quinta-feira, 5 de abril de 2018

DE LITURGIAS E VÊNIAS


Eu era guri de 15 anos e fui convidado pela Márcia, filha do dr. Alfredo Zimmer, para seu aniversário, também de 15 anos. O dr. Alfredo era juiz de direito em Santa Cruz. Conhecia-o de vista, pois ele frequentava a piscina do Tênis Club. Quando ele ficava boiando meus amigos e eu permanecíamos a uma prudente distância dele, vai que ele se incomodasse…


Pois compareci ao aniversário, calças compridas, camisa bem passada, cabelos com
aquele “gumex” básico e sapatos Vulcabrás. A casa era pertinho da minha. Da sala onde estava a mesa de doces e refrigerantes vislumbrei  o gabinete com prateleiras cheias de livros e uma mesa com uma porção de processos. Lá estava o juiz entretido numa leitura. Achei que seria de bom tom cumprimentá-lo. Fui até a porta entreaberta e balbuciei: “boa tarde, senhor juiz”. Ele pediu que entrasse. “Sente-se meu jovem, de que família você é?” Estranhei o você não
usual para mim, mas depois entendi ao saber que ele era natural de Santa Catarina.
Perguntou-me o  que eu estava pensando em fazer após completar o então ensino secundário. Cogitei  em lhe dizer que queria ser um juiz como ele, mas não achei adequado. O tempo passou, acabei assumindo como juiz de direito e o dr. Zimmer já era desembargador. Fui ter com ele que me deu vários conselhos os quais procurei seguir à risca, todos muito simples, mas em os seguindo por certo evitei vários dissabores.
Cito alguns: não ingerir bebida alcoólica em público, pois ao menor vacilo já estaria com fama de “borracho”;  nas audiências ser cortês, lhano no trato com partes, testemunhas, advogados, mas não fazer gracejos sob pretexto de ser cordial  ou “camarada”;  ser pontual
e não adiar audiências, salvo motivo muito relevante. E, por fim, ser  o quanto possível comedido na vida social.

Claro que se cometem erros durante a vida e eu os cometi.

Ocorre que,  queiramos ou não, uma sessão de julgamento é algo muito sério e grave. Quando se está numa câmara, grupo ou turma, são normais entendimentos
conflitantes. Nada autoriza, no entanto, que se abandonem os bons modos, a elegância no dissentir, as vênias, as galas e as liturgias .Os tribunais são verdadeiros templos, que não deveriam ser profanados por querelas pessoais
entre seus integrantes.
Lamentáveis, portanto, as cenas que o Brasil inteiro recentemente assistiu.

Não resta dúvida que os critérios de acesso aos tribunais superiores merecem uma revisão.