sexta-feira, 9 de março de 2018

CACHORROS CAMPEIROS ||





 
Dada a boa repercussão da crônica sobre os cuscos campeiros, volto ao tema.

Esse de que falei, chamava-se Debby, era irmão do Lloyd.

Debby logo se tornou meu dono, exigia exclusividade,
lamuriava-se à minha porta quando eu não estava e ouvia o ronco de minha
caminhonete a uma légua indo  esperar no mata-burro. Só se acalmava depois
de duas horas de afagos. Por isso  acho
que o cão é melhor amigo do seu dono, não necessariamente do homem.

Debby tinha uma cadela favorita entre seu harém. Essa fêmea,
de nome Frida, era faceira e muito sábia. Quando Maristela tinha recém
engravidado, 22 anos atrás, ela se aproximou, lambeu o ventre dela e depois lhe
sorriu. Como já disse, os cães falam e sorriem. Mas só para aqueles de quem
gostam.

Esses bichos não precisam de banhos sistemáticos dados pelo
homem. Eles se atiram no açude ou no arroio e lá tomam banho. Claro que
precisam de vacinas e desverminações. Ensinam seus filhotes a lutar. São lindos
seus folguedos, simulam ataques aos garrões ou à jugular, numa memória
ancestral de suas origens. Nossos cães convivem com gatos, galinhas, pintinhos,
não fazem danos nas hortas.

São, porém, terríveis com cães estranhos: têm um forte apego
aos seus limites territoriais.

Voltemos ao Debby.Passaram-se os anos.

Um dia meu capataz me liga durante o dia. Maus presságios.É
que o capataz geralmente só liga à noite para contar os “sucedidos” do dia. Se
telefona de dia, é zebra na certa. Eu estava no escritório, em Porto Alegre.

- doutor, seu cachorro tá muy mal!

Só deu tempo de eu abastecer e me toquei na hora para a
estância.

Cheguei e o pobre cusco estava deitado sob uma árvore.

Acariciei sua cabeça e seu lombo,falei com ele,  que
levantou a cabeça, a duras penas, e me sussurrou: “seu Ruy, acho que tô na capa
da gaita, peleando só com o cabo da adaga”. O veterinário que fora chamado já
vaticinara que o caso era irreversível. Assim fiquei por horas o acariciando e
conversando sobre suas proezas e como deveria ser lindo o céu dos bichos, entre
os quais o “homo sapiens”, tão metido a deus. Prometi que me negaria a entrar
no céu sem ele. O pobre fazia um esforço para me olhar, mas sua cabeça pendia e
ele  arfava já sem forças. Deu um pequeno uivo e faleceu.

Resolvi, então, não ter mais meu cachorro exclusivo. É muito
sofrimento quando chega a hora de partirem. Mas esses cuscos são medonhos:
sempre tem um que te bajula, se assanha e acaba te adotando. Fazer o que...