Claro
que o fiasco do Brasil nos 7 a 1 foi só o mote para Vargas Llosa escrever o que
deve ter sido fruto de observações acumuladas ao longo de muito tempo. Um
democrata e intelectual deste nível (Prêmio Nobel) não tomaria a iniciativa de
fazer uma crítica tão dura (apesar de verdadeira) a um país vizinho
gratuitamente. Penso tenha ele aproveitado a oportunidade para que a matéria
tivesse maior interesse e repercussão. Ainda bem ! Oxalá seja divulgada e sirva
para acordar nosso adormecido (ou embriagado) povo.
Nunca havia lido ou ouvido algo que sintetizasse com tanta
perfeição exatamente o que penso sobre o que vem ocorrendo no Brasil nos
últimos tempos.
O tempo passa e as medidas que se vêem sendo adotadas (que são
simplórias e se repetem) todas são de curto prazo, de efeito imediato, sem
perspectiva alguma de futuro. Vejo um país que estava num excelente momento
para projetar e almejar tempos efetivamente melhores, afundar num
assistencialismo crescente (e o que é ainda
pior: inigualavelmente corrupto) cuja conta não sei como iremos pagar.
Oremos !
Guinther
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A máscara do gigante
Isca Intelectual de Mario Vargas Llosa (publicada em El País)
Fiquei muito envergonhado com a cataclísmica derrota do Brasil
frente à Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, mas confesso que não me
surpreendeu tanto. De um tempo para cá, a famosa seleção Canarinho se parecia
cada vez menos com o que havia sido a mítica esquadra brasileira que deslumbrou
a minha juventude, e essa impressão se confirmou para mim em suas primeiras
apresentações neste campeonato mundial, onde a equipe brasileira ofereceu uma
pobre figura, com esforços desesperados para não ser o que foi no passado, mas
para jogar um futebol de fria eficiência, à maneira europeia.
Nada funcionava bem; havia algo forçado, artificial e antinatural
nesse esforço, que se traduzia em um rendimento sem graça de toda a equipe,
incluído o de sua estrela máxima, Neymar. Todos os jogadores pareciam sob
rédeas. O velho estilo – o de um Pelé, Sócrates, Garrincha, Tostão, Zico –
seduzia porque estimulava o brilho e a criatividade de cada um, e disso
resultava que a equipe brasileira, além de fazer gols, brindava um espetáculo
soberbo, no qual o futebol transcendia a si mesmo e se transformava em arte:
coreografia, dança, circo, balé.
Os críticos esportivos despejaram impropérios contra Luiz Felipe
Scolari, o treinador brasileiro, a quem responsabilizaram pela humilhante derrota,
por ter imposto à seleção brasileira uma metodologia de jogo de conjunto que
traía sua rica tradição e a privava do brilhantismo e iniciativa que antes eram
inseparáveis de sua eficácia, transformando seus jogadores em meras peças de
uma estratégia, quase em autômatos.
Não houve nenhum milagre nos anos de Lula, e sim uma miragem que
agora começa a se dissipar
Contudo, eu acredito que a culpa de Scolari não é somente sua,
mas, talvez, uma manifestação no âmbito esportivo de um fenômeno que, já há algum
tempo, representa todo o Brasil: viver uma ficção que é brutalmente desmentida
por uma realidade profunda.
Tudo nasce com o governo de Luis Inácio 'Lula' da Silva
(2003-2010), que, segundo o mito universalmente aceito, deu o impulso decisivo
para o desenvolvimento econômico do Brasil, despertando assim esse gigante
adormecido e posicionando-o na direção das grandes potências. As formidáveis
estatísticas que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística difundia
eram aceitas por toda a parte: de 49 milhões os pobres passaram a ser somente
16 milhões nesse período, e a classe média aumentou de 66 para 113 milhões. Não
é de se estranhar que, com essas credenciais, Dilma Rousseff, companheira e
discípula de Lula, ganhasse as eleições com tanta facilidade. Agora que quer se
reeleger e a verdade sobre a condição da economia brasileira parece assumir o
lugar do mito, muitos a responsabilizam pelo declínio veloz e pedem uma volta
ao lulismo, o governo que semeou, com suas políticas mercantilistas e corruptas,
as sementes da catástrofe.
A verdade é que não houve nenhum milagre naqueles anos, e sim uma
miragem que só agora começa a se esvair, como ocorreu com o futebol brasileiro.
Uma política populista como a que Lula praticou durante seus governos pôde
produzir a ilusão de um progresso social e econômico que nada mais era do que
um fugaz fogo de artifício. O endividamento que financiava os custosos
programas sociais era, com frequência, uma cortina de fumaça para tráficos
delituosos que levaram muitos ministros e altos funcionários daqueles anos (e
dos atuais) à prisão e ao banco dos réus.
As alianças mercantilistas entre Governo e empresas privadas
enriqueceram um bom número de funcionários públicos e empresários, mas criaram
um sistema tão endiabradamente burocrático que incentivava a corrupção e foi
desestimulando o investimento. Por outro lado, o Estado embarcou muitas vezes
em operações faraônicas e irresponsáveis, das quais os gastos empreendidos
tendo como propósito a Copa do Mundo de futebol são um formidável exemplo.
O governo brasileiro disse que não havia dinheiro público nos 13
bilhões que investiria na Copa do Mundo. Era mentira. O BNDES (Banco Brasileiro
de Desenvolvimento Econômico e Social) financiou quase todas as empresas que
receberam os contratos para obras de infraestrutura e, todas elas, subsidiavam
o Partido dos Trabalhadores, atualmente no poder. (Calcula-se que para cada
dólar doado tenham obtido entre 15 e 30 em contratos).
As obras da Copa foram um caso flagrante de delírio e
irresponsabilidade
As obras em si constituíam um caso flagrante de delírio messiânico
e fantástica irresponsabilidade. Dos 12 estádios preparados, só oito seriam
necessários, segundo alertou a própria FIFA, e o planejamento foi tão tosco que
a metade das reformas da infraestrutura urbana e de transportes teve de ser
cancelada ou só será concluída depois do campeonato. Não é de se estranhar que
o protesto popular diante de semelhante esbanjamento, motivado por razões
publicitárias e eleitoreiras, levasse milhares e milhares de brasileiros às
ruas e mexesse com todo o Brasil.
As cifras que os órgãos internacionais, como o Banco Mundial, dão
na atualidade sobre o futuro imediato do país são bastante alarmantes. Para
este ano, calcula-se que a economia crescerá apenas 1,5%, uma queda de meio
ponto em relação aos dois últimos anos, nos quais somente roçou os 2%. As
perspectivas de investimento privado são muito escassas, pela desconfiança que
surgiu ante o que se acreditava ser um modelo original e resultou ser nada mais
do que uma perigosa aliança de populismo com mercantilismo, e pela teia
burocrática e intervencionista que asfixia a atividade empresarial e propaga as
práticas mafiosas.
Apesar de um horizonte tão preocupante, o Estado continua
crescendo de maneira imoderada – já gasta 40% do produto bruto – e multiplica
os impostos ao mesmo tempo que as “correções” do mercado, o que fez com que se
espalhasse a insegurança entre empresários e investidores. Apesar disso,
segundo as pesquisas, Dilma Rousseff ganhará as próximas eleições de outubro, e
continuará governando inspirada nas realizações e logros de Lula.
Se assim é, não só o povo brasileiro estará lavrando a própria
ruína, e mais cedo do que tarde descobrirá que o mito sobre o qual está fundado
o modelo brasileiro é uma ficção tão pouco séria como a da equipe de futebol
que a Alemanha aniquilou. E descobrirá também que é muito mais difícil
reconstruir um país do que destruí-lo. E que, em todos esses anos, primeiro com
Lula e depois com Dilma, viveu uma mentira que seus filhos e seus netos irão
pagar, quando tiverem de começar a reedificar a partir das raízes uma sociedade
que aquelas políticas afundaram ainda mais no subdesenvolvimento. É verdade que
o Brasil tinha sido um gigante que começava a despertar nos anos em que governou
Fernando Henrique Cardoso, que pôs suas finanças em ordem, deu firmeza à sua
moeda e estabeleceu as bases de uma verdadeira democracia e uma genuína
economia de mercado. Mas seus sucessores, em lugar de perseverar e aprofundar
aquelas reformas, as foram desnaturalizando e fazendo o país retornar às velhas
práticas daninhas.
Não só os brasileiros foram vítimas da miragem fabricada por Lula
da Silva, também o restante dos latino-americanos. Por que a política externa
do Brasil em todos esses anos tem sido de cumplicidade e apoio descarado à
política venezuelana do comandante Chávez e de Nicolás Maduro, e de uma
vergonhosa “neutralidade” perante Cuba, negando toda forma de apoio nos
organismos internacionais aos corajosos dissidentes que em ambos os países
lutam por recuperar a democracia e a liberdade. Ao mesmo tempo, os governos
populistas de Evo Morales na Bolívia, do comandante Ortega na Nicarágua e de
Correa no Equador – as mais imperfeitas formas de governos representativos em
toda a América Latina – tiveram no Brasil seu mais ativo protetor.
Por isso, quanto mais cedo cair a máscara desse suposto gigante no
qual Lula transformou o Brasil, melhor para os brasileiros. O mito da seleção
Canarinho nos fazia sonhar belos sonhos. Mas no futebol, como na política, é
ruim viver sonhando, e sempre é preferível – embora seja doloroso – ater-se à
verdade.