terça-feira, 11 de dezembro de 2018

PEDRA E VIDRAÇA - POR TITO GUARNIERE


TITO GUARNIERE
PEDRA E VIDRAÇA
Pareceu a muitos que quando o ex-juiz Sérgio Moro aceitou participar do governo de Jair Bolsonaro, na pasta da Justiça, nós ingressaríamos numa fase nova e virtuosa da política nacional. Mas o que se tem visto é um Moro que, em assuntos mais cabeludos, como são os do mundo inóspito da política, se comporta de forma muito parecida com os seus antecessores.
Voltou às manchetes a acusação de que o futuro ministro da casa Civil Onyx Lorenzoni teria recebido recursos de campanha do caixa dois de uma empreiteira. Moro, interpelado a respeito, ao invés daquele rigor vertical de juiz, que era a sua marca, saiu-se com a velha e surrada versão de que não havia provas. O forte do juiz Moro, até então, nunca havia sido levar em conta o princípio legal da presunção da inocência.
O ex-juiz Moro, futuro ministro, fez ainda pior no caso das movimentações financeiras incomuns do ex-motorista Fabrício Queiroz, que servia Flávio Bolsonaro, filho do presidente e senador eleito pelo PSL. Indagado a respeito pelos repórteres, “não ouviu” a pergunta e se retirou da entrevista sem responder.
É a vida como ela é. O ministro, ainda mais ele sendo Moro, tem de enfrentar as perguntas incômodas e até a insolência dos jornalistas. A imagem que passava, a visão ingênua dos eleitores, permitiam supor que talvez pudesse ser diferente. Não é. Os embates políticos, a cobertura da imprensa, são mais ou menos iguais em toda parte.
O caso do ex-motorista é inquietante. São muito próximas as relações de Queiroz - além dele a mulher e duas filhas foram funcionários do gabinete de Flávio - com a família Bolsonaro. Um funcionário de gabinete de político andando para cima e para baixo fazendo transações bancárias em dinheiro vivo - 176 entre os anos de 2016 e 2017 -, tomando o cuidado de não realizar operações superiores a R$ 10 mil (que acionam alerta automático no COAF), e um depósito de R$ 24 mil reais na conta – vejam só – da mulher do presidente eleito, Michelle Bolsonaro, nada disso é normal. Ao menos se usarmos a régua moral draconiana que Bolsonaro, Moro e Onyx Lorenzoni costumavam aplicar em relação a outros acusados de malfeitos.
O presidente explicou que era um empréstimo, e que o motorista Queiroz havia feito o pagamento na conta da esposa, porque ele não tinha mobilidade para isso. É razoável, embora há poucos dias, já presidente eleito, ele fez questão de ir pessoalmente a um caixa eletrônico para retirar dinheiro. Neste caso foi para agradar a clientela, dando uma de homem comum.
Mas se era para pagar um empréstimo, porque depositar na conta da esposa? E desde quando o credor precisa ir ao banco para receber o valor de uma dívida? O empréstimo estava declarado no imposto de renda do credor (o presidente) e do devedor? Ao que parece não houve tempo ou lembrança para tal formalidade.
Não estamos diante de nada grave, salvo fatos novos a respeito. Mas não existe isso de nova política e velha política. Há apenas a política, seu universo de intrigas, trairagens, pequenos delitos, às vezes grandes, situações simples de explicar e outras mal explicadas. É fácil ser pedra. Difícil é ser vidraça.