
provocava-me, com fingida lascívia,
com seus “óhs” de encantamento
e “ais” de enganosa paixão
– canora cotovia –,
sacralizar em juramento,
exaltar-lhe o viço em suave canção.
As tolas havaianas,
colombinas e tirolesas,
incultas mulheres praianas,
presumem-serainhas e princesas,
alvas de lamecha poesia.
A cada poema(zinho),
também (mal)lido,
compartilham num delírio compulsivo:
“Lindo! das coisas da alma, quanta leveza.
“Lembra-me, tua poesia,
das panelinhas de coco que mamãe fazia”.
Deus meu!
Dou-me conta neste momento
de que hoje sequer é festajunina ou carnaval,
e de que sou incapazde tamanha descortesia,
mesmo aquineste universo virtual!
Assim,logradas e românticas princesinhas,
claque cativa dos obtusos bardos
que infestam as redes sociais,
serei eternamente grato e feliz em saber,
“no plenelúnio deste anoitecer”,
(como “eles” abusam dessa litania)
que minha despretensiosa poesia
dispensa vocês dos mil e um sussurros:
“Lindo! Que poético!
Lembra as noites de São João
e as paçoquinha que mamãe fazia
no velho e fumarento fogão!”

quinta-feira, 4 de abril de 2019

AS MULHERES NA MAGISTRATURA GAÚCHA


Inicio dizendo que o que vou contar é verdadeiro, por incrível que possa parecer.
No início dos anos setenta as mulheres já estavam em toda parte. Nas faculdades de medicina, de odonto, engenharia e tantas mais. Na minha turma do Direito da
 UFRGS havia um terço de gurias, todas muito estudiosas. Em várias áreas se destacavam: nas rádios, nas TVs, nos jornais, na advocacia, no magistério superior, na política. Mas não tinham acesso à magistratura estadual aqui no RGS.
Era assim: o Tribunal de Justiça abria o edital para o concurso a juiz de direito,do qual constavam vários ítens como idade, escolaridade, bons antecedentes, mas não havia nenhuma restrição quanto ao gênero. Esgotado o prazo para as inscrições, a lista era submetida ao exame da comissão de concursos, que indeferia, sumariamente, a inscrição das mulheres. No meu concurso, que aconteceu em 1971, eu tinha 25 anos de idade, havia centenas de candidatos aptos a concorrer, mas não aparecia o nome de nenhuma mulher.
Dizia-se, a boca pequena, que não era viável uma mulher ser juíza de direito  lá nos cafundós. Como é que uma mulher poderia ser juíza? e o marido, e os os filhos, e os perigos?
No concurso seguinte ao meu várias mulheres se inscreveram novamente e o assunto foi levado por mais uma vez ao órgão especial do TJRS.  Acontece que o colegiado já tinha uma composição de desembargadores mais jovens, não tão conservadores. Foi fundamental, a meu ver, o fato de uma filha do desembargador César Dias  haver se inscrito. Seu nome: Maria Berenice Dias. Aí mudou a cantilena. Houve uma grande discussão interna e a votação mudou , abrindo as portas para as mulheres. Maria Berenice fez uma maravilhosa carreira, foi juíza brilhante, ascendeu ao cargo de desembargadora, hoje está aposentada e é uma famosa escritora e advogada no campo do Direito de Família.
Assim como a pioneira Maria Berenice as mulheres começaram a se destacar, ruindo por terra todas aquelas falácias que eram motivo para os receios já narrados. Muitas se casaram, se separaram, tiveram filhos e ninguém morreu por causa disso. Foram se destacando e hoje, salvo engano, constituem quase 50% no quadro dos magistrados estaduais. As mulheres galgaram todos os cargos, inclusive na Ajuris.
Falta apenas uma desembargadora assumir, num momento propício , a Presidência no Tribunal de Justiça.
Eu eu,modéstia a parte, sou pai de uma guria linda, se formou na UFRGS, casou e conservou  seu nome de família, tem dois filhinhos  e é Juíza de Direito na Comarca de Tramandaí,Milène Koerig Gessinger.


terça-feira, 2 de abril de 2019

CULTURA : MARAVILHOSA E ERUDITA CARTA DE UM FILÓSOFO, JOSÉ NEDEL

Caro ensaísta acadêmico Franklin Cunha,
  
    Seu belo e instrutivo ensaio “Funerais linguísticos” (agora no Correio do Povo, Caderno de Sábado, 30/3/19), me induz a propor algumas reflexões. A matéria ventilada é rica, exibe variados aspectos, todos interessantes.
Seleciono tão só alguns pontos.
    O perigo de descaracterização da língua francesa pela invasão incontrolável de palavras da língua inglesa, denunciado por René Etiemble, mutatis mutandis, ameaça também a nossa língua, que se vê ante um sem-número de termos desse gênero invadindo reportagens, artigos e colunas na imprensa cotidiana (v. g., compliance, 50% off, startups, spoiler, for sale, whatsapp, e-commerce, workshop, etc.). Mas não é essa questão que me interessa aqui e agora, senão outra, a da emergência da linguagem humana, “estrutura de grande complexidade, definidora da humanização do homem”, como escreve acertadamente o eminente ensaísta.
    É verdade, a possibilidade da fala é uma condição adquirida in utero; mas é duvidosa a afirmação de que as crianças “não aprendem a falar: [pois] já o sabem”, atribuída a linguistas como Noam Chomsky e outros. Essa tese é platônica: implica a existência de ideias inatas, que é contrariada pela majoritária tradição aristotélica. Segundo Aristóteles, na origem, a mente ou a alma (psyché) é uma tábula rasa em que nada está escrito. A partir da experiência sensível é que nela se lançam os conteúdos do saber. Assim se realiza verdadeira e progressiva aprendizagem. Sendo assim, o que é inerente à natureza é a capacidade de conhecer, não seu conteúdo. Este  é adquirido com a experiência.
   Outra questão relevante está implicada na afirmação bem lançada de que o “substrato anatômico e neurológico complexo e único no reino animal” torna possível a emergência da linguagem.  Esconde-se nisso uma sutileza que vale a pena desvendar: a distinção entre condição e causa. “Tornar possível”, permitir, é função da condição, não da causa. Condição não produz o efeito (no caso, pensar, falar), mas permite que a causa o produza.
    Segundo a antropologia filosófica, o substrato anatômico e neurológico é condição do pensamento, do conhecimento racional, da linguagem. Sua causa é a parte ultrabiológica do composto humano: a psyché, a alma racional, o noûs que, segundo Aristóteles, “vem de fora”; e, na concepção hebraico-cristã, é criação direta de Deus, não produto evolutivo a partir da matéria. Em virtude desse componente racional, o ser humano, verdadeiro “centauro ontológico” composto de uma parte imersa na circunstância e de outra dela emersa (José Ortega Y Gasset), tem uma plenitude interior que o impele à criação da linguagem, a fim de satisfazer a premente necessidade de se comunicar. Os animais não humanos, carentes de racionalidade, não tem semelhante plenitude interior que os incite à linguagem lógica. A propósito dessa matéria, o padre jesuíta Balduíno Rambo, cientista gaúcho de renome, deixou este registro curioso: O macaco tem aparelho fonador perfeito, condição que lhe daria plena possibilidade de falar. Porém não fala, porque, sem inteligência ou racionalidade e, pois, sem interioridade, “não tem nada a dizer”.
    Essa disquisição da antropologia filosófica escapa à linguística, à psicologia experimental, à ciência empírica in genere. A filosofia, por sua vez, sente-se à vontade em dar conta disso, e o faz com boas razões teóricas desafiadoras até da peremptoriedade das posições antagônicas, materialistas. Entre elas há quem (v. g., Karl Vogt) defina o pensamento como “secreção do cérebro” à semelhança da bílis, segregada pelo fígado; e da urina, pelos rins. Errado. A verdade é outra: o substrato anatômico e neurológico do composto humano é tão só condição do pensamento e de sua expressão pela linguagem, não sua causa, como foi evidenciado.
   Caro Acadêmico Franklin Cunha. Agradeço a oportunidade de ler seu belo ensaio, que me impeliu a propor esta singela reflexão.
    Um forte abraço.
    José Nedel