Algumas questões de Justiça
João
Baptista Herkenhoff
Ministros
dos altos tribunais, desembargadores federais ou estaduais, magistrados de
cortes internacionais são, antes de tudo, juízes.
Há
tanta grandeza na função, o ser humano é tão pequeno para ser juiz, é tão de
empréstimo o eventual poder que alguém possui para julgar, que me parecem
desnecessários tantos vocábulos para denominar a mesma função.
Talvez
fosse bom que os titulares de altos postos da Justiça nunca se esquecessem de
que são juízes, cônscios da sacralidade da missão. O que os faz respeitáveis
não são as reverências, excelências ou eminências, mas a retidão das decisões
que profiram.
Já
no início da carreira na magistratura, mostrei ter consciência de ser “de
empréstimo” a função que me fora atribuída. Disse em São José do Calçado (ES),
uma das primeiras comarcas onde atuei:
O
colono de pés descalços, a mãe com o filho no colo, o operário, o preso, os que
sofrem, os que querem alívio para suas dores, os que têm fome e sede de Justiça
– todos batem, com respeito sagrado, às portas do Fórum ou da residência do
Juiz, confiando na sua ação, na sua autoridade, na sua ciência, na sua
imparcialidade e firmeza moral. E deve o Juiz distribuir Justiça, bondade,
orientação, confiança, fé, perdão, concórdia, amor.
Como
pode o mortal, com todas as suas imperfeições, corporificar para tantos homens
e mulheres a própria imagem eterna da Justiça, tornar-se aquele ente cujo nome
de Batismo é colocado em segundo plano para ser, até mesmo para as crianças que
gritam, carinhosamente, por sua pessoa, na rua o... Juiz?
Só
em Deus se encontra a resposta porque, segundo a Escritura, Ele ordenou:
“Estabelecerás
juízes e magistrados de todas as tuas portas para que julguem o povo com
retidão de justiça”.
Outra
questão. Tempo vai, tempo volta e, no horizonte dos debates volta-se a discutir
a conveniência de alterar, por força de emenda constitucional, a idade da
aposentadoria compulsória dos magistrados, de 70 para 75 anos.
Os
interessados na aprovação da matéria são, de maneira especial, os magistrados
que se encontram à beira da idade-limite.
O
empenho de permanecer na função, no que se refere aos juízes, é tão veemente
que o humor brasileiro criou uma palavra para a saída não voluntária –
expulsória. Diz-se então assim: “Fulano não vai pedir aposentadoria de jeito
nenhum. Só saí na expulsória”.
Sou
absolutamente contrário à pretendida alteração constitucional. O aumento da
idade da aposentadoria compulsória retira oportunidades de trabalho para os
jovens. Mais importante que manter os idosos, nos seus postos, é abrir
possibilidades para os novos.
Terceiro
ponto. Sou a favor do voto aberto e motivado na promoção dos juízes. O voto
secreto, por mera simpatia ou antipatia, ou por critérios ainda mais
censuráveis, deslustra a Justiça. Quem vota deve sempre declarar pública e
limpamente o seu voto. O processo de democratização do país, a que estamos
assistindo, com o debate público de todas as questões, não pode encontrar no
aparato judicial uma força dissonante.
Em
30 de agosto de 2005, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acolhendo pedido
formulado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), aprovou resolução
no sentido de que a promoção dos magistrados, por merecimento, obedeça, nos
tribunais, ao princípio do voto aberto e motivado.
Rebelamo-nos
contra as promoções arbitrárias, imotivadas, dentro da magistratura, já em
1979, na tese de Docência Livre que defendemos publicamente na Universidade
Federal do Espírito Santo. Dissemos então:
As
promoções, no quadro, deveriam ser precedidas de concurso público de títulos e
de provas. Desses concursos deveria participar, com peso ponderável, a OAB,
pelas mesmas razões que justificam a presença da classe dos advogados no
processo de recrutamento de juízes.
Os
concursos buscariam apurar a operosidade do juiz, sua residência na comarca, o
cuidado de suas sentenças, sua dedicação aos estudos, seus escritos e
publicações, cursos de aperfeiçoamento que tenha frequentado, seu comportamento
moral, social e humano etc.
Última
questão. Sou contra a realização de audiências criminais por vídeo-conferência.
Não me parece de bom conselho que se privem os magistrados do contato direto
com indiciados, acusados ou réus. Parece-me que a ausência desse contato
desumaniza a Justiça. O acusado – seja culpado, seja inocente – não é objeto, é
pessoa. Quantas vezes, na minha vida de juiz, a face do acusado revelou-me o
imponderável, a lágrima que rolou espontânea indicou-me o caminho. Não se trata
de desprezar os autos, mas de ir além dos autos. Da mesma forma que o juiz deve
ver o acusado, o acusado tem direito de ver o juiz, de falar, de expor, de
reclamar, de pedir. Quanto a ser ou não ser atendido, isto é outra coisa. Mas
cassar do acusado o direito de comunicação direta, afastando-o do magistrado
através de uma máquina impessoal, parece-me brutal.
João
Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado (ES), professor e escritor.
E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com
CV
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