sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

UM BOM PROFESSOR NUNCA SE ESQUECE


              IRMÃO FIDÊNCIO, UM FACHO DE LUZ


 

 

 

                                                                           Armando José Farah*

 

 

Parece-me que o nome Fidêncio provém da palavra latina fides, que significa fé. E ele foi, realmente, um homem com este sentimento forte. Não apenas pela fé religiosa, da carreira que abraçou e nela permaneceu por toda a vida. Refiro-me, também, à fé nos valores do ser humano e na  importância da  educação. Principalmente, na tarefa educadora realizada através da inteligência e pela liderança espontânea. Em suma, pela autoridade do saber e não do poder.

 

 

Aliás, por onde passou, Ernesto Dewes (mais conhecido pelo nome religioso de Irmão Fidêncio) deixou um sem número de amigos e alunos, todos imantados por sua inteligência, simpatia e cultura humanística, postas permanentemente a serviço de abnegada missão de educar. E educar no sentido de mostrar caminhos, descortinar horizontes, estimular a razão crítica, respeitando idéias e indicando a convergência dos múltiplos ideais da alma humana.

 

 

No Colégio São Luís, ele foi meu professor de português, inglês e de  música, matérias que serviam de instrumento para colocar à nossa disposição sua vivência e  transmitir o fascínio pelas ciências humanas. Suas aulas de português partiam da palavra escrita ou falada e se espraiavam-se pela riqueza dos textos e da linguagem bem articulada. Mostrava aos alunos as belezas do idioma e sabia motivá-los. Aliás, motivar e estimular a curiosidade constitui o núcleo da arte de ensinar, como comprovei, mais tarde, ao lecionar em pré-vestibular e, depois, na Universidade. Procurei seguir seu exemplo e colhi bons frutos.

 

 

 

 

 

 

Fidêncio sabia despertar lideranças e desenvolver o espírito associativo. Criava grêmios literários ou esportivos, distribuindo e alternando, entre os próprios alunos, as diferentes atribuições e funções administrativas. Nas reuniões, franqueava a palavra e estimulava o debate, orientando a crítica construtiva. Eram verdadeiras aulas práticas de cidadania.

 

 

As belas artes, mas principalmente a música, faziam parte de seu magistério e de seu viver cotidiano. Por onde andava, criava coros e fomentava a formação de conjuntos musicais. Compunha belas músicas em noites indormidas, pois não precisava mais do que três ou quatro horas de sono. Na hoje catederal de São João Batista, dirigia o coro masculino Santa Cecília e, no coral do Colégio, se esfalfava em estenuantes ensaios para harmonizar vozes juvenis desafinadas ou rebeldes.

 

Uma de suas alegrias foi ver concluído o auditório do Colégio. Em 1953, se não me engano. Para isto, juntamente com outros líderes do São Luís (dentre eles o inesquecível Ir. Emílio) e da própria comunidade, ele transpôs enormes obstáculos financeiros, a fim de que a cidade pudesse dispor de um local adequado para palestras, conferências, concertos etc.

 

Num dos primeiros espetáculos, ele apresentou um grande coral e solistas, acompanhados pela Orquestra de Concertos Lyra, esta dirigida pelo maestro Lindolfo Rech.  Dentre outras obras, tocaram a marcha triunfal da ópera Aída, de Giuseppe Verdi. Foi um sucesso raro, quiçá desconhecido pela comunidade, até então. E nós lá, cantando em italiano. Vejam só!  Mas a custa de muito ensaio. É claro.

 

Depois, foi a vez de encenar A Casa das Três Meninas, de Franz Schubert, com solistas de Porto Alegre. Ora, além de ser uma bela opereta, o libreto era em alemão. Portanto, o êxito não poderia ser melhor. Seguiram-se concertos da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e apresentações de conjuntos de câmera, bem como peças de teatro.

 

 

Hoje, estou certo de que um corpo infatigável, servia a seu espírito clarividente e muito adiante de seus coetâneos, revelando posições de vanguarda, até mesmo em assuntos de educação religiosa ou nas relações com outros credos. Nesse sentido, ele como que se antecipava às mudanças que, décadas depois, ocorreriam nos métodos da educação e na convergência dos caminhos ecumênicos, preparados por João XXIII.

 

Era contrário, por exemplo, a forçar os jovens internos a irem à missa todos os dias e de manhã cedo. Achava preferível proporcionar-lhes atividades esportivas e exigir-lhes apenas a missa dominical. O dever diário cabia a eles religiosos, por opção. A seu ver, a obrigação da missa diária criaria reflexos negativos nos jovens, provocando-lhes, mais tarde, sentimento de fastio, em relação àquilo que lhes fora imposto e não escolhido.

 

 

Certa vez, perguntei-lhe se eu poderia faltar uns três dias, para realizar uma viagem de caminhão a Porto Alegre, com meu irmão mais velho.  Sua resposta foi pronta e espontânea: conhecer a capital do Estado valeria mais do que uma semana de aulas, confirmando a expressão que, mais tarde, apreendi em alemão: Das Lesen und das Reisen macht uns weiser.

 

Esse modo de pensar e de agir tornaram-no, para mim, um paradigma de professor. Representaram, ao mesmo tempo, impulso valioso para descobrir novos caminhos que me levaram a horizontes mais amplos do conhecimento. E, a partir daí, permanentemente iluminados pela arte, em especial pela música dos grandes mestres.

Lamento que, embora vivendo por vários anos, aqui em Porto Alegre, não tenhamos convivido com a freqüência que eu faria hoje. Infelizmente, nem o tempo, nem a vida retroagem, a fim de consertar o mal que fizemos ou resgatar as coisas boas que deixamos de fazer. Fica, porém, este Registro como testemunho de minha admiração e de meu respeito pelo grande professor.

 

 

 

O mestre que deixou um facho de luz e um rastilho de saudade, por onde passou.  Nesse sentido, bem se expressou o professor Osvino Toiller, ao escrever, a propósito de Aloísio Boufleur: Ensinar é um exercício de imortalidade.

 

Estou certo que aqueles que foram seus alunos - ou conheceram bem o Ir. Fidêncio - compartilham deste sentimento e de guardam semelhantes lembranças, que associo às homenagens pelos 125 anos do Colégio São Luís.

 

                                                    *  Advogado e professor universitário.

 

 

                                       

ARMANDO JOSÉ FARAH

               
Nasceu em São Sepé (RS), 22.08.37, filho de Ernestina Berger Farah e Niderau Farah.
 
Reside em Porto Alegre e é casado com a advogada Marlene Teixeira Farah. Tem dois filhos: Eduardo e Cristina.
 
De 1950 a 1953 estudou no Colégio São Luís e, em 1955, concluíu o curso clássico, em Porto Alegre, no Colégio Estadual Júlio de Castilhos.
 
De 1960 a 1967 foi Professor de Francês do Curso Pré-Vestibular Mauá, época em que fundou a Associação dos Professores de Francês do Rio Grande do Sul e foi seu primeiro Presidente.
 
Em 1961, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito de Porto Alegre - UFRGS, na qual foi assistente da Direção e Professor de Direito Comercial.
 
Realizou estágios e cursos no exterior.