terça-feira, 6 de dezembro de 2016

TEXTO DENSO E INQUIETANTE DE UM PENSADOR LONGE DEMAIS DAS CAPITAIS


 

ADVOGADO JÚLIO CÉSAR DE LIMA PRATES


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terça-feira, dezembro 06, 2016


Quem limita o Direito: origens e deformações


A tradição aristotélica ocidental forjou um pensamento essencialmente mecânico, dentro de uma esquematização em que tudo precisa ter um enquadramento lógico formal. Lógica dialética é um bicho de sete cabeças.

É claro, não existe preparo para entender o pensamento dialético, com suas contradições, teses, sínteses e antíteses. 

Ademais, esse pensamento é avesso a qualquer crítica, a concordância acrítica é questão essencial para o entendimento do juízo formulatório do raciocínio. Só a partir daí entenderemos os sofismas, os paralogismos e os aporemas.

Dias atrás, participei com um debate com o pessoal da fundação Ulysses Guimarães, que, erroneamente, apresentavam o marxismo como método.

Disse então ao Márcio (que esteve aqui em Santiago ministrando cursos) que o marxismo não era método e que Marx criou seu próprio método, o materialismo dialético. Karl Marx pegou de Hegel a dialética, e desprezou o idealismo, e, de Feuerbach, o materialismo, criando assim o Método denominado Materialismo Dialético, que alguns também chamam de materialismo histórico. 

O pessoal da Fundação me perguntou então como seria aplicado o Método. É simples. Em tudo, tudo que envolve as leis da constante mudança, tudo muda e nada fica como está. O próprio Leandro Konder sustentou que um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio, porque na segunda vez, nem ele e nem o rio seriam o mesmo. Da mesma forma, a dialética não opera com fragmentos (como fazem os juízes e promotores), a dialética opera com o todo e decorre daí que nada é fechado, definitivo, acabado e absoluto. Tudo é suscetível de mudança. 

Pessoalmente, dou pouca importância ao estruturalismo ou ao funcionalismo. Embora, o exemplo de Florestan Fernandes, ao propor um método para estudar uma tribo indígena, isolada na floresta, deveria ser uma fusão da dialética (com suas leis próprias e totalizantes, dentro do enfoque hegeliano) pari passu com o estruturalismo. Pois algo esta dentro, fechado em si mesmo (a tribo), derivando-se daí a fusão desses dois métodos. Aceitável.

A importância de um método, como a dialética, na desconstrução de linhas discursivas é essencial. Por isso, a dialética é profundamente irritante, os mecanicistas do Direito, por exemplo, não suportam o raciocínio dialético. Não sem razão, Carlos Astradas definiu a dialética como "sementes de dragão". A dialética inquieta os conservadores de direita e de esquerda. 

Roberto Lyra Filho, ao lançar as bases da Teoria Dialética do Direito, contrapondo-se ao jusnaturalismo e ao positivismo, as principais vertentes epistemológicas do Direitos,  lançou, no Brasil, as bases do direito alternativo, juntamente com Luiz Alberto Warat, Wolkmer, Agostinho Ramalho Marques Neto e a própria Marilena Chauí, que não é advogada, é filósofa. 

Esse movimento teve um lado bom, mas trouxe o caos embutido em si mesmo. Até por ser dialético, mas os juízes não sabem operar com a dialética, são dialéticos e não sabem. A questão é simples. Lyra Filho, saudoso Professor da UNB, PHD em Direito, sem querer criou um monstro tentacular em cima do privilégio do justo e do fato social em detrimento da norma. 

O que era para ser um prato fino e requintado, virou num angu de farinha de trigo sem tempero. Juízes tem formação mecanicista, são herdeiros de Althusser e Marta Harneker. Porém, sendo mecanicistas, sem saberem, aplicam a dialética. 

Está instalado o caos. Quando alguém que conhece Métodos, que sabe o que é Dialética e que sabe apontar as linhas mecânicas na interpretação discursiva das construções sentenciais, tudo vira um caos. 

Eu digo isso porque li o manifesto de alguns juízes e desembargadores gaúchos, um documento interno, mas que correu entre toda a comunidade acadêmica gaúcha, onde fica explícito a falta de horizontes acadêmicos acerca do debate sobre o conceito de ideologia. Fiquei com a séria impressão que o autor do manifesto não conhece bem os conceitos e a polêmica mundial que existe em torno destes, do contrário, bastaria balizar o entendimento conceitual (ou dizer: usamos o conceito ideológico no sentido marxista da expressão ou usamos o conceito ideológico no sentido gramsciano). No caso, é óbvio que só cabia o conceito de Chauí e de Marx, foi esse o rumo indicado por Roberto Lyra Filho, seja no livro O QUE É DIREITO ou KARL MEU AMIGO, DIÁLOGO COM MARX SOBRE DIREITO.

Marilena Chauí, a musa da nova escola jurídica, que dá origem ao movimento do direito alternativo, com Roberto Lyra Filho, escreveu um livro "O QUE É IDEOLOGIA", onde ela praticamente reproduz o conceito de Marx, de A Ideologia Alemã. Para ela, ideologia é dominação e afirma que  é um contrasenso falar em ideologia dos dominados, vez que ideologia pressupõe dominação.


Na contramão, mas bem na contramão, o grande teórico italiano Antônio Gramsci, sustentou que todas as manifestações, na arte, literatura, pintura, escultura, dança, música ... são ideológicas, independente de serem produzidas pelas classes dominadas ou dominantes. Imagino que o conceito de Gramsci (me parece que é Concepção Dialética da História) se aproxima muito do conceito de ideia de Hegel, li isso na Pequena Enciclopédia Hegeliana.


Tempos atrás, não faz muito, recebi em meu escritório, aqui no SHOPPING, a visita do grande teórico Doutor em Ciência Política Marcelo Duarte, que me trouxe de presente, um livro em francês, História da Filosofia. Me lembrei do Marcelo agora, justamente por Hegel. Curiosa ilação. A esposa de Marcelo é juíza de direito, se não me engano em Caçapava do Sul. 

Formular um raciocínio, partindo de uma premissa absoluta, vicia qualquer debate e contamina qualquer argumentação. Como ninguém parte para o debate, construção ou desconstrução de raciocínios, sem antes estabelecer suas premissas, o debate será sempre viciado ... para não falar mais duramente: frustrado. 

O direito se restringe a codificações. Kelsen, para os juízes a quo do Rio Grande do Sul, seria um lunático. Os cursos de Direito não focam nas ciências sociais e sua amplitude. Por exemplo, antropologia é um dos ramos das ciências sociais. Outro dia eu estava numa audiência de família e precisava questionar uma psicóloga arrolada com testemunha pela MP. Aí, levantei a questão da formulação do ego na criança a partir das teorias de epistemologia infantil de Jean Piaget. Puxa, eu estava no exercício de minhas prerrogativas legais e constitucionais e precisava questionar a testemunha, era meu dever e meu direito. Só que a juíza se perturbou profundamente com isso.

Da mesma forma, se os cursos de Direito não privilegiam o estudo de sociologia, filosofia, ciência política, antropologia, lógica, psicologia, semiologia, epistemologia, psicanálise e psiquiatria, nem falo em anti-psiquiatria, a Escola de Magistratura também é falha, porque restrigem o Direito a decoreba de códigos. 

Quem conhece um pouco de ciências sociais e sabe usar um Método, e vai advogar, podem escrever: este está fadado ao insucesso, de ser encarado como complicador ... até como lunático e louco. Eles repulsam o que não sabem e não entendem, sem perceber que quem restringe o direito são eles próprios e suas próprias limitações. 

Outro dia, tive que rir. Estava numa cidade da região. E uma autoridade me disse que Dialética era a arte de bem racionar ou construir um discurso. Na mesma hora notei a pobreza. Sabe ela o que é polissemia e que uma expressão assume vários significados. Dialética, nos conceitos de língua portuguesa é uma coisa. Agora, nas ciências sociais, é parte de um Método (por favor, não confundam Método com Metodologia). Esse erro demonstra bem o tamanho da limitação acadêmica e teórica que grassa no Rio Grande do Sul e revela bem que os cursos de ciências sociais e jurídicas nada ensinam sobre ciências sociais. Tratam apenas das ciências jurídicas, aliás, que eu até tenho dúvida se é ciência ou ideologia. Uma CLT, um CC ou um CPC é claramente ideologia e não ciência. 

É claro, se formos adentrar na psicanálise, na semiologia, nas construções discursivas com Pechet e Althusser, ou filosofia jurídica com um amplo campo especulativo aberto, aí - sim - poderemos falar em ciências. 


Por fim, eu gostaria de encontrar alguém com luzes nessa cegueira jurídica institucional que me afirmasse: mas, Júlio, estás errado. Tudo é ideológico. 


Aí eu sorriria feliz. Pois finalmente teria achado alguém fora da cegueira e sem as viseiras dos códigos.