quinta-feira, 26 de agosto de 2021

SOBRE A VIDA DOS ANIMAIS I

 Dias atrás a Professora Lourdes Hubler publicou um belo artigo na Gazeta e mencionou um livro de Peter Wohlleben intitulado “ A vida secreta dos animais” ( Das seelenleben der tiere). 

Fiquei muito interessado e comprei o livro. Eu ainda sou um dinossauro que gosta de ler livros físicos . Só os jornais é que hoje leio pela internet.

O autor discorre com maestria sobre diversos aspectos da vida animal. Reparte suas considerações em 41 capítulos, um mais interessante que o outro. Além disso, é didático  e preciso.

Ocorre que ele mora na Alemanha cuja fauna não é tão abundante como a nossa no Brasil.

 Todavia  , no que a nós pertine ,ele acerta em todas.

Permito-me, no entanto, dar o meu testemunho de quem há dezenas de anos lida com o que ocorre numa fazenda. Também não me considero  um especialista, apesar de muito ter lido e observado, desde conselhos de peões, até dicas preciosas de fazendeiros que tem tradição de séculos, na zona da campanha .

Os animais, em geral, tem sentimentos, costumes, mas nós humanos não temos muito prestígio entre os   não  domesticados.

Anotei algumas coisas interessantes.

Animais de todos os tipos e raças costumam beber água nos açudes e sangas.Vão, tanto domésticos,  como os selvagens. Bebem em paz todos, sem qualquer problema. Basta se aproximar um humano a pé e pronto, fogem em desabalada carreira ou vôo os animais selvagens. Quando a gente se aproxima sem gritaria a cavalo eles até ficam olhando, mas ante maior aproximação se mandam “ a la cria”. 

A primeira coisa que um bovino ou ovino faz ao adoecer é se esconder no mato ou numa moita para não ser vítima de algum predador. Daí ser importante a constante vigilância em todas as invernadas. Normalmente ele tem que ser laçado, imobilizado e ali mesmo medicado.

Na maior parte das fazendas os partos  se dão ao ar livre,  nas invernadas. Se a cria nasce com problemas, igual a mãe a lambe normalmente . Se o terneiro não se levantar, a vaca espera um determinado tempo e abandona a cria. É  hora de o campeiro tentar criar o terneiro “ guacho” ( não confunda com gaúcho) . Muitas vezes se salva o animal, que se cria muito mansinho. O problema é, na hora de vender, a choradeira das crianças que se encarregaram de cuidar do bichinho.

No mundo ovino acontece , por vezes, que  a borrega sofre demais no parto e abandona o cordeirinho.

 A nomenclatura nem sempre é conhecida dos urbanos: cordeiro(a), borrego(a), ovelha , capão   e carneiro. Carneiro é o reprodutor.

Dizer que quer comer carne de carneiro é o mesmo que pedir carne de touro.



terça-feira, 24 de agosto de 2021

O PRODIGIO HOLANDÊS

 TITO GUARNIERE 



O PRODÍGIO HOLANDÊS 



Quem exporta mais em produtos de agropecuária, valor em dólares, o Brasil ou a Holanda? A resposta parece simples: a Holanda tem 42 mil km2, o Brasil mais de 8 milhões de km2. O Brasil é uma potência mundial exportadora de grãos e proteína animal. É o segundo exportador mundial em volume, atrás apenas dos Estados Unidos. 



Surpresa: a pequenina Holanda, nem metade do território de Santa Catarina, exporta em dólares mais do que o Brasil, em produtos agrários. As exportações brasileiras ficam em torno dos U$ 90 bilhões, as holandesas em U$ 110 bilhões ao ano. 



Qual é o segredo da Holanda? Para começo, o país está localizado numa confluência estratégica da Europa e mundo. O porto de Rotterdam há séculos é um dos portos mais movimentados do mundo. No porto holandês, a rigor, não há esforço braçal, tudo é operado por guindastes sofisticados e robôs de alta performance – por computador. 



Não falta dinheiro para quem queira investir – amplas linhas de crédito e recursos fartos de instituições locais e do Mercado Comum Europeu. As empresas se instalam e produzem em ambiente amigável para os negócios, com regras tributárias simples e a mais completa segurança jurídica. 



O uso da tecnologia aplicada à produção de itens de cultivo (como flores) e alimentos é a base do sucesso do modelo holandês de agropecuária sustentável. As políticas para o setor não mudam quando mudam os governos. Há investimentos maciços em pesquisa. 



Os cérebros do prodígio holandês estão na Wageningen University & Researach-WUR, a mais prestigiosa instituição do mundo de investigação, pesquisa e métodos de produção agrária. Além da Holanda, mais de uma centena de países em todos os continentes se beneficiam da chamada “agricultura de precisão”, um conceito de excelência máxima do segmento – as linhas mestras são criadas nos estudos e nos experimentos da WUR. 



Para a WUR, ciência e mercado andam juntos – nada parecido ao que acontece nas nossas instituições públicas de ensino superior, em que certos dirigentes (em geral advindos das ciências humanas e sociais) têm, mais do que desconfiança, resistência ativa e declarada a qualquer aliança da universidade com o setor produtivo e empresarial. 



No exíguo território, nas estufas imensas, do tamanho de campos de futebol, computadores controlam água, luz, temperatura, umidade. As plantas não param de crescer nem durante a noite. Os pés de tomate chegam a alcançar a altura de 13 metros. Uma enorme embarcação abriga uma fazenda flutuante de 500 vacas leiteiras. Uma vaca holandesa produz quase 10 vezes mais leite do que uma brasileira. 



A logística impecável permite que os laticínios, tomates e flores holandesas sejam colhidos e acondicionados em um dia, e em menos de 24 horas depois estejam nos mercados de Tokio, Nova York, Londres. 



Valor agregado e produtividade são as palavras-chave desse prodígio de produção, que usa espaço físico cada vez menor e cada vez menos defensivos agrícolas. 



No Brasil há exemplos isolados de excelência no uso de tecnologia nas atividades agropastoris. Alguma coisa já existe – mas estamos anos-luz atrás dos holandeses. 



 titoguarniere@hotmail.com 

 Twitter: @TitoGuarnieree 

 

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

HONRA TEU PASSADO E TERÁS FUTURO

 A casa da minha avó materna Bertha Etges (viúva) , ficava um km antes da do vô Rudolf Gessinger, em Boa Vista. Era abissal a diferença econômica entre as duas famílias. Na casa dos Gessinger havia piano, violinos, acordeons, o vô Rudolf  viajou à Europa em 1950, tinha automóvel novo, mandou puxar telefone por conta própria, tinha poder e pila.

Na vó Bertha  havia cheiro de pão, cachorros, gatos, vacas, muito carinho, mas não tinha luz .

Na hora de visitar os avós, meu pai parava sua Dodge na frente da casa da Vó Bertha. Desciam minha mãe Ludmilla  e minhas irmãs Lia e Cleonice. Seguia eu com meu pai.

 Era nítido que minha mãe tinha um tratamento reverencial com seus sogros. Contaram-me os antigos  que no começo os Gessinger não aprovaram muito o  namoro.

Meu pai foi mandado para o internato do Colégio São Jacó , em Novo Hamburgo. Ali não completou os estudos e foi a Porto Alegre, parando numa pensão na rua Alberto Bins. Arrumou um emprego na loja Bier e Ulmann que ficava no Centro .A saudade deve ter batido e Vô Rudolf comprou uma “ venda” para ele na Linha Araçá. Em seguida  meu pai se casou com minha mãe . 

O interessante é que não houve festa de casamento nem nada. A mãe foi se arrumar na casa do Tio João Müller,( da padaria Müller) tiraram fotos com vestido de noiva, o pai elegante de terno e gravata, mas nem rastro de fotos com demais familiares. Eram lindíssimos os dois solitários nubentes.

Em seguida , dois anos depois do casamento, nascemos eu e minha irmã Lia, com intervalo de 11 meses. Meus pais se mudaram para Santa Cruz onde abriram uma “venda” perto da Sudan. Em seguida adquiriram duas casas contíguas na rua Thomas Flores, 864 e 876. Esta serviu de um armazém de secos e molhados. 

Nunca minha mãe falou mal de ninguém ou se queixou. Era, todavia, nítido que se retraía mercê da diferença social. Nossos avós paternos e vó Bertha nos mimavam muito.

Até hoje me lembro como meus pais nos amavam e aconselhavam. Só havia um “ clima”quando a mãe reclamava que meu pai se passava  na cerveja.   Nada que um “Schläffchen” ( sesta)não resolvesse.

Com meus pais  aprendi as rígidas normas da honestidade. Desde 12 anos  ajudava,  carregando produtos ou ajudando a descarregar.

Em 1953, num domingo de ramos, meus avós paternos tiveram um acidente com seu carro a caminho da missa em Santa Cruz e faleceram. 

Como meu pai foi mal nos negócios,  saí de casa aos 17 anos para não ser um peso a mais na família.

Aprendi muito,nos meus negócios, com aquele monte de cadernetas “ de fiado” não pagas . 


terça-feira, 17 de agosto de 2021

BAITA CRÔNICA DE GUARNIERE

 TITO GUARNIERE 

 

TERCEIRA VIA 

 

Haverá espaço para uma terceira via capaz de disputar com chances o pleito presidencial de 2022, uma alternativa para Bolsonaro e Lula? Como preliminar, sim. Os candidatos já postos, na direita e na esquerda, largam na frente com um valioso patrimônio de votos, isto é, detêm uma base social relevante de apoio. Mas ambos têm um alto grau de rejeição – se um deles não chegar ao segundo turno, os votos tendem a ser transferidos para a terceira via, seja quem for. 

 

Tanto mais agora que Bolsonaro, vítima das suas próprias diabruras, patina, perde popularidade – e na marcha acelerada do desvario, da insensatez, pode até ficar de fora da disputa já no primeiro turno. Lula assiste a tudo de camarote, e como se diz, joga parado, no erro do adversário. Mas não deseja que o atual presidente se desgaste além de uma certa conta. Bolsonaro é o candidato dos sonhos de Lula no segundo turno. E vice-versa. 

 

Há certamente um centro, centro-esquerda ou centro-direita – são muito imprecisos esses conceitos –, PSDB, MDB, PSD, DEM, que, em teoria, têm alguma chance de dar forma a uma aliança eleitoral viável em 2022. 

 

No ínterim das eleições e até 2022, essas forças (em geral) admitem uma união, fora de Bolsonaro e Lula – dizem eles, em torno de um projeto para o país. Mas as coisas se complicam quando cada uma das partes apresenta o seu projeto – olhadas de perto, as propostas coincidem somente nas grandes linhas, as platitudes com as quais todos estão de acordo. A explicitação das formas e dos detalhes de um plano para o país pode desmanchar o sonho da unidade. 

 

Mas não é esse o nó a ser desatado. O problema está no nome do candidato da unidade. Diferenças e ambições embaralham o jogo. Ciro Gomes às vezes veste a roupagem de uma terceira força. Não é lá uma grande aposta – Ciro precisa controlar seus nervos, o temperamento hostil e divisionista, que afasta aliados por qualquer pinimba. Seria preciso acalmar o gênio indomável. O sertão, porém, não costuma virar mar. Não ganha a eleição e se ganhar, será mais um período de crises e bate-bocas de toda ordem. 

 

A candidatura de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, bancada pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, que sabe analisar muito bem o tabuleiro político, não parece capaz de decolar – vejo-o como um político mediano, sem biografia e sem brilho. 

 

João Doria está em plena campanha para ser o candidato tucano, mas não cativa nem o seu partido. O carro-chefe é a vacina Coronavac. Mas ele tem pouco a ver com o PSDB, não captou nem entende os valores e os princípios programáticos da social-democracia. A alternativa do governador gaúcho, Eduardo Leite, como candidato tucano, seria mais coerente e inovadora. 

 

Fala-se na candidatura da senadora Simone Tebet, do MDB. Pode empolgar – é mulher, nome novo, articulada, combativa, ficha limpíssima. O partido é a sua força e a sua fragilidade – dominado por oligarquias locais, o MDB não é muito chegado em apostas mais arejadas. 

 

Uma chapa Simone Tebet-Eduardo Leite, ou Leite-Simone, poderia ser um bom sinal e um apelo promissor para a ampla parcela do eleitorado que não quer nem Bolsonaro nem Lula. 

 

 

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

PANDEMIA E RENÚNCIAS

 Certo dia li, no caderno de turismo de um jornal, uma reportagem que me chamou atenção. Estava sendo inaugurada uma linha aérea que saia de Porto Alegre até a Ilha do Sal, na costa africana. Olhei melhor no Google e lá estava um paraíso quente, com belos hotéis e praias. Adoro quando não preciso fazer escalas. A ilha fora uma possessão portuguesa e era de lá a falecida cantora Cesária Évora,  cujas canções  aprecio muito. Seria um bate e volta de uma semana.  Quando nos aprontávamos   para comprar as passagens lemos que na China havia um “andaço” de uma doença. Pensei: tudo que nos faltava era ficarmos trancados na Ilha sem poder voltar. Decidimos esperar um pouco e...bingo, já falavam em pandemia. Achamos melhor aguardar e cancelamos nosso projeto.

Gosto muito, demais, do Rio de Janeiro.  Há muito tempo pensávamos em comprar um pequeno apartamento no Leblon, perto do Ritz Hotel. Minha mulher e eu marcamos  passagens para 7 dias, tempo suficiente para  escolher bem calmamente um ninho para passarmos o  inverno. Avolumavam-se as notícias sobre o tal do “bichinho chinês”.

Achamos, depois de olhar vários apartamentos, um que nos agradou. Mobiliado, bem localizado. A TV noticiava que o vírus Covid 19 já ingressara em terras brasileiras.

Decidimos suspender também esse projeto.

Eu tinha combinado com o meu amigo Flávio Haas que em duas semanas  iria participar novamente do tênis sábado pela manhã no “Trem das 11”, nas quadras  Tênis Clube. Levaria para o churrasco um balaio de “prime ribs” de gado Angus. Dias depois veio a notícia: tinha piorado a pandemia. Cancelado o churrasco.

Uns dias após estava eu na frente do Supermercado Avenida em Xangri-Lá e havia  uma fila do lado de fora. Dois metros à minha frente estava uma senhora com máscara. Comentei com um amigo ao meu lado que isso era um exagero. A jovem senhora nos olhou, se identificou como médica, e nos alertou que a situação era grave. 

Daí em diante foi quase tudo fechado. Os clubes de esportes desativados. Proibido caminhar na orla, etc.

Somos criaturas que acabam se conformando. Anos atrás , num voo, perguntei a um conhecido, que tinha cumprido alguns anos de reclusão por homicídio, se ele não se desesperara por ser obrigado a se privar de tanta coisa. Disse-me que no começo pensava até em se matar. Mas com o tempo se resignara.

Se nos comportarmos quem sabe poderemos  voltar ao que fazíamos antes.O “start” vai ser dado pelos especialistas.Todos sofremos.

Não podemos morrer na praia.



terça-feira, 10 de agosto de 2021

ESCALADA - TITO GUARNIERE

 

TITO GUARNIERE 

 

ESCALADA 

 

Na sexta-feira, o presidente Jair Messias Bolsonaro vazou todos os limites: chamou o ministro Luís Roberto Barroso de (desculpem os leitores) "filho da puta". No sábado, disse que Barroso "quer que nossas filhas de 12 anos tenham relações sexuais", uma mentira infame. Há uma escalada demencial no seu comportamento, nas suas falas e atitudes. Ele declarou uma guerra santa contra tudo o que, no seu desvario, acha que é inimigo. 

 

E não há ninguém capaz de demovê-lo nas crises psicóticas, que se tornam cada vez mais frequentes e virulentas. Para que seja assim, existe apenas uma hipótese: ele acredita nas suas próprias alucinações – se houvesse um resquício de lucidez, mínimo que fosse, ele já teria moderado os ânimos e acalmado o ambiente. Mas, não. Esse homem não é de apagar incêndios, senão de jogar querosene no fogo. 

 

Não faltam psiquiatras que afirmem que o caso de Bolsonaro é de internamento. Exagero? Já pensei assim. Mas o frenesi paranoico não arrefece: ao contrário, se agudiza. Quando alguém xinga a mãe do outro, nos termos de Bolsonaro, então é porque está à beira de uma síncope nervosa. Ele tem apneias em plena vigília. 

 

Mas o que esperar de um homem que, ao invés da bíblia, ou de um livro, deixa uma arma na cabeceira da cama? Pode ser exagero, mas na voragem em que está mergulhado, ele é capaz de sacar a arma e atirar. 

 

Não é necessário que ninguém o provoque. Basta que, de alguma maneira, alguém se oponha aos desígnios do seu pensamento regressivo, às suas idiossincrasias, à sua visão obnubilada do mundo. 

Basta que lhe atravesse o caminho alguém que, no raciocínio doentio, esteja atrapalhando a missão, os planos. 

 

E também não o incomoda o fato de que não exista o problema. Se não existir, ele cria, da forma mais primitiva e irracional, como é o caso do voto impresso. Vejam que as eleições deste país, desde 1996, se faz com o voto eletrônico. De lá a esta parte, umas poucas mudanças pontuais, e vem funcionando quase à perfeição. 

 

Milhares de mesários e presidentes de mesa, fiscais de partido, candidatos, programas ultra auditados de computador, tudo resultou em uma das nossas mais singulares e bem-sucedidas experiências. Nem mesmo o choro comum dos perdedores se ouviu nestes anos – ao menos no que diz respeito à fraude nas urnas. 

 

A reclamação sobre a lisura do sistema veio de quem venceu cinco eleições de deputado federal e uma de presidente da República – ele a tirou do fundo da mente conturbada. 

 

Todos têm o direito de postular o voto impresso, considerando-o mais seguro. Mas para ser implementado tem de seguir os trâmites da República. O lugar onde ele deve ser examinado é o Congresso. O que está distorcido é fazer de um conceito raso, comum, discutível, uma questão de Estado, com o presidente – e todo o aparato de governo – mobilizado 24 horas por dia, em estado de estupor patriótico, para vê-lo vencedor. 

 

O voto impresso é uma questão menor, que só envolve polêmica por causa das obsessões presidenciais. A insistência destrambelhada do presidente dá razão aos seus oponentes: tudo se resume a um pretexto fútil para melar as eleições, se ele perder. 

 

titoguarniere@outlook.com 

 

twitter: @TitoGuarnieree 

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

URNAS. A QUEM SERVE O RETROCESSO?

 Eu ainda peguei, como juiz, a época da redução a termo através da máquina de escrever Remington. Muito cuidado para colocar sob a folha de papel uma de carbono, para obter uma  cópia.As prateleiras estavam repletas de processos já findos. Mas não se permitia , de jeito nenhum, incinerar ou mandar dar outro fim para essa papelama.Nas audiências  tinham que ser reduzidos a termo os depoimentos. Depois vinha a conferência, sempre alguém alegando que não fora isso que o depoente dissera.

Gravar a audiência, nem pensar, mesmo porque  ainda não havia tecnologia adequada.

Nos estabelecimentos bancários havia centenas de escriturários. O dinheiro dos correntistas era lançado numa grande folha , onde eram registradas as saídas e ingressos.

Muito se usava o cheque.

Quando eu era criança eu fui uma ou duas vezes com meus pais votar no centro de Santa Cruz. Havia horrores de folhetinhos no chão com o nome dos candidatos. Meu pai era do partido do Norberto Schmidt e a mãe votava pelo partido do Euclides Kliemann. Era tudo num papelzinho.Diziam,na época, que era um problema as contagens dos votos.

Quando ainda havia o voto físico,eu era juiz eleitoral. A Unisinos engatinhava com a informática. Me reuni com alguns próceres e bolamos uma maneira de totalizar rapidamente os votos. A contagem era nas mesas, que forneciam o boletim, o qual ia para o computador.

Eu sempre ouvira que as urnas não podiam dormir sozinhas. Que durante a madrugada poderia haver uma “ insônia”.

Ora, a lei dizia que as apurações deveriam iniciar no dia seguinte ao da eleição. Bueno, conclui que no primeiro minuto seguinte ao do dia da eleição era lícito iniciar a contagem.

Foi o que fiz. Convoquei os mesários e abri as urnas no primeiro minuto depois da meia noite, com fiscais dos partidos e a imprensa.

O presidente do TRE não gostou. Mas fui em frente, pois houvera a  concordância de todos partidos e do M.P. Horas depois estava tudo resolvido e proclamados os resultados.

Como presentinho o TRE se reuniu e me aplicou a pena de Censura.  Amigos pediram para eu recorrer. Declinei porque nada de grave aconteceu.Não se anulou nada.

Levei algumas “caronas” nas promoções.

Mas a grande vitória de todos nós, como magistrados e cidadãos, foi o advento das urnas eletrônicas. O que alguns mal informados estão querendo fazer é tornar a votação insegura, mais complicada. 

E  querem voltar ao voto com papel? De novo com dias e dias para a apuração? 

Tomara que não se complique um sistema que funciona muito bem. Papel é retrocesso.

Espera-se prudência por parte dos congressistas.