NOSSAS NARAYAMAS
Franklin Cunha
Médico
Membro da Academia
Rio-Grandense de Letras
A Balada de Narayama filme
vencedor do Festival de Cannes de 1983, mostra o cotidiano de uma pequena
vila no Japão do século XIX. Isolados nas montanhas seus habitantes têm
um cotidiano restrito basicamente à produção de alimentos, que mesmo com
grandes esforços é muito limitada. Nossa sociedade baseada no consumo e
acumulação de bens, cada trabalhador produz muito mais do que pode consumir e o
excedente é comercializado. Na pequena vila japonesa cada um produzia o que
consumia, não havia trabalho alienado ou exploração por terceiros gerando
mais-valia, mas as técnicas de plantio e coleta eram rudimentares, o inverno
rigoroso e quando a produção baixava não havia excedentes para a parcela
improdutiva da população, ou seja, crianças e velhos incapazes para o trabalho
e para a produção.
A população não podia aumentar, recém-nascidos só eram aceitos quando havia alguma morte, uma espécie de reposição, assim permanecendo estável a densidade populacional. Para resolver o problema de um nascimento quando não havia nenhum óbito as meninas eram vendidas, levadas para longe da vila e os meninos eram mortos, enterrados ou jogados no riacho.
Não menos chocante era o destino dos idosos. Quando por volta dos 70 anos perdiam os dentes deviam deixar a vila, ainda que estivessem lúcidos. Os dentes perdidos eram um sinal de que já não podiam contribuir para o próprio sustento e que logo se tornariam um peso para seus descendentes. Então eram levados por um membro da família para morrer em Narayama, uma montanha que abrigava os restos mortais de diversas gerações de idosos e assim deixavam espaço familiar para um novo membro
A população não podia aumentar, recém-nascidos só eram aceitos quando havia alguma morte, uma espécie de reposição, assim permanecendo estável a densidade populacional. Para resolver o problema de um nascimento quando não havia nenhum óbito as meninas eram vendidas, levadas para longe da vila e os meninos eram mortos, enterrados ou jogados no riacho.
Não menos chocante era o destino dos idosos. Quando por volta dos 70 anos perdiam os dentes deviam deixar a vila, ainda que estivessem lúcidos. Os dentes perdidos eram um sinal de que já não podiam contribuir para o próprio sustento e que logo se tornariam um peso para seus descendentes. Então eram levados por um membro da família para morrer em Narayama, uma montanha que abrigava os restos mortais de diversas gerações de idosos e assim deixavam espaço familiar para um novo membro
Em 2003, uma onda de calor na França matou 14 802 pessoas, a maioria idosos
e em toda a Europa morreram
entre 35.000 a 50.0000 pessoas, entre idosos e crianças. Grande parte da
população ativa estava de férias no Mediterrâneo ou nos Alpes enquanto os
velhos morriam sozinhos em suas casas, nos asilos geriátricos ou nos hospitais
rodeados de aparelhos, entubados ou sedados por drogas.
Na verdade,
também nossa sociedade de abundância e de consumo seletivos, continua
descartando seus velhos, mas de forma mais sofisticada do que faziam os pobres
habitantes de Narayama. O que permanece igual, é a solidão afetiva que se
observa tanto em Narayama como nas casas-depósitos geriátricas da chamada pós-
modernidade.
A
Reforma da Previdência proposta pelos governos neoliberais de todo o mundo é
uma forma de nos livramos dos velhos e de enviá-los para nossas Narayamas.
Sob a
ótica da economia neoliberal, se os velhos não mais votam e nem produzem, seu
destino é o isolamento, a solidão, a desafeição e a morte.
E como
consolo, talvez alguns se lembrem e cantem velhas cançôes de sua juventude como
aquela de Charles Trenet:
Que reste-t-il de nos amours
Que reste-t-il de ces beaux jours
Une photo, vieille photo
De ma jeunesse
Que reste-t-il des billets doux
Des mois d' avril, des rendez-vous
Un souvenir qui me poursuit
Sans cesse
Que reste-t-il de ces beaux jours
Une photo, vieille photo
De ma jeunesse
Que reste-t-il des billets doux
Des mois d' avril, des rendez-vous
Un souvenir qui me poursuit
Sans cesse