quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

SEGUNDO CONTO MEU PUBLICADO NACIONALMENTE EM LIVRO PELA AMB

Domingo na estância
 
Domingo na estância. A família viajando. Dei folga para a

peonada. Comigo ficou só o peão caseiro. Sem nada o que fazer,

decido tomar um banho na sanga, que serpenteia por entre o

mato. Fico em pelo e me sento num pocinho, para estupor dos

jacus e martim-pescadores.

Sou mesmo um ser estranho. Não tenho penas, não sei voar,

minha pele é fina e dá passo a qualquer espinho, preciso de vestes

no inverno, alimento-me mais do que o necessário, meus filhotes

tem de esperar até os 18 anos para se sustentarem - e olhe lá!

Minha mulher vai ao Hospital para parir e ainda lhe dão um talho

na barriga, como se gravidez fosse doença.

Pensei: vou tentar ser um bicho, voltarei descalço. Meus

pés sangraram após dez metros. Seriemas, anus, emas, cobras,

lagartos, todos se riam de mim e de minhas limitações. Pedi-lhes

desculpas: realmente eu não passava de um estranho no paraíso,

pois pertencia à raça daqueles que só pensam em destruir a

Natureza.

Olhei para o céu e ví o Sol, que me confidenciou:

- antes que eu me consuma na explosão final, vocês

conseguirão destruir o último planeta vivo do Universo.

Não conseguindo sustentar o olhar do Sol, já com as córneas

em chamas, ainda balbuciei:

- quem sabe ainda aprendemos com os bichos...

Quando acharam meu corpo, espantaram as aves que me

velavam.