Caro amigo Ruy.
Gostei muito da tua volta às
páginas da Gazeta do Sul. Em especial quando relataste os teus primeiros anos
na Magistratura, percorrendo esse – em geral - pouco conhecido interior gaúcho.
Ainda mais naqueles anos 1970. Com deliciosas histórias agora cinquentenárias.
Ou quase. Fez-me lembrar as histórias que também vivi como juiz de Direito com
a diferença de quatro ou cinco anos após os teus périplos pelo interiorzão do
Rio Grande.
Como tens destacado, foi uma
notável lição de vida e de conhecimento, criando novos conceitos pessoais e
vencendo antigos preconceitos. Tive a mesma origem, as colônias alemãs, para
nós até então “o umbigo do mundo”, com a natural passagem por Porto Alegre nos
anos de estudos e formação. Mas, o que sabíamos sobre esse notável Rio Grande,
de tanta riqueza étnica, tradições e culturas ? Nada ! Quando muito conhecíamos
um pouco sobre a tal de Revolução Farroupilha, que existira um índio chamado
Sepé Tiaraju, coisas superficiais.
Nessa década de 1970 o Rio Grande
vivia o deslanchar de uma nova Economia, calcada numa tal de soja que
transformava a “Zona da Produção” num mar verde e fazia virar os séculares
campos de gado até das Missões de Santo Ângelo ou São Luiz Gonzaga.
Minha passagem de Estrela para
Tapera foi um choque, não cultural porque os colonizadores daquela região eram
oriundos das “colônias velhas” de Santa Cruz e mesmo de Estrela, nas migrações
do começo do século 20. Até parentes tínhamos por lá. O choque foi econômico.
Saía de um região de minifúndio, de propriedades de dez hectares e chegava no
meio dos novos ricos que ficavam tristes quando colhiam só 20 mil sacos de
soja... Contraditoriamente, o asfalto não chegara e transitar pelo barro
vermelho foi dos primeiros desafios da Brasilia azul e do novo juiz. Ou juiz
novo.
As piscinas proliferavam e a soja
chegava até as suas bordas. Mas a casa do juiz nem telefone tinha. Saíra de
Estrela, uma das pioneiras do DDI – podíamos falar direto com o Japão – e para
telefonar de Tapera para os parentes de Estrela tinha que ir até a Delegacia de
Polícia ali perto, onde havia um telefone a manivela. Mas o colono sabia tudo
da Bolsa de Chicago. Era o novo Rio Grande que se formava, cheio de
contradições.
O segundo tempo da minha
Magistratura começou meses depois, no começo de 1978 quando cheguei em Giruá,
nas Missões. Ali as diferenças eram outras: culturais. Giruá teve origem
missioneira pois integrava o município de Santo Ângelo. Na época das migrações
internas chegaram os alemães de Boca da Picada, os italianos e os poloneses de
Salgado Filho e de Guarani das Missões. Uma comarca multiétnica. Experiência
nova para aquele juiz novo, mescla de alemão com suíço-francês.
Logo chamou a atenção a igualdade
nas diferenças. O respeito mútuo e a integração. Alemão pilchado frequentando o
CTG, sem esquecer as suas próprias origens. E fui descobrindo a riqueza étnica
e cultural deste Rio Grande. Os poetas, a literatura, a música da Califórnia
que começava a estourar por todo Estado. Naquele tempo tudo isso soava ainda
estranho para os oriundos das colônias velhas.
Tivemos oportunidade de conhecer
o Rio Grande como um todo, essa notável mescla que forja o gaúcho de hoje e o
torna tão orgulhoso de sua terra. Tivemos que curtir estradas precárias, longas
distâncias, longe dos parentes e amigos, mas foi uma experiência notável de
vida, não é isso caro amigo Ruy ?
-
o O o –
Um historinha para concluir.
Ali por 1973, o advogado Gustavo
Simon resolveu encabeçar a volta do Estrela FC às lides do campeonato gaúcho.
Como colega, aceitei a árdua missão de ser o diretor de futebol e com meu irmão
Adilson Fauth, professor de Educação Física, começamos a colocar o time em
campo.
Num dia de treinamento apareceu
um baita alemão dizendo que era de Arroio do Meio, gostava de jogar futebol, de
zagueiro. Pediu para participar eventualmente dos treinos do Estrela FC apenas
por gosto e como praticante de uma atividade física.
Aceitamos. Treinou entre os
aspirantes, era forte prá burro, deu seus bicos à moda do moderno Paulão e no
final saiu suado e satisfeito.
Na saída, na dúvida, perguntei:
- Como é mesmo o seu nome ?
- Ruy Gessinger, sou juiz da
comarca de Arroio do Meio.