CARTAS DE PORTUGAL 2017
VAMOS COM CALMA. O
BRASIL NÃO ESTÁ À BEIRA DA MORTE
Paulo Timm - julho 03 2017
“O Brasil não cabe no
precipício”
Delfim Neto’ 2017
“A classe média brasileira
não cabe em Miami”
Leonel Brizola – 1980
"Talvez
lembremos destes dias como uma época em que o país esteve entregue a patetas e
patéticos, e a revolta se dissolveu na melancolia".
L.F.Verissimo
*
Estou nestes meses em Portugal onde acompanho minha companheira em seus
estudos. Há tempos faço isso e acabei me familiarizando com várias questões
aqui da terrinha: as boas comidas regadas ao vinho bom e barato, o clima de
tranquilidade do país, um dos mais pacíficos do mundo, as contorções da
política local, que reflete as acomodações à União Europeia, os sabores e
dissabores da vasta colônia brasileira que aqui reside etc. Algumas destas
questões já passaram por momentos críticos. Houve uma época, logo depois da
Revolução dos Cravos, de grande polarização ideológica, drenada pelo
protagonismo centrista do socialista Mário Soares, que culminou na
celebração democrática que hoje permite a alternância de tendências sem maiores
traumas. Há mais de um ano outro socialista, Antonio Costa, comanda o Governo,
cujo Presidente é um conservador. Houve tempo, também, de grandes rusgas entre
os brasileiros e os portugueses, primeiro em torno da questão dos
dentistas, que inundaram o mercado, depois, das biriguetes de programa, que
escandalizaram a tradicional família lusitana. Mas hoje isso acalmou, embora
sobreviva uma pitada de preconceito contra brasileiros, sobretudo negros, ao
que nem sempre respondemos da melhor maneira. Coisas da vida. Nada alarmante.
Choque de culturas. Um amigo me explica que os portugueses são mais brutos do
que nós, mas nós somos mais violentos. Há casos de revides no sopapo. As ondas
de imigrantes do Brasil, porém, se sucedem sem atentar para esses pontos
obscuros. Somos a maior colônia estrangeira em Portugal, em torno de 200 mil,
metade dos quais já estabelecida definitivamente. Os flutuantes oscilam de
acordo com a conjuntura. Dados oficiais do Governo português apontam para os
seguintes números, enquanto analistas afirmam que já somos 4% da população de
Lisboa.
Na crise dos 80-90 brasileiros vieram às pencas trabalhar em grandes obras
e, com o mesmo ímpeto, retornaram ao Brasil na euforia lulo-petista dos anos
2000. Lisboa baixou em pouco tempo de 60 mil para 20 mil brasileiros.
Agora, diante da crise no Brasil começam a retornar mas encontram um país muito
diferente. Portugal já completou o ciclo de equiparação aos padrões europeus,
está recém saindo de um período de forte austeridade - comandado pelos
conservadores - e já não se oferece como um campo fértil de emprego. De resto,
agora chegam, também muitos estudantes, cativados pelo custo baixo dos cursos
de pós graduação associados ao baixo custo de vida, sobretudo no interior, onde
pululam diversas universidades de excelente nível, começando por Coimbra, mas
também Porto – que dá 50% de desconto nas anuidades para brasileiros, Aveiros,
Algarve e Covilhã, onde resido
Só no Consulado Geral de
Portugal em São Paulo, por exemplo, o volume de pedidos de visto de estudante
nos primeiros cinco meses de 2017 foi 148% maior do que o mesmo período de
2016. Já as solicitações de vistos de residência para estudos de mais de um ano
aumentaram 320%.
No consulado, os números
acompanham um crescimento na solicitação de vistos em geral: de 54% em 2016,
face ao ano anterior. Neste período, o crescimento para vistos de estudante foi
de 60% — e este tipo de autorização corresponde a 69% de todas as solicitações
de visto.
As universidades reconhecem que um pontapé
importante para este movimento foi uma mudança na legislação portuguesa que
permitiu a candidatura de estrangeiros à graduação, e em consequência, uma progressiva
incorporação da nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para ingresso em
seus cursos
Pedidos de visto de brasileiros para estudar em Portugal
aumentam 148%
03/07/2017
- https://blogdobg.com.br/pedidos-de-visto-de-brasileiros-para-estudar-em-portugal-aumentam-148/
Detenho-me, aqui, nessa nova massa de imigrantes brasileiros que ora
aportam em terras lusitanas em busca de oportunidades.
Noto que são, em grande maioria, muito jovens. Veem de várias partes do
Brasil, estimulados por algumas reportagens animadoras e um pouco enganosas
sobre Portugal
– Profissões em falta em Portugal e seus
salários médio :
- e enfatuados com a crise no Brasil, sempre com um discurso
verdadeiramente catastrofista: “O Brasil acabou! Morre-se mais no Brasil em paz
do que o mundo em guerra! Até um bebê tomou um balaço ainda na barriga da mãe”
. Citam números: 14 milhões de desempregados, 100 mil mortos em homicídios e
acidentes de carro. Parece que estão saindo da Síria, tamanho o horror com que
se referem ao Brasil. Até têm um pouco de razão, mas não para tanto:
Muitos chegam de mão abanando, sem vistos adequados e sem qualquer noção do
país em que estão chegando. Pensam aqui “fazer a América”, como se dizia dos
que iam para Estados Unidos há pouco tempo. Aí descobrem a realidade: Mercado
de trabalho restrito e salários muito baixos, com cargas horárias que chegam a
10h. O mínimo aqui são 557 Euros, em torno de R$ 2.000,00, insuficiente
para pagar uma boa moradia e viver em Lisboa. No interior até dá, mas muito
apertado. Um trabalhador local ganha em torno de 1.000 euros enquanto grande
parte dos profissionais de nível mais qualificado, salvo executivos, fica entre
2.000 e 2.500 euros. Vida europeia. Tudo calculado, medido, planejado. Ninguém
compra a crédito. Cartão não parcela, aqui. Tudo à vista. Duro! Uma
especialista portuguesa Jessica Lopes vaticina:
"As nossas leis fazem dos imigrantes
fantasmas sem direitos"
Diante disso frequento os inúmeros portais de apoio a brasileiros em
Portugal – ou interessados em vir - respondendo à consultas e tentando ponderar
este ímpeto de abandonar o Brasil. Gente com emprego estável procurando
aventurar na terrinha…! Nem sempre sou bem aceito, pois imaginam que estou a
serviço de alguma agência de desaconselhamento da emigração – rsrsrsrsrsrsr… Já
falei sobre este assunto ao Senador Cristovam Buarque, no sentido de que
sensibilize as autoridades do Itamaraty para melhor informarem os brasileiros que
querem sair do Brasil. Informar não significa desestimular os sonhos de uma
vida melhor. Mas melhor instrumentalizá-los. Ou até adverti-los como fez
Bill Gates, certa vez, quando convidado para uma palestra numa escola
secundária na qual chegou apressado de helicóptero e leu estas 11 linhas, que
lhe renderam 10 minutos de aplauso:
1. A vida não é fácil — acostume-se com isso.
2. O mundo não está preocupado com a sua auto-estima. O mundo espera que você faça alguma coisa útil por ele ANTES de sentir-se bem com você mesmo.
3. Você não ganhará R$20.000 por mês assim que sair da escola. Você não será vice-presidente de uma empresa com carro e telefone à disposição antes que você tenha conseguido comprar seu próprio carro e telefone.
4. Se você acha seu professor rude, espere até ter um chefe. Ele não terá pena de você.
5. Vender jornal velho ou trabalhar durante as férias não está abaixo da sua posição social. Seus avós têm uma palavra diferente para isso: eles chamam de oportunidade.
6. Se você fracassar, não é culpa de seus pais. Então não lamente seus erros, aprenda com eles.
7. Antes de você nascer, seus pais não eram tão críticos como agora. Eles só ficaram assim por pagar as suas contas, lavar suas roupas e ouvir você dizer que eles são “ridículos”. Então antes de salvar o planeta para a próxima geração querendo consertar os erros da geração dos seus pais, tente limpar seu próprio quarto.
8. Sua escola pode ter eliminado a distinção entre vencedores e perdedores, mas a vida não é assim. Em algumas escolas você não repete mais de ano e tem quantas chances precisar até acertar. Isto não se parece com absolutamente NADA na vida real. Se pisar na bola, está despedido… RUA!!! Faça certo da primeira vez!
9. A vida não é dividida em semestres. Você não terá sempre os verões livres e é pouco provável que outros empregados o ajudem a cumprir suas tarefas no fim de cada período.
10. Televisão NÃO é vida real. Na vida real, as pessoas têm que deixar o barzinho ou a boate e ir trabalhar.
11. Seja legal com os CDFs (aqueles estudantes que os demais julgam que são uns babacas). Existe uma grande probabilidade de você vir a trabalhar PARA um deles.
Honestamente, acho que a crise no Brasil é realmente grave, mas, como já
assisti a muitas delas, desde Vargas, aprendi que o Brasil é um transatlântico.
Verga mas não soçobra e, quando menos se espera, se reorganiza e retoma
seu ritmo histórico. Ritmo e estrutura. Não há que se fazer ilusões. O Brasil é
uma nação em difícil construção, democracia frágil, marcado por profundas
desigualdades e que encontra na violência uma válvula de escapes sociais. Não
obstante, é um país que, apesar de tudo deu certo. Saímos de um fazendão
escravocrata para uma das mais sofisticadas economias do mundo. De resto,
o país é imenso. Uma coisa é a crise na cidade do Rio, outra em Porto Alegre,
outra em Teresina, cujo estado cresce a ritmo impressionante. Uma coisa são as
regiões metropolitanas, outra o sertão miserável, outra o interior próspero do
agro-business. Recente pesquisa evidencia as 100 melhores cidades para morar no
Brasil, todas com mais de 250 mil habitantes, dentre as quais Petrolina, no
Nordeste, Franca e S.José do Rio Preto em S.Paulo e diversas outras: http://casaclaudia.abril.com.br/urbanismo/estas-sao-as-melhores-cidades-do-brasil-para-morar/ . Em primeiro lugar nesta pesquisa está a cidade de
Maringá, no Paraná. “No quesito regiões, a Sudeste é
a que mais aparece na lista, com um total de 49 cidades – oito delas estão
entre as dez melhores”, para não falar de inúmeras novas e prósperas cidades
dos dois Mato Grosso. E Minas Gerais? Quantas cidades maravilhosas na
Serra da Mantiqueira, para onde refluem tantos que fogem do ruído e da
violência dos grandes centros? Eu, aliás, prefiro as pequenas cidades, como
Pirenópolis em Goiás, qualquer das cidades do litoral do Estado de Santa
Catarina, ou ainda as cidades da serra no Rio Grande do Sul, tais como Nova
Petrópolis ou Veranópolis. Moro, a propósito, no Brasil, na foz do Rio
Mampituba, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que é um verdadeiro
paraíso. Poucas oportunidades, por certo, mas qualidade de vida excepcional,
tal como, por exemplo, outro lugar onde também morei por muitos anos,
Olhos D´Agua, perto de Brasília, e onde estive recentemente testemunhando
a bela e tranquila vida dos que lá ainda estão. Enfim, há uma sinistrose
tomando conta do Brasil, disseminada pela Mídia, que recobre o país inteiro e
que deve ser combatida. O Brasil não está à beira da morte. Reinvente-se, pois,
dentro do próprio país, antes de sair correndo para o exterior! Mas, se depois
de avaliar tudo isso e se decidir à emigrar, vá lá. Será bem vindo!