quinta-feira, 19 de setembro de 2013

E O MASSACRE DE PORONGOS? DÁ MESMO PARA FESTEJAR O 20 DE SETEMBRO ?

Recebí do dr. Rogério Guimarães Oliveira:

Aproveito para enviar um texto reflexivo que enviei tempos atrás, num debate muito parecido com este.

Dizem que Francisco Pinto da Fontoura, ao escrever o hino rio-grandense, lançou em alguns versos uma crítica aos resultados práticos da tal revolta dos farrapos, assim como ao evento de barbárie dos líderes farroupilhas ocorrido ao final da rebelião.

Preste atenção a partir de “Mas não basta pra ser livre....”

Abrç, Rogério

 

 

Para quem se dedicar a uma pesquisa simples, constatará que, ao final do Século XIX, quando o Brasil travava uma grande campanha política entre monarquistas e republicanos, foram “ressuscitados” aqueles eventos então esquecidos e sepultados, ocorridos décadas antes no RS, no início do mesmo Século XIX, entre 1835 e 1845. Foram aqueles fatos reapresentados então, numa espécie de marketing, com a exortação para atrair gaúchos para a causa republicana.

Naquela ocasião, idos de 1880, líderes do movimento republicano apresentaram como uma “revolução vitoriosa”o que até então era tido como uma esquecida rebelião charquista derrotada, feita por fazendeiros contra o Império, por conta da invasão do charque uruguaio e argentino.  Uma rebelião que foi derrotada e sufocada e durante a qual ocorreram muitas atrocidades, principalmente com os negros.

Ou seja, em torno de 1880, transformaram o que era um vinagre em um vinho fino.  Talvez não tivéssemos historiadores naquela época, mas, com certeza, já tínhamos bons marqueteiros.

Comprova tudo isto o fato de que a imprensa gaúcha, entre 1850 e 1880, não publicou absolutamente nada sobre a dita rebelião, que a partir de 1880 passou a ser referida como “Revolução Farroupilha”.

Algumas perguntas me assolaram com esta descoberta:  somos todos hoje vítimas de um golpe de marketing do final do Século XIX?  Idolatramos como “revolução” uma revolta derrotada de fazendeiros com problemas no mercado de charque, que resolveram com seus soldados-escravos tomar territórios para demonstrar sua insatisfação contra o Império?

E cultuamos com orgulho a derrota desta rebelião como se fosse um evento épico vitorioso?

Poucos sabem, mas Bento Gonçalves, pelos anos de 1844 e 1845, doente, fraco e alquebrado, vagava escondido, com um pequeno grupo, recebendo esconderijo de fazenda em fazenda. Ele era o retrato da falência da causa farroupilha-charquista.

Não sou adepto de revisionismos históricos, para fins de justificar alguma causa atual de ocasião.  Mas me angustio quando vejo gerações de pessoas que cultuam valores em cima de fatos inventados ou maquiados, que simplesmente não ocorreram como são contados através das gerações.  Não se pode retirar valores de uma punhado de mentiras, traições, crimes e distorções.

O fato é que o Rio Grande do Sul não comemora uma “revolução” no dia 20 de setembro.  Isto pode causar calafrios em muitos CTGs, mas é uma constatação histórica.

Numa outra pesquisa que fiz, fui a fundo sobre a origem da palavra “farrapos”.  Após muito perambular sobre várias informações a que cheguei, constatei que ela vem, simplesmente, das roupas que os escravos dos fazendeiros usavam.  Estes escravos eram os soldados colocados a lutar pela causa dos seus senhores sob a promessa de ganharem a liberdade ao final do conflito.  Eles não recebiam armas, nem equipamentos, nem mantimentos, pois seria uma heresia dar estas coisas para escravos. Eles eram tratados como se fossem bichos pelos seus comandantes:  retiravam das árvores as lanças que suavam para se defender e para lutar.  E stornaram exímios no manejo destas lanças, tanto assim que compuseram os chamados batalhões de lanceiros negros.  Todavia, armas de fogo como garruchas e espingardas, estas não eram permitidas nas mãos deles.

E para coroar este festival de falsidades e de valores invertidos, o supremo crime cometido pelos até então negociadores da dita Paz de Ponche Verde:  descumprindo a promessa feita aos escravos, os ditos revolucionários farroupilhas não sabiam o que fazer com 200 destes negros lutadores, acampados em Porongos ao final do conflito.  David Canabarro tinha acabado de retornar de seu encontro com Duque de Caxias, onde a “paz” foi selada (leia-se: a rendição dos revoltosos).  Fato é que ninguém queria a liberdade para aqueles negros, nem o Império, nem os chefes da rebelião.  Com a liberdade, se insuflaria nos demais escravos um anseio maior pela conquista da liberdade.  A solução veio da forma mais covarde possível:  numa manhã, desarmaram os escravos de suas lanças e facas, alinharam eles num fundo de campo e então os chefes farroupilhas ordenaram que se degolassem os negros, um a um.

Sou gaúcho nascido em Cruz Alta, filhos de pais e avós gaúchos. Ninguém pode se considerar mais gaúcho do que eu sou. Meu avô era dono de campos na região de Porongos, cuja terra ficou manchada com o sangue daquele negros traídos pelos líderes farroupilhas. Talvez venha daí o termo gaúcho “barbaridade”.

Mas desde que tomei consciência de todos estes fatos, procuro me orgulhar de muitos feitos realizados aqui no Rio Grande do Sul. Mas não me peçam para cultuar uma revolução falsa, que não houve, mas uma rebelião de senhores do charque para resolver uma problema de mercado deles, a qual foi esmagada pelo Império e ainda selada com a marca da morte covarde daqueles lanceiros negros.

David Canabarro não virou nome de cidade. Talvez de alguma rua ou praça.  De herói, para mim, ele não tem nada. É um criminoso de guerra.  A ele atribuiu-se a maior culpa sobre o destino dos negros assassinados.

A dúvida histórica daquele evento, nunca elucidada, é sobre se Duque Caxias teria exigido este final covarde aos negros ou não, quando negociou a rendição com Canabarro.

As informações pesquisadas dão conta de que Caxias, perguntado a respeito, nunca disse nada, nem sim nem não, levando este segredo para o túmulo.

O Brasil tornou-se um dos últimos países do mundo ocidental a libertar seus negros escravos, em 1888, que seqüestrara da África.

Por tudo isso e outras questões, não creio que aqueles que lutaram contra os fazendeiros rebelados sejam menos gaúchos do que os líderes farrapos.

Uma coisa me parece certa: cultuar valores em cima de engodos e de mentiras históricas que ensinamos às nossas crianças não me parece nada salutar.

Temos aqui no RS uma história rica em fatos e acontecimentos reais que ajudaram a moldar o que somos hoje.  Cito o exemplo dos imigrantes alemães e italianos que foram aqui “despejados” e abandonados nas escarpas da serra gaúcha pelos governantes locais, que eram, em sua maioria, fazendeiros-políticos que jamais dariam aos recém-chegados qualquer naco dos seus campos nas pradarias. Pois estes imigrantes passaram por colossais dificuldades, mas se estabeleceram e ao cabo de muito sacrifício (que alguns vivem até hoje) prosperaram com privações e trabalho duro. Hoje, por ironia, eles e seus descendentes garantem ao RS a situação de prosperidade em relação ao resto do país que os fazendeiros não mais conseguem.

Se temos tantos exemplos assim de coragem e de bravura, por que temos que eleger justamente aquela rebelião protagonizada por alguns fazendeiros, que foi derrotada e esmagada, tocada à base de soldados-escravos e que terminou em selvageria e matança covarde de negros em Porongos, e utilizar tudo isso como fonte de valores e virtudes para nossa cultura e nossa tradição?”