sábado, 4 de maio de 2019

AS CIDADES, SEUS URBANISTAS E ARQUITETOS - Franklin Cunha


As cidades, seus urbanistas e arquitetos

Os arquitetos, em especial os urbanistas, parecem não dar suficiente atenção para aspectos da economia, política, demografia, climatologia, psicologia coletiva e para submundo do poder financeiro, midiático e das estruturas sombrias e irreveláveis  que regem tudo isso.

Exemplos?

Os dois maiores arquitetos do século vinte (erroneamente avaliados pela propaganda), Le Corbusier e Niemeyer , criaram  cidades de difícil convivência  para o ser humano.

A ideia de comodidade é alheia à arquitetura dita de vanguarda. As cadeiras desenhadas por Frank Lloyd Wright, por exemplo, foram definidas por um crítico como “um instrumento diabólico de tortura idealizadas para os olhos não para os glúteos”.

Os defeitos acabaram por se converter em um detalhe do estilo. Numa residência feita por Wright para um milionário (que é com quem os arquitetos gostam de trabalhar, milionários tanto privados como estatais), uma goteira pingava justo na cabeça do empresário à cabeceira de sua mesa de refeições.

Consultado, o arquiteto sugeriu que o proprietário se mudasse para outra cadeira da mesa. E as manchas de umidade acabaram se convertendo num selo distintivo da arquitetura de Wright.

Algo semelhante aconteceu com Niemeyer. Quando um visitante observou que numa casa projetada por ele em Petrópolis havia goteiras por todos os lados, a dona da casa orgulhosa disse: “Claro, nas casas de Niemeyer, chove “.

Os custos, para Le Corbusier eram uma preocupação mesquinha, indigna de um artista.

A indiferença deste famoso arquiteto pelo ser humano se revelou com ênfase no edifico do Exército de Salvação de Paris, para o qual ele havia inventado um sistema de refrigeração com janelas invioláveis ( usadas na maioria de nosso edifícios públicos). Quando chegou o verão, o sistema não funcionou e os habitantes no limite da asfixia se rebelaram e abandonaram o edifício.

Um complexo habitacional de Le Corbu em Marselha, foi um fracasso como estilo de vida comunitária. Os corredores  eram desmesuradamente compridos e escuros nos quais abriam-se as portas dos aptos e se constituíam numa zona ambígua , nem privada nem pública que  transformava a saída de casa numa aventura insegura e atemorizante. Estas obras ,não obstante, foram um modelo de especulação imobiliária  para os planos burocráticos  de vivendas baratas o que se viu refletido  nos sinistros monoblocos construídos nos distantes subúrbios das megalópoles atuais. Por fim, um crítico severo de Le Corbusier afirmou que seus conjuntos habitacionais, eram “campos de concentração aplicados à arquitetura”.

As casas e as cidades dos arquitetos de vanguarda são mais esculturas do que arquitetura, são ” casas de coleção “, aptas para ser exibidas em museus, fotografadas em revistas da moda, analisadas na aulas  das faculdades de arquitetura e construídas para milionários não para pessoas comuns e pobres. A cidade de Chandigar de Le Corbusier na Índia e a Brasília de Niemeyer e Lúcio Costa são  exemplos típicos de uma ideia autoritária a qual elaborou a planificação hierárquica dessas cidades monumentos.

As duas cidades, têm as mesmas deficiências. São divididas em blocos denominados por siglas de letras e números estritamente separados por níveis de renda familiar o que não torna possível mudar-se para um setor de maior e melhor  categoria funcional  se não de sobe no nível social. A necessidade de mão de obra para os serviços originou nas periferias outras cidades não planejadas e em geral, pobres ou  miseráveis até. As favelas são a outra cara dos portentosos monumentos de Brasília. Um arquiteto argentino afirmou que Niemeyer criou uma cidade do século vinte e várias dos séculos anteriores em suas periferias. Por sua vez, o planejamento urbano de Chandigar revelou a visão do mundo de Le Corbusier, autoritária, hierárquica, discriminadora, que não difere muito da visão de Niemeyer e Lúcio Costa. E, que afinal, acabou influindo na organização e na atuação do poder político brasílico.

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Franklin Cunha é médico, membro da Academia Rio-Grandense de Letras.