segunda-feira, 20 de junho de 2016

UM REQUIEM DOLORIDO



Observo, contristado, impotente, o falecer de tanta coisa bonita. As saídas à noite, voltando a pé. Os restaurantes das conversas até madrugada sem medo de arrastão. As casas de praia  sem cercas nem muros.  As pequenas cidades: da rua,  das casas abertas, se podendo  ver as camas, os crucifixos, os rosários  pendentes. A liberdade de ir e vir está em concordata, agora incerta pelos bloqueios de vias por inconformados com o contrato social, já que revogaram o pacto de nossas inconformidades serem solvidas pelo Estado, que se encontra em pleno processo de falência.

Até aí tudo  claro. Só agora nos demos  conta de  que, ao fim ao cabo, aquele arroio de onde bebíamos água com a concha das mãos, é uma mentira  que nossos filhos e netos levam como mero  folclore, pois não passa o tal regato de um tubulão de esgoto.

O mais grave, a mim ao menos parece, é o falecimento de  alguns grandes amigos de infância e que povoaram o lar onde fui criado: os amigos” muito obrigado”, “ desculpe” e “ com licença”.

Pedem-me uma opinião urgente sobre um problema: respondo por mail após ingente pesquisa. Mataram no caminho  o meu amigo “ obrigado” . Nenhum agradecimento.

Estou em plena palestra com alunos e sou interrompido por um circunstante sem mais aquela. Nos programas de rádio e TV as pessoas se  aparteiam aos gritos e com um virulência espantosa. Mataram o “ com licença” .

Triste com tudo isso, decido afogar minhas mágoas com um vinhote num atardecer de sábado. No estacionamento de um supermercado , conquanto tenha idade para estacionar na ala dos “ idosos”, vejo que musculosos jovens e guapas garotas ocupam o lugar. Admito, comiserado, que devem estar em estado de necessidade.Quem sabe se seus bebês não estão  com falta da papinha em vidros. Vaidoso que sou, nem por decreto  estaciono na ala dos velhinhos.

Como eu só queria uma garrafa de vinho e um pedaço de queijo, dirijo-me  à caixa de poucos volumes. Encontro um  bi-trem na minha frente.

Mataram o “ desculpe”.

Chamo um uber para me levar às exéquias destes meus três amigos de infância. Sou barrado neste país de pseudo livre iniciativa por agentes da lei.

Dobrem os sinos nesse requiem dolorido.