LOUCURA- ARTE- LOUCURA
No livro "História Social da Literatura e da Arte " , Arnold Hauser caracterizou o Dom Quixote como uma oposição entre o ideal e a realidade". E Schlegel dizia que o Quixote foi o " Poeta que aboliu as leis da fria razão e nos precipitou no caos de nossa própria natureza". Por sua vez, Gérard de Nerval dizia que a loucura " É um mal terrível pois faz-nos ver as coisas como realmente são". E Schelling vinculou " A loucura com a genialidade".
Maurice Barrès,escritor e politico, em 1888 acreditou ter percebido no pintor El Greco "Um espírito dividido entre o gênio e a loucura". A loucura de El Greco foi um dos mitos criados pelos escritores românticos.
Certos grandes artistas que ficaram loucos, se converteram em personagens de culto: Marquês de Sade, Hölderlin, Nietzsche, Nerval, Van Gogh, Artaud. O próprio Artaud afirmava que a loucura era uma contestação radical da sociedade de sua época. E , se adiantado à anti-psiquiatria, acusava os psiquiatras , representantes – segundo ele - de uma sociedade injusta e criminosa, de " suicidar " seus pacientes.
E parece incrível o que disse Goebbels, referindo-se a Van Gogh : "Em última instância somos todos loucos quando temos uma ideia".
E numa citação mais prosaica de um intelectual brasileiro: " De perto ninguém é normal", segundo Caetano Veloso.
Não podia faltar Nietzsche que com um amigo de Freud discutiu longamente as relações da loucura com a genialidade. Assim, o erro de se acreditar que alguns artistas eram gênios por causa de sua loucura, chegou-se ,em alguns círculos da área psi, ao erro maior de pensar que a loucura predispunha à genialidade e então passou-se a procurar artistas entre loucos anônimos dos manicômios.
O descobrimento de artistas loucos no auge da psicologia e da psicanalise durante as décadas de sessenta e setenta , produziu uma consequência inesperada e nada favorável para a arte, que foi sua transformação em terapia, útil não somente para as psicoses, mas mais frequentemente para as neuroses. Proliferaram então, as oficinas de artes plásticas onde todo o mundo podia frequentá-las mesmo que não tivesse nenhum talento, porque o objetivo não era o didatismo para quem já tinha aptidões artísticas , digamos inatas, mas, era para liberar os bloqueios emocionais e para " realizar-se ".(Ou como expressam certas figurações metonímicas e popularescas: " soltar a franga" ou " sair do armário ")
Os surrealistas como Breton , consideravam que a loucura não era uma doença e atribuíam aos artistas da " arte primitiva " uma consciente opção de sua loucura a qual lhes outorgava a possibilidade de um livre e voluntário rechaço das convenções sociais . O louco era um " autêntico homem são " e um " renovador cultural ". Enfim, esse raciocínio terminou gerando uma sibilina boutade ( mais uma especialização dos surrealistas):
" Não há arte de loucos, como não há arte de dispépticos ou de reumáticos".
Ficou conhecida em nosso país a história de Arthur Bispo do Rosário Paes (Japaratuba, Sergipe, 1909 – Rio de Janeiro,1989). Bispo foi um artista plástico brasileiro –pintor, tapeceiro, escultor -.considerado gênio por alguns e louco por outros. Sua figura insere-se na interpretação de que a infância pobre e o isolamento foram mais importantes que a loucura para moldar seu talento. A partir da valorização de manifestações artísticas de indivíduos com transtornos mentais, Bispo, encerrado durante muitos anos em manicômios " enlouquecedores ", tornou-se conhecido não só por suas obras plásticas, mas também por suas ideias consideradas delirantes e mesmo filosóficas por seus inúmeros interpretadores. A respeito dele disse Ferreira Gullar:"Não é a loucura que faz o sujeito virar artista. Ele é artista e, por acaso, é louco, esquizofrênico".
Enfim quem conhece Schopenhauer deve se lembrar de sua afirmação tão poeticamente dolorosa : " A arte é a liberação da dor de viver ".
Ars longa vita brevis.
Franklin Cunha
Médico
Membro da Academia Rio-Grandense de Letras