sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

MAGNÍFICA CRÔNICA DE FRANKLIN CUNHA

Filosofia, música, a comunicação humana e a verdade

George Steiner em” Nostalgia do Absoluto”, pergunta “Tem futuro a Verdade? Responde que em nosso cérebro a busca da verdade está fatalmente impressa. Pela dieta, clima, pelos excedentes econômicos que inicialmente puseram em funcionamento  a potencialidade inata daqueles milagrosos  e perigosos seres humanos, os antigos gregos, para uma grande e continuada explosão de gênio. E o fizeram através da filosofia que é a arte de fazer perguntas.
Citando Heidegger, Steiner repete que as perguntas são a devoção, a oração do pensamento humano. E que nós, ocidentais, somos animais construídos para formular perguntas e tratar de conseguir respostas custa o que custar. 

Mas o que seria a Filosofia? J.P. Feinmann, o filosofo argentino atual responde: ”É um estado aberto, uma correspondência com o ser com o qual queremos nos comunicar e permitir seu e nosso desocultamento. Seriam momentos específicos , nos quais se dá uma comunicação profunda, uma comunicação espiritual. E esses momentos encantados podem se dar através da palavra, do exemplo de vida, da música.  
No filme de Polanski, O Pianista, há uma cena em que um oficial nazista encontra um judeu escondido dentro de uma casa em escombros. Estão separados por mil coisas não há nada que os una. Há um piano e o nazi pede que execute algo. O pianista, que era polaco, toca nada menos do que uma sublime partitura, a balada nº 1 de Chopin.
Ocorre então entre eles uma mediação da arte através da música e isto está à margem da história e da temporalidade, é enfim, uma comunicação filosófica.
O estranho, diz Feinmann que Heidegger dava pouca importância à música.
Mas houve uma ocasião em que o filósofo talvez tenha entendido e gostado de uma melodia. Depois da guerra, quando  estava sendo submetido a um processo por ter colaborado com o nazismo, o filósofo se asilou na casa de um amigo. Este, tentando agradá-lo toca uma sonata de Schubert. Heidegger a escuta e diz: “Isto não podemos fazer com a filosofia”.       
Romain Rolland, escritor e musicólogo, ao receber uma visita de seu amigo Gandhi executou para o indiano o Noturno OP.9 nº 2 de Chopin. Gandhi nada entendia e percebia na música europeia, diferente da música indiana em harmonia, andamento, ritmo e melodia. Ao concluí-lo, Roland perguntou se tinha gostado, Gandhi respondeu “Se o amigo o tocou deve ser uma linda melodia”.
Steiner também conta que uma vez Schumann executou um de seus estudos sinfônicos para piano e quando o finalizou um dos assistentes perguntou: “Mestre? O que significa esta música, o que quiseste dizer com isso”? Schumann o olhou fixamente e tocou de novo o estudo. E essa foi a resposta.
Em tempos sombrios a verdade para vencer a mentira deve ser repetida sempre e sempre como tentou Schumann, como faziam os filósofos gregos há dois mil anos e a grande música do ocidente até hoje.      

Franklin Cunha
Médico
Membro da Academia Rio-Grandense de Letras