segunda-feira, 4 de julho de 2016

A AGONIA DO POETA - POR FRANKLIN CUNHA


   A AGONIA DO POETA

 

        Franklin Cunha

Médico                                              

 

Sua casa era a cidade inteira: rua da Praia, rua do Arvoredo, praça da Alfândega, praça da Harmonia, alto da Bronze.

Fumava Hollywood e sorria aos desconhecidos que todos o conheciam.

Agora não fuma, nem sorri. Não tem para quem. As visitas, raras; algum amigo, fugazes fantasmas noturnos, anjos aleatórios, uma sobrinha-enfermeira.

          Permanece horas e horas mirando livros empoeirados. Quem vê suas lombadas empoeiradas não imagina os tesouros neles escondidos. Os livros são sua imagem de papel. Rimbaud, Verlaine, Monsieur Jourdain, Eugenie Grandet: suas paixões e traduções.

          O livreiro-editor já se foi. O dono do jornal que o aconchegava, também. E o boêmio seu cúmplice do café Dezessete toma seus tragos em alguma volta de nuvem, atento à fiscalização abstêmia do anjo Malaquias.

          Sente saudades do Majestic e do quarto com infinito pé-direito. Ainda ouve as vozes das prostitutas, suas vizinhas, que o abordavam no elevador da madrugada com dúvidas existenciais e lhe filavam um cigarro.   

          Seu quarto de agora é pequeno com um sorrateiro penico,   agora  mais útil que os livros, pois está quase cego e incontinente.

          Acaba de acordar angustiado no meio de um sonho. A noite corria alta e uma tempestade se anunciava lá pelas bandas do Gasômetro. Apertando o passo, chegou ao abrigo da praça Quinze, justo no momento em que o último bonde Independência partia. Como chegaria ele agora à pensão de dona Chininha na rua dos Cataventos? Como terminaria seu último poema que deixara inacabado?