Vida que te quero viva
Lissi Bender*
As pombas, que habitam nossas áreas urbanas, são animais de
estimação, amansadas há muitos séculos. De maneira que se tornaram aves muito
distantes de sua condição silvestre original. Diferentemente de seus ancestrais, não
mais chocam duas vezes por ano, mas durante todo o ano. Isto se deve ao fato de
terem sido domesticadas e criadas com vistas à reprodução para serem usadas
como pombos correio, por exemplo. Nessa conformidade, a proliferação de
pomba(o)s é consequência da intervenção humana.
Também em nossa cidade elas se multiplicam e se ouve
queixas: estariam sujando a praça, trazendo piolhos, transformando-se em
pragas. Junto com as reclamações, crescem os debates acerca de formas para seu
controle. Não raro, me deparo com sugestões nada pacíficas para a diminuição da
população de pombas. Há quem defenda a ideia de eliminação por meio de
envenenamento. Outros acham que se deva deixa-las passar fome ou construir
arapucas para as aprisionar e depois matar. Todas estas alternativas seguem um
movimento contrário ao desenvolvimento de um mundo mais pacífico entre nós
humanos e as de outras espécies com as quais compartilhamos vida.
Em Basel, na Suíça, foram feitos experimentos científicos
para o controle da população de pombas já no final dos anos 80. Lá pôde ser comprovada
uma maneira eficaz e, ao mesmo tempo, voltada para a dignidade de vida da
espécie: a construção de pombais, pois as pombas não fazem ninho em
árvore. Junto aos pombais deve haver orientações à população sobre as
consequências negativas da alimentação aleatória das aves.
Na contemporaneidade cresce a consciência para artgerechte
Tierhaltung – a manutenção e manejo de animais com vistas à vida digna de
acordo à espécie. Em Tübingen, onde fiz meu doutorado, pude conhecer como
funciona o controle de multiplicação de pombas por meio da instalação de
pombais. Quando se reúne as pombas em torno de um local provido de alimento e
água fresca, com condições adequadas para nele fazerem seus ninhos, torna-se
fácil trocar a cada semana os ovos por outros similares de gesso, com o mesmo
formato e peso dos originais. As pombas os aceitam como seus e os chocam. Não
vale apenas subtrair os ovos, pois a pomba ficaria muito estressada e passaria
a pôr mais ovos.
O manejo desses pombais é, via de regra, assumido por voluntários
de diferentes associações. O governo municipal entra com a edificação da casa e
com o custo da alimentação. Os ovos arrecadados passam a ser incorporados a
alimentos de outros animais. Esses procedimentos oferecem às crianças, e à
população, exemplo edificante de como se pode cuidar humanamente da vida.
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Doutora em
Ciências Sociais, vice-Presidente da Academia de Letras de Santa Cruz
lissi.bender@gmail.com