quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

MAIS UM BELO ARTIGO DE FRANKLIN CUNHA


               DEUS: SUBSTANTIVO MASCULINO

Franklin Cunha

               Por volta de 2300 anos a.C., o sumo sacerdote da Suméria compôs um hino em honra a Deus chamado "Exaltação de Inanna". Além de ser o mais antigo poema da História, ele é um canto  de extraordinária força e paixão e além disso, tem uma curiosa particularidade: tanto o sumo sacerdote como o deus eram do sexo feminino.

              No princípio dos tempos, quando a humanidade emergia da escuridão da pré-história, todas as divindades tinham representação ginecomórfica, obviamente refletindo a organização social da época onde a linhagem matrilinear predominava. A explicação  é  de que o homem primitivo, ignorando a relação entre o coito e a fecundação, diante do milagre da vida proporcionado pela mulher, dominado por sentimentos ambíguos de admiração, temor e inveja, atribuía poderes extraordinários à figura da mulher-mãe a qual, inclusive presidia a fertilidade da terra e dos animais domésticos.  Assim se compreende o achado constante, no período neolítico, de representações de mulheres grávidas em pinturas murais, terracotas e esculturas em osso.Alguns historiadores afirmam que tais interpretações  não passam de mitos. Porém desde que o arqueólogo Sir Arthur Evans, descobridor da grande civilização minoana de Creta, afirmou que as inúmeras figuras de deusas, representavam a mesma "Grande Mãe" cuja veneração estendia-se por toda a Ásia Menor  e regiões mais distantes, os pesquisadores modernos vêm aceitando o fato de que a "Grande Deusa-Mãe " estava presente em todas teogonias primitivas. Eram idealizações criadas por sociedades pacíficas, não competitivas, com relações de parceria e de não dominação entre os sexos.

           No entanto, alguns povos bárbaros e belicosos adotaram, com o tempo, deuses machos, violentos e vingadores.No século II AC, por exemplo, hordas indo-européias, nômades e adoradoras de tais divindades, conquistaram a Grécia - naquele tempo povoada por veneradores de deusas-mães - mas não conseguiram eliminar a influência cultural e religiosa do povo subjugado. As divindades femininas embora desprezadas, continuaram a aparecer em todos os momentos da história grega. Com o predomínio em nossa cultura da religião judáico-cristã, as deusas desapareceram do cenário celeste e as mulheres foram deslocadas do espaço público para o privado. O patriarcado  e sua metáfora edipiana, a falocracia, legitimaram a violência e o domínio de metade da humanidade sobre a outra.

         Os dois tipos humanos básicos são o masculino e o feminino e o modo como se estrutura o relacionamento entre homens e mulheres determina o arquétipo comportamental nas relações humanas e este relacionamento dominador-dominado é internalizado por crianças educadas em famílias e escolas tradicionalmente patriarcais.   

      Agora, novos ventos laicos e religiosos, parecem estar soprando e  refletem paradigmas alternativos de comportamento social. Por exemplo: o sínodo da Igreja Anglicana, pressionado por organizações feministas, recentemente aprovou um documento no qual decidiu suprimir da liturgia, qualquer referência a Deus como um ser do sexo masculino. A opção foi defini-lo como um ser misto, entre homem e mulher. Esse documento é sem dúvida uma conseqüência das novas funções sociais ocupadas pelo sexo feminino, inclusive o de sacerdotisas nos ofícios daquela instituição religiosa inglesa.                                                                  A Igreja Católica por sua vez, tergiversando,pronunciou-se sobre essa matéria dizendo que Deus é um espírito puro: nem homem, nem mulher. Talvez os teólogos católicos romanos, enxergando mais longe do que os anglicanos, queiram evitar futuras controvérsias diante da instigante questão a ser colocada pelas sempre ativas organizações homossexuais: uma idéia de Deus à sua imagem e semelhança.