sábado, 31 de outubro de 2020

CRÔNICA DE JOÃO RIEL OLIVEIRA

 OS MISTÉRIOS FINAIS DA MORTE...

 A iluminada Madre Tereza, em um de seus ensinamentos, sabiamente disse que: "O maior mistério do mundo é a morte", concordo com ela, nunca estaremos preparados o suficientes para entendermos o fim de nossos dias e dos que no cercam. Desde pequeno, a morte sempre me despertou interesse, por morarmos com meus avós, aprendi com eles a cultura de no dia de finados peregrinar os cemitérios antigos onde nossos ancestrais descansavam, no sono eterno dos justos. Vagava com grande curiosidade entre as lápides, já corroídas pelo tempo, admirando as fotos, lendo epitáfios, analisando datas de nascimentos e óbitos. Depois, após os 10 anos de idade, a pesquisa por minhas origens, fez com que minha proximidade com os mortos fosse ainda maior, necessitava deles para entender minhas origens, as visitas aos cemitérios foram ainda mais frequentes, o que por vezes, até assustava meus pais. Aquilo que não encontrava nos arquivos de cartórios e igrejas, nos umbrais dos "campos santos" eu encontrava. O resultado de tudo isso foi que hoje, tenho catalogado milhares de antepassados, muitos já publicados em livros, como uma espécie de homenagem, e também provando a importância que os registros cemiteriais exercem na história de todos nós.

Mas há passagens interessantes e misteriosas sobre a morte e suas nuances, que por vezes, nem nós mesmos somos capazes de decifrarmos. Pelo lado onírico, desde muito pequeno eu sonhava com cemitérios, mas não eram pesadelos, algumas vezes, estava perdido neles, outras, estava a limpar e restaurar necrópoles abandonadas, no meio das matas de minha terra, o que de certa forma, fez com que efetuasse a limpeza de muitos cemitérios abandonados de nossa região. Teria sido um aviso prévio de uma missão para desempenhar? Talvez! Só o mistério humano dicotômico do tabuleiro da vida e morte um dia me responderá.

Interessante também que, depois de já criança e adolescente, quando perdia um familiar muito próximo, logo após seu enterro, eu sonhava que estava com esse meu familiar nos braços e dali eles sumiam, partiam para um voo, rumo a um céu azul e infindo. Foi assim quando perdi o bisavô João, a inesquecível bisavó Erna e também o avô Riél. São coisas que nem meu inconsciente "freudiano" conseguirá responder.

Certa vez, me pus a analisar o fim da vida de meus ancestrais, o que por si só, daria um livro eivado de mistérios e fatos inacreditáveis, porém reais. Vejamos, por exemplo, algumas histórias verídicas: Meu avô Riél, partiu faz pouco, não tinha nem 70 anos, jovem, comparado à alta expectativa humana que vivenciamos hoje. Na sua hora final, tombado por um enfarto fulminante, agravado pelo tabagismo, que o ceifou em segundos, já caído no chão de seu quarto, teria pegado a mão de minha avó Nadir, que ainda se recuperava de um sério AVC, dizendo em últimas palavras: Fica aqui comigo, não me deixes só! Em seguida partiu.

A bisavó Erna, falecida apenas um ano antes do seu genro Riél, quase nonagenária, mas acometida pelo sorrateiro Alzheimer, estava muito fragilizada, nada similar com aquela linda mulher alemã, que desbravava campos e matas com seu cavalo, labutando dia e noite ao lado do marido, por dias melhores para todos nós. Por vezes, ela nem aos familiares reconhecia, a mim, que sempre fui muito ligado a ela, nunca deixou de reconhecer, e por ficar meses em nossa casa, antes de dormir, eu ia ao seu quarto, rezávamos juntos (eis que era detentora de uma fé inabalável), lembrávamos de fatos passados, viajávamos pelo véu no tempo juntos, com isso, fazia gerar vida, na sua antiga lamparina, onde não havia mais tanta luz. Eis que na véspera de sua despedida, sossegada em seu leito, já não querendo ser perturbada por ninguém, a espio na porta do quarto, num repente vejo seu gesto com a mão, chamando-me, sentei ao se lado e não é que pega meu braço e por minutos passou suas mãos pálidas sobre ele, com uma forma tão carinhosa e terna, que parecia mesmo a despedida final, lágrimas correram de nossos olhos claros, tão parecidos. No outro dia pela manhã, presenciei seu último suspiro, minha Erna dormira para o sono eterno.

Não diferente, com seu marido, meu bisavô João, de quem tanto herdei - em todos os sentidos da palavra-, ele também partiu antes dos 70, foi dirigindo seu carro inestimável até o hospital, tratar uma pneumonia, voltou sem vida! Eu tinha apenas 06 anos, era seu bisneto preferido, fui o 1º guri nascido, da leva de uma filha, duas netas e uma bisneta que me antecederam. No dia em que sua situação piorou, antes da morte, minha mãe levou-me para vê-lo no hospital, fiquei sentado ao lado de sua cama, segurei por longo tempo sua mão, com um desvelo infantil que ainda não havia presenciado, nunca me esquecerei do que ele disse, olhando em meus olhos: Cresce, e ajuda a cuidar as coisas do vô, tá! Além do nome, até sua bela morada histórica herdei. As frases quando bem proferidas e com forte carga de energia, possuem poder imenso, uma espécie de sentença divina sobre nosso destino. Por muito tempo, criança ainda, ficava sentado debaixo da sombra de um imenso cipreste, que ele adorava, olhando para o céu, na esperança que iria o ver, pois quando perguntei o que havia acontecido com o avô João? Diziam-me que havia ido para o céu. Achava que era só um daqueles passeios que fazíamos pelo campo e logo ele retornaria, mas não era...

   Sua mãe, Estácia, mulher de fibra, viveu quase 90 anos, e no dia de sua morte, na cama, cercada de amor, em companhia das filhas e netas, que estavam sentadas ao seu lado, preocupadas com sua situação, enquanto faziam crochê para se distraírem, abaladas pela saúde frágil da matriarca, eis que erram alguns pontos do trabalho, e quem chama atenção delas? A própria Estácia, que teria dito: Prestem atenção no crochê, esta saindo errado! Após teria dito: Hoje será meu dia! Na mesma noite encerrou sua presença física por aqui. 

Conhecendo a história final dos meus bisavós, descobri que Manuel de Oliveira Brito, homem com grande bagagem, viveu 96 anos, poderia ter chego aos 100, como seu irmão Eloy, que escreveu até os 100 anos, mas negou-se a realizar um procedimento cirúrgico, mandado para casa pelos médicos, para a passagem final, no dia em que piorou, teria ficado em um longo silêncio, quando um dos filhos, Iodeto, achando que o pai partira, foi aferir sua pulsação, eis que Manuel, tirando forças sem saber de onde, sacode o braço e diz: Não está na minha hora ainda, será amanhã! E assim calmamente no outro dia se apagou.  

Sua esposa, Francisca, já não foi tão longeva, viveu apenas 50 anos, mãe de 10 filhos, ria do dia em que uma cigana havia passado pelo comércio que possuíam em Lagoão e efetuando a leitura de sua mão teria dito: Tu morrerás com 50 anos, teu marido, casará novamente, com uma moça de 30 anos e ainda terá filhos com ela. À noite, Francisca conta para o marido sobre a vidência da cigana, e ainda acrescenta: Se eu morrer mesmo, quem será que vai querer um homem velho e chato como tu Manuel, e ainda uma jovem, duvido? E não é que dias após ela enfarta e se vai, e os fatos se concretizaram, Manuel casa-se com uma jovem de 30 e ainda gera filhos aos 70 anos...

Mas quem disse que o final da vida não tem histórias hilárias também, minha bisavó Guilhermina, já com 90 anos, usando cadeira de rodas para locomover-se, adorava seu gato de estimação, eis que uma das netas deixa a matriarca na sala e não é que o gato resolve fazer uma carícia nas pernas da velha dona, e a vovó Guilhermina, tentando retribuir a atenção com o felino, curva-se e cai da cadeira, foi aquele barulho na sala, por sorte não houve ferimentos, mas na semana seguinte, Guilhermina partia para outra dimensão. Seu esposo, Sebastião, partiu, durante os festejos do centenário de Soledade, onde no passado foram proprietários de uma Churrascaria, já contava com 75 anos, ele havia ficado com sequelas de um ferimento desferido por um descendente do famoso Coronel Falckembach.

Os bisavós Pedro Jacy e Maria Ingracia, partiram cedo, ele com 61, ela com 51 anos, pais de 09 filhos, herdeiros de muitos campos e propriedades, descendentes de antigos sesmeiros de Sobradinho e Soledade, acumulavam também preocupações e inúmeros afazeres com tanto trabalho, fazendo com que seus frágeis corações, muitas vezes sem tratamento adequado, sucumbissem ao enfarto.

Nessa colcha de retalhos sem fim de histórias, se chegarmos até a história da despedida dos meus trisavós, teremos muitos relatos emocionantes. Minha ancestral alemã, Luiza Cristina, faleceu durante a penosa viagem da Alemanha para cá, sendo sepultada ao mar, deixando desolados, marido, 05 filhos menores e ainda o pai com quase 80 anos, os quais tiveram que ter muita coragem para seguirem em frente, aqui no novo mundo, na Colônia Santa Cruz e Vila Germânia, onde tudo estava por fazer, .

A mãe da trisavó Maria Jesuína, chamada Maria Pacífica, faleceu ao dar a luz, mesmo sendo casada com um médico prático, Julio José, não resistiu as complicações após o parto. Pacifica era filha de um dos líderes do movimento messiânico dos Monges Barbudos de Soledade, a história é longa e cheia de mistérios e lendas reais...

Pessoas de fé, a trisavó Ana Maria, mãe de Guilhermina, já com mais de 90 anos, acometida por certa demência, em um lapso das netas cuidadoras, foge até a porta da igreja da localidade, ali senta e apaga para o sono final, quando encontraram a matriarca, com ajuda de seu cachorrinho de estimação, estava com as mãos em sinal de oração e com traços de alegria no rosto, na noite anterior teria dito que gostaria de conversar com Deus, e foi...         

Por outro lado, a trisavó Anna Francisca, aos 89 anos, pediu para ser enterrada com a roupa confeccionada por ela mesma e com a imagem de sua santa devota, um crucifixo de bronze e a bíblia dentro do caixão, que segundo ela, teria recebido de um ancestral, trazida das antigas Reduções Jesuíticas...

E as histórias resgatadas sobre o fim da vida terrena de nossos antepassados poderiam seguir por muitas outras gerações, mas isso será assunto para outro relato, ou quem sabe a passagem de outro livro. Não podemos esquecer os ancestrais queimados vivos durante o tribunal da santa inquisição, que precisam de muita luz para poder então descansar em paz, o que a ancestral Luiza Grimaldi, por sua vez, deve ter feito, pois no final da existência, podendo desfrutar a vida rica a que dispunha, abriu mão de tudo, para fazer votos como religiosa, em um convento de Portugal, onde encerrou seus dias, quase nonagenária.

Enfim, os relatos seguirão. Que esse dia dos finados sirva para lembrarmos-nos de nossos entes, que tanto contribuíram para nossa existência, só entenderemos a razão da existência aqui na terra, quando valorizarmos nossas raízes, sabermos quem fomos, de onde viemos e para onde vamos, isso explicará muito sobre nós mesmos.

Que a lembrança sobre nossos falecidos, não seja efêmera, como as flores naturais, por vezes depositadas nas lápides, as quais são exuberantes apenas por um dia, no outro murcham, secam, e depois somem por completo. Nossos mortos merecem muito mais respeito e perenidade, resgatar essas histórias, faz parte disso...

Que descasem  em paz!       
João Riél Manuel Hubner Nunes Vieira Telles de Oliveira Brito.