Jamais se ouvia rádio. TV ainda não existia. Certo dia de
1958, estávamos no pátio, quando um Padre nos disse que o Brasil se
sagrara campeão mundial graças a um jogador chamado Pelê ( assim mesmo,
com “e” fechado). Nunca tinha ouvido falar.
Cada seminarista tinha um número.O meu era 80. Em todas as
roupas estava marcado, num lugar discreto, esse número para que não
houvesse confusão na lavanderia.
De vez em quando, ainda de madrugada,encostava um caminhão
de carga, subíamos todos na carroceria e íamos para algum lugar acampar por um
dia. Era o chamado “ passeio grande”. Imagina hoje 50 guris na carroceria de um
caminhão estrada a fora.
Para os meninos vindos das “ colônias novas” e muitos filhos
de agricultores o seminário era o único
meio de conseguir estudar. Tão sólido era o estudo, que a maioria passava
facilmente nos vestibulares da UFRGS uma vez abandonado o Santo Inácio.
Ninguém usava dinheiro. Para necessidades como sabonetes,
desodorantes e essas coisas, havia uma espécie de lojinha em que eram anotadas
as compras, a serem acertadas depois com os pais. Não havia refrigerantes,
muito menos bebidas alcoólicas. A carne era suficiente, mas nem de longe
a gastança de hoje. Frutas havia à vontade.
Nunca constatei nenhum caso de homossexualismo ou pedofilia,
conquanto não possa afirmar que eventualmente não houvesse algum .
Ao findar meu segundo ano de Kappesberg me decidi por
sair. Não tinha vocação para padre e além do que estouravam nas minhas veias
os hormônios da adolescência, coisa não incomum nessa raça medonha que
são os Gessinger, Klafke, Etges, cujo sangue “perigoso”
corre nas minhas veias.
Bem, quem voltou para Santa Cruz foi um cara que não ouvira nada de Elvis Presley, que não sabia jogar
basquete ( a moda em Santa Cruz), que não fumava ( apesar de já ter 15 anos),
nem bebia . Além disso, não dizia palavrão, nunca tinha nem passado perto
da “ zona”, nem sabia o que era “ secar” uma guria.
Reingressei no São Luiz .Em seguida fui para o Mauá, onde o esquema era
bem mais rígido do que , à época, no São Luiz.
Nunca encontrei um só ex seminarista que não tenho
lucrado com aquela vida espartana e não recorde com satisfação os
ensinamentos lá hauridos; assim como nunca tive conhecimento de um só que não
tenha gostado de prestar o serviço militar, apesar das agruras e
privações.
Por isso, agora, olhando para trás, agradeço a Deus por
essas experiências, porque, já como juiz de direito, jamais me importei de ir
para as bibocas, onde nem havia estradas e as casas eram precárias. Para
quem esteve interno no Kappesberg nada mais era difícil.