domingo, 26 de fevereiro de 2012

ARMADILHAS DA LÍNGUA ALEMÃ

Uma palavra é uma palavra é uma palavra. Mas um termo mal interpretado também pode redundar em espírito festeiro frustrado, erros contábeis astronômicos, saladas e pudins de leite gorados, comer porco por vaca e constrangimentos de toda ordem. E aqui, o complexo idioma germânico não é exceção.
O risco é tanto maior quanto mais você confia em seu poder de dedução e no "pouquinho" do vocabulário que conhece. Sobretudo no alemão, que permite criar novos conceitos por mera justaposição de termos, a simples dedução é uma faca de dois gumes. Não só ocorrem, no dia-a-dia, variações a partir do significado original, como há empregos figurados, falsos cognatos, desvios semânticos e adaptações arbitrárias à realidade local.
A seguir, um rápido guia para se livrar de algumas das armadilhas mais comuns para turistas e recém-chegados:
'Eine Billion' ou apenas um bilhão?
Billion – Alguém lhe prometeu "eine Billion Euro". Alegre-se mesmo: você será trilionário! Não é um erro de digitação: entre a ordem de grandeza Million (10^6) e Billion (10^12), o idioma alemão tem Milliarde, o equivalente ao nosso bilhão.
Wasserfest Wasser é água. Bem, já que Oktoberfest é "festa de outubro" (comemorada em Munique, diga-se de passagem, no final de setembro), wasserfest só pode ser alguma festa aquática, certo? Errado: o "fest" neste caso nada tem a ver com festividade, é um adjetivo significando "firme", "resistente", portanto "à prova de". Da mesma forma, feuerfest é "à prova de fogo".
Não há como negar: além de ser, sabidamente, o lugar mais perigoso da casa, a cozinha também é o mais propício a equívocos lingüísticos:
Endiva / chicória
Chicoree x Endivien – Ambas são verduras, ambas meio amargas e podem ser comidas cruas ou cozidas, mas têm aparências completamente diferentes. E nomes tão... lógicos. Só que, acredite se quiser, a lógica funciona exatamente ao contrário em alemão: endiva (também conhecida como endívia belga ou endives: folhas pontudas e lisas, verde esbranquiçado) é Chicoree; enquanto a chicória (chicarola ou escarola: folhas largas e crespas, verde-escuro) é Endivien. Durma-se com um barulho desses! A chave do mistério é que ambas pertencem ao gênero botânico Cichorium.
Porco ou vaca? – No restaurante você pediu Fleisch, que quer dizer carne, claro. Portanto, salvo indicação em contrário, bovina, como no Brasil. Será? Então, o que é que este pedaço de porco (Schwein) está fazendo no seu prato? Um tipo de situação que demonstra o quanto de história, economia, sociologia, hábito, gosto, etc., se esconde por trás de um conceito banal. O default – valor padrão – para "carne" na Alemanha é porco, o principal animal de corte na pecuária e na gastronomia nacionais. O termo específico Schweinefleisch costuma ser reservado para contextos ambíguos. Contudo vem-se tornando mais freqüente, devido a uma maior sensibilização para os tabus alimentares islâmicos e judaicos. A carne bovina é normalmente especificada como Rindfleisch.
Nuss – Um caso semelhante: embora seja um termo genérico e conste do dicionário como "noz", o default para frutos secos na língua alemã é avelã (Haselnuss). Noz é Walnuss.
Kondensmilch – Você está morrendo de saudades do Brasil. Nenhuma jabuticaba à vista, a única cura seria um belo pudim de leite condensado. No supermercado, que surpresa, o Kondensmilch é vendido em caixinhas de papelão. Você segue a receita à risca e o pudim sai um horror. O que aconteceu? O Kondensmilch da Alemanha não tem açúcar, é um leite mais espesso, para temperar o café sem esfriá-lo muito. Mas seu sonho de um pudim ainda não está perdido: ou pergunte por Milchmädchen, da marca também popular no Brasil, ou – em geral, mais fácil de achar e mais barato – recorra ao "gezuckerte Kondensmilch" das lojas de produtos asiáticos.
Só 'meio galo'?
Halver Hahn –Se você pedir um "meio galo" num bar ou restaurante de Colônia, receberá apenas um pãozinho de centeio com (muita) manteiga, duas fatias grossas de queijo gouda e um montinho de mostarda. Um equívoco intencional, nascido do safado humor renano.
"Das ist mir zu viel!" – Você fez uma proposta a alguém, a pessoa respondeu assim, e você pensa que está abafando. Afinal, a tradução literal é: "É demais para mim!". Condolências: você acabou de levar um fora e nem sabe. Enquanto para um brasileiro o excesso é positivo, "ser demais" é percebido pelos alemães como negativo. Interessante objeto de estudo para filólogos, psicólogos e sociólogos.
Como é que se chama mesmo esse negócio?
Como se diz "telefone celular" em alemão? – Esta é para adiantados. Os alemães não falam ao "Zelltelefon" (como brasileiros e norte-americanos), nem por "Mobilfon" (mobile para os ingleses, telemóvel em Portugal), ou "tragbares Telefon" (portable na França), e muito menos "Telefönchen" (telefonino na Itália). Aliás, cada país parece querer ser mais original do que o outro ao dar nome a esse melhor amigo do ser humano moderno. A denominação do celular na Alemanha (e Áustria) é um pseudo-anglicismo: Handy ou (horror supremo!) Händi. Também adotado em vários países asiáticos, o vocábulo vem do inglês, não está bem claro se a partir de handphone (telefone de mão) ou handy phone (telefone prático).
(Enviado por Lissi Bender)