quinta-feira, 20 de maio de 2021

CRÔNICA DE FRANKLIN CUNHA

 


DE GETÚLIO MARCANTONIO A GENTE NÃO ESQUECE

Franklin Marcantonio Cunha


In memoriam

Nos verões viajávamos de Antônio Prado a Vacaria, de onde minha nona Angelina, de charrete, e eu a cavalo, íamos até a fazenda do tio Camilo Marcantonio passar de 30 a 40 dias. Lembro-me que na primeira vez, meu cicerone na viajem de 35 quilômetros foi o Ulisses Gargioni, casado com a prima Maninha. No pátio da loja dos Marcantonio, nos aguardavam dois cavalos já encilhados. Um grandalhão, possante e o outro era uma eguinha, bem menor. Ulisses, honestamente, mandou escolher minha montaria, e eu, claro escolhi o cavalão. Acontece que este marchava pesado, aos solavancos e a eguinha era excelente marchadeira, trotava, quase levitava. Pois, nesse dia, cheguei à fazenda com a bunda doendo barbaridade, mas recebido com alegria pelo primo Getulio, que viu em mim um companheiro para as férias, o que me aliviou muito as dores resultantes da cavalgada. É desse Getúlio que desejo falar, pois sua vida pública é bem conhecida de todo o Rio Grande no exercício de cargos como advogado, deputado, secretário da agricultura, escritor, tradicionalista e líder ruralista.

Pois então, nos campos da Vacaria, em longos e soleados verões, vivíamos os encantos das verdes pastagens, admirando extasiados os bandos de velozes veados, avestruzes, capivaras, tatus e mesmo de algum gado alçado que naqueles tempos ainda existia. Acordávamos cedo para tirar o apojo das vacas e preparar o “camargo“, deliciosa bebida, especialidade dos campos serranos, provável colaboração culinária dos tropeiros paulistas que povoaram os campos da Vacaria.

Não posso esquecer o café da manhã acompanhado com guisado de carne de tatu enfarofada; bicho que caçávamos nas noites enluaradas. De vez em quando, montados em petiços, ajudávamos a parar rodeios e a dar banho no gado. E depois eram brincadeiras constantes, correndo atrás de ovelhas, de avestruzes e de quero-queros. Por fim, suados e cansados, tomávamos reconfortantes banhos no açude, perto das casas. E nosso dia terminava, após a janta, ouvindo o capataz, seu Fortunato, à luz de um lampião de querosene, a contar histórias de assombrações, boitatás, lobisomens, mulas sem cabeça e almas penadas que habitavam os campos e a imaginação de dois adolescentes que, assustados, ao atravessar os longos e escuros corredores da casa, iam dormir assobiando para afastar o medo.

Anos depois, fomos estudar em Porto Alegre. Getúlio escolheu a advocacia e eu, a Medicina, e aí ficamos algo distanciados no convívio amistoso, pois, antes do curso médico, fui ser piloto da Varig onde “fiz coisas no ar“, durante seis anos.

Mais tarde encontrei Getúlio já como deputado do Partido Libertador, cargo que exerceu por quatro legislaturas. E, como todos os libertadores daquela época, exerceu seus mandatos com retidão e comportamento de absoluto respeito à coisa pública. Morou desde seu casamento com a afetuosa e solidária esposa Mariza, sempre no mesmo apartamento, modesto quando comparado com as mansões de certos políticos modernos. Em sua pequena fazenda, obtida de herança de seus pais, Camilo e Dora, Getúlio exercia a lide que, talvez, lhe desse mais satisfação e prazer. Era a criação de búfalos que com modernas tecnologias, dedicação e mesmo com alegria e competência, demonstrava e ensinava em reuniões periódicas aos criadores amigos em sua FEDERACITE, como manejar o gado de forma simples, econômica, porém rentável.

Com a família Getúlio praticava o afeto e a dedicação. Sempre presente, não deixava de ser rigoroso em relação a certo tipo de educação que ele acreditava ser a mais apropriada para seus filhos. Ele e Mariza sempre foram católicos praticantes e dos que realmente praticavam o catolicismo com fé e crença nos princípios de sua religião. E se foi acertada tal tipo de educação, podemos comprovar que o foi pelos resultados obtidos com seus filhos: Aurélio, Silvana, Maria Isabel e Isadora, que com seus comportamentos e sucessos profissionais só lhe proporcionaram alegrias, satisfação e a grande retribuição afetuosa que teve deles por toda sua vida.

Assim foi Getúlio Marcantonio na sua vida pública e na pessoal, coerente com seus princípios, autêntico como ser político e como pai de família, enfim um desses homens que em nossos horizontes pátrios da atualidade temos dificuldades em vislumbrar outros iguais e ele.

E é por isso que homens como Getúlio Marcantonio a gente não esquece.

Natural de Vacaria , Getulio Marcantonio , assim como Franklin Cunha, ou Franklin Marcantonio da Cunha, são netos do Francisco Marcantonio , que foi prefeito de Antônio Prado . Crias da casa pradense são amostra do vigor do imigrante espraiado pelos campos e cidades do RS e agitando a vida política e intelectual rio-grandense. Ambos foram e são escritores. Franklin, irmão de meu pai, Telmo Cunha , é escritor reconhecido fora de sua terra ... até hoje. Ele nasceu na esquina da praça No Casarão Marcantonio onde sua mãe vivia.