quinta-feira, 28 de abril de 2022

ORAÇÕES E CANTORIAS

 


Da minha meninice em Santa Cruz,que quanto mais recordo, mais feliz me parece, quero compartilhar  passagens, algumas que até podem parecer menos verossímeis.


Eu era coroinha e sabia de cor e salteado toda missa em Latim. É certo, me fascinavam as missas solenes. Continham  uma série de rituais que me impressionavam, além da beleza de vestes e paramentos. Mas eu gostava mesmo era da missa fúnebre . O padre de preto. Ao invés das sinetas,  as matracas e o grave “ dies irae, dies illa”. Talvez isso explique o gosto que tenho ao ouvir o Requiem de Mozart.


Como já contei, estive dois anos no Seminário. Mais tarde, lecionando numa Universidade, reencontrei diversos colegas daquele tempo. Pronto: nosso programa era nos reunirmos sextas feiras, após as aulas noturnas , assarmos um churrasco e  dê-lhe cantoria quase até de manhã . Cantávamos desde canções populares até o Hino Inaciano, não deixando jamais de entoar o “ Stabat Mater dolorosa “. E muitas passagens da missa, como o “Tantum ergo sacramentum”.  

Coisa, é bem de ver, meu jovem leitor, de dinossauros. De pterodáctilos.

Onde é que foi parar o canto durante um encontro, ou numa  viagem? Foi à breca. No seu lugar reinam as caixinhas de som. 


Na minha casa era costume rezar antes de iniciar o almoço. À noite rezavamos o terço, ajoelhados ao pé do fogão , no inverno; e, no verão, na sala de refeições. Só então jantávamos. Depois , na hora de dormir, cada um se ajoelhava ao lado da cama e rezava mais um pouco. 


Também por muito tempo rezei para  ter sucesso nalgumas empreitadas ou para sair de apuros. Não sei se a oração foi a causa eficiente do sucesso daquilo que eu queria, mas que mal não fez, isso não fez. 

Algo que me faz rir até hoje  foi o pioneirismo de meu pai no que tange à terceirização. Sim, a História há de fazer justiça a ele, um dia, por ter sido o precursor dessa prática.


Quando oravamos  em família ele, por vezes, dizia para minha irmã Lia: “ agora tu vais no quarto  rezar mais uma dezena, porque eu prometi uma oração para conseguir vender uma mercadoria” . Em outra ocasião: “Ruy , tu vais ter que  rezar um terço inteiro, pois fiz promessa para que não se estrague meu caminhão”. Ou seja: pedia uma graça e terceirizava o cumprimento da promessa. Genial.


Com o tempo a gente  “ não tem tempo” para rezar,  começa a se achar onipotente, que nunca vai ficar doente ou envelhecer.Nem quer saber de meditação. Observo as feições serenas das  pessoas que costumam orar. Só pode fazer bem. Portanto oremos e principalmente cantemos!


terça-feira, 26 de abril de 2022

O INDULTO DO BRUCUTU

 Tito Guarniere

TITO GUARNIERE


O INDULTO DO BRUCUTU


Que fase! A simples condenação de um marginal pelo STF virou o assunto da semana. É verdade que a sentença foi seguida por um inusitado indulto presidencial na mesma hora e dia, como se estivesse redigido e pronto antes mesmo da decisão do Supremo. Mas no Brasil de Bolsonaro nada surpreende.


No Brasil de milícias e de arruaceiros golpistas, do tipo do deputado Daniel Silveira, o país é a cada instante sacudido por uma voragem de eventos inúteis, regressivos e empobrecedores.


A fonte de todas as encrencas é a mesma: Bolsonaro. Gênio irascível, impulsivo, tendente aos maus bofes e às más ações, cria o clima e promove o conflito - na contramão do que todo governante minimamente sensato, que deveria ter como dever primeiro fomentar a paz entre os concidadãos, a cooperação, a solidariedade social. Bolsonaro é um touro bravo atacando panos vermelhos por toda a parte.


Tudo piora quando se sabe que o estilo grosseiro, rude, mal educado, a demonstração eloquente e orgulhosa da ignorância e do atraso, têm ampla ressonância entre magotes de seguidores fanáticos. A grosseria, a rudeza de trato, a consideração incivilizada, o uso e abuso do calão e da escatologia, parecem ser um valor positivo para as hordas. Esse mal não vem só das elites bolsonaristas - permeiam a conduta comum de uma ampla base social.


Não deixa de ser verdade que o STF às vezes erra a mão. Sim, Daniel Silveira é um marginal. Como classificar um deputado que diz que os ministros do STF devem "levar uma surra", "defecam na Constituição" e integram a "nata da bosta(desculpem!) do STF"?

Bravatas? Ameaças reais? Há incentivo à violência. Não tem nada a ver com liberdade de opinião e expressão.


Mas pode o STF julgar quem o ofendeu? Há uma regra basilar no Direito: a parte(STF) não pode julgar a outra parte(o troglodita Silveira). Mesmo sendo um celerado, um meliante, como Silveira, ele tem o direito a um julgamento justo e imparcial.


A pena de 8 anos e 9 meses de cadeia para o brucutu Silveira está inflada. Parece o juiz Moro aplicando penas desmesuradas a Lula, como no caso do triplex. A punição deve ser proporcional ao dano. Apesar do barulho todo, que danos efetivos os destemperos de Silveira causaram ao Estado Democrático de Direito? As instituições precisam ser minimamente fortes para nos proteger desses ataques de ignorância, histerismo, e de expressão chula e malsã.


Bolsonaro sacou a arma do indulto na hora. Mas a sentença ainda nem foi publicada! Tecnicamente, Bolsonaro perdoou um inocente. Parece que Bolsonaro já tinha na gaveta um modelo de indulto, destinado a proteger os seus filhos, sempre metidos em rolos e encrencas.


O jogo não acabou – e outros embates são previsíveis. Os sites bolsonaristas estão diligentemente apagando mensagens golpistas e contra o STF – o efeito pedagógico da sentença.


Porém, há mais demandas de indultos presidenciais na fila:: Roberto Jefferson, Zé Trovão, Allan dos Santos. Vêm aí novas punições do STF e novos perdões presidenciais. Se o bicho pegar, vai faltar tinta na canetinha Bic de Bolsonaro para tantos decretos de clemência.


titoguarniere@outlook.com


twuitter : @TitoGuarnieree

sexta-feira, 22 de abril de 2022

SOBRE GALINHAS

 Semanas atrás  a Gazeta publicou um artigo da Professora Lissi Bender sobre  Galinha Recheada. Para se ver como a culinária alemã é vasta. Eu não me lembrava desse prato. Na nossa família se falava em galinhada, que era galinha frita com arroz.

Gostaria de lembrar aos jovens que  na minha juventude a galinha era artigo caro e raro. Geralmente era servida ao meio dia dos domingos.

Daí que muitas famílias tinham seu galinheiro dentro da cidade.

Nossa família morava na rua Thomas Flores, esquina com João Werlang. Uma era nossa casa de moradia; a outra , o armazém de secos e molhados do meu pai. Com o falecimento de minha mãe, nossa família optou pela venda dos dois prédios que, posteriormente, foram demolidos. 

Na casa de moradia de meus pais havia  um galinheiro nos fundos, com uma bela horta. Anote-se bem: a duas quadras da catedral criavam-se galinhas! Só muitos anos depois minha mãe recebeu uma intimação para terminar com o galinheiro. Tive que ir a Santa Cruz para convencê-la a cumprir o que era ordenado e razoável. Mas a todas as horas lamentava o triste fim da criação dos galináceos.

Quando eu ainda morava com meus pais  era o encarregado de inclusive sacrificar a galinha . Eu cumpria sem nenhuma pena, assim como era com os passarinhos. Hoje jamais me prestaria a isso.

Então aos domingos se fazia a galinhada. Enquanto a carne era frita na panela de ferro centenária eu cuidava para que ninguém tirasse o fígado e o coraçãozinho, que eu comia antecipadamente .

Cada membro de nossa família tinha um pedaço preferido e isso era sagrado. Eu gostava das duas asas e comia com a mão mesmo.Se fosse um galo bem criado eu comia o pescoço e a crista.

Ao lado de nossa casa havia a residência dos padres, que mais tarde foi vendida .

Os sacerdotes eram amicíssimos de  nossa família.

Frequentadores de nosso almoço dominical eram vários, mas se destacavam o Padre Darupp , o Padre Linn e o Padre Blume.

O Padre Darupp era alemão, já era quase idoso. Sempre requisitava uma taça de vinho tinto e terminava a refeição entoando músicas germânicas. A preferida dele era “Die Lorelei”.

O Padre Darupp tinha um programa de rádio às 18 horas e misturava alemão com português. Com o advento do golpe militar, consta que foi “convidado” para voltar à Alemanha.

Minha mãe guardava as receitas num caderninho.

Quando me casei com Maristela foi um arraso. Ela copiou todas as receitas de dona Ludmilla e para agradar ainda mais sua sogra, fez o curso de alemão no Goethe Institut em Porto Alegre.

Belas lembranças.

  


quinta-feira, 14 de abril de 2022

SEMANA SANTA

 Santa Cruz teve a ventura de receber imigrantes muito valentes e trabalhadores. Fé, cultura e trabalho, era seu lema . Na nossa região as pessoas eram muito religiosas, sendo fundamentais escolas e igrejas. A cerimônia, as galas, a contrição, a seriedade  eram vividas na Semana Santa.

Nesses dias celebravam-se cultos, com nossa catedral Gótica de luto pesado, para tudo florescer de júbilo no domingo de Aleluia.

Eu acompanhava tudo isso como quem assiste a um espetáculo, prendendo a respiração e muito condoído pelo suplício a que foi submetido Jesus Cristo.

No domingo de aleluia revezavam-se os corais nas Igrejas. E Santa Cruz tinha muitos deles.

E a Hallelujah de Haendel inundava de glória nossos espíritos. Isso me marcou pelo resto da vida.

Mas meus avós não chegaram a viver para presenciar o que agora acontece.

Hoje a coisa virou, em quase  todo país, um banquete  pantagruélico de comilanças, enquanto o pobre sofre o jugo da crendice inocente.

Uns comem lagosta a “thermidor” e  outros são obrigados a comprar uma lata de sardinha. 

De minha parte me recolho na fazenda,  faço minha galinha com arroz e dispenso  a peonada. Eles têm suas crenças que tem que ser respeitadas. Do que não gosto é que, por mais que tenha pesquisado, jamais vi onde está escrito que na sexta feira santa o pobre tem que gastar o que não pode, ou que seja “ obrigatório” comer peixe. 


Vou repetir o lugar comum: éramos felizes, mas não sabíamos avaliar o quanto.

Penso ser fundamental conhecer e reconhecer as feras que nos habitam.

A Humanidade sempre teve, aqui e acolá, a salutar prática de a pessoa se retirar, de tempos em tempos, para pensar, meditar, refletir. Para tanto, o isolamento não era difícil, a população era mais rarefeita do que hoje.

De muito me serviram os chamados "retiros espirituais", em que ficávamos recolhidos às vezes por três dias,  conversando só o necessário, apenas lendo, meditando e ouvindo palestras.


 O "retiro", com o distanciamento, faz com que possamos ver melhor a pequenez do que no aturdimento nos pareceu grande.

Gosto muito de, vez por outra, quando fico inquieto, me recolher um pouco. Pode ser em qualquer das habitações, conquanto a fazenda em Unistalda seja o melhor lugar. Primeira providência: desligar o celular. A seguir, não ligar  o som. 


E então  respirar o ar puro e abraçar até as árvores, como me ensinou minha irmã Lia.

…………………

Cumprimento meu amigo Claudio Spengler pelo lançamento de seu novo livro “ O sentido da vida” em parceria com Enio Medeiros.


terça-feira, 12 de abril de 2022

AINDA SÉRGIO MORO 2

 TITO GUARNIERE  

SÉRGIO MORO  

O ex-juiz Sérgio Moro disse adeus às pretensões de ser presidente da República. Ele foi miseravelmente enganado pelo cacique político Luciano Bivar, chefão da União Brasil. Prometeram-lhe a candidatura presidencial e deixaram-no na estrada.  

Moro, que sempre se atribuiu uma nota alta, que sempre se achou, nem desconfiou e caiu como um pato. Neófito, amador na política, jogou pela janela uma candidatura certa, no partido Podemos, por uma duvidosa na União Brasil.  

E por que trocou? Pressa, ambição e oportunismo. É que a União Brasil tem mais estrutura, mais recursos para a campanha. O Podemos é um partido certinho, mas modesto. E Moro pulou de galho sem medo de ser feliz.  

Com o que não contava, o que não esperava? A reação de caciques como ACM Neto e Ronaldo Caiado, mais interessados nas eleições da Bahia e de Goiás, onde são candidatos a governador, do que na eleição nacional.  Para ambos tanto faz se o presidente vai ser Bolsonaro ou Lula. Eles querem guardar distância de uma candidatura que vai até certa altura, mas não decola.  

A verdade é que Moro se mostrou um mau observador de como funciona a política. E não que lhe tenham faltado situações em que, claramente, era possível intuir certas contingências inescapáveis.  

O ex-juiz cometeu o mesmo equívoco de Doria: não ver que na política a vontade pessoal, o talento, a reputação, a clareza de propósitos, ou mais o que seja, contam, mas estão longe de serem suficientes.  

Quando ele aceitou o convite de Bolsonaro para ser ministro da Justiça estava imbuído da certeza de que seria capaz de fazer a diferença, e de implementar um conjunto de medidas que – na sua visão monolítica, na sua obsessão – iria acabar com a corrupção no Brasil. E desse modo teria definitivamente inscrito o seu nome no panteão dos heróis da pátria.  

Ficou no governo um ano e pouco, demorou uma eternidade a perceber que juiz é uma coisa, ministro do governo é outra.  Na primeira, ele é senhor de suas decisões; na segunda ele deve sopesar outras instâncias, como o presidente da República, como (e talvez principalmente) o Congresso Nacional. Ele precisa mediar as ações: é preciso ganhar, persuadir a maioria de um coletivo amplo, plural, diversificado, volátil.  

No ministério, ignorou a antipatia manifesta de, talvez, um terço dos parlamentares, incomodados pelas ações ostensivas e voluntariosas, por ele conduzidas na Operação Lava Jato. Achou que tirava de letra, como fazia quando era juiz, e se deu mal: teve de sair do governo (no qual nunca deveria ter entrado) de forma não muito honrosa. Não deve ser confortável ser chamado de traidor pelo tipo de gente que faz o bolsonarismo.   

O resto é recente. O partido Podemos fez barro para atraí-lo às suas fileiras. Moro veio com a garantia de que seria candidato a presidente. Mas a União Brasil, muito mais robusta, com muito mais dinheiro em caixa, convenceu-o de mudar.  

A turma do União Brasil, à frente o ardiloso Luciano Bivar, cortou o barato, puxou o tapete: pode vir, mas não com a certeza da candidatura à presidência. Caiu do trapézio sem rede de proteção. Dificilmente se recupera.  

titoguarniere@outlook.com  

twitter: @TitoGuarnieree  


quinta-feira, 7 de abril de 2022

AINDA SOBRE O EX JUIZ MORO

 Preocupado com a faceirice do juiz Sérgio Moro, ainda na ativa, decidi mandar-lhe um  mail no dia 31.10.2018. Com efeito,  presenciei alguns casos de colegas que, deslumbrados com seu fulgor, aposentavam-se para se atirarem no colo daqueles que tanto os louvavam. Acontece que sem suas togas já não eram mais importantes.

Alguns  não  tiveram a experiência necessária para entrar no campo espinhoso da advocacia ou da política.

Eis o mail que lhe enviei:

“Amigo Sérgio Moro!

Nasceste em 1972, ano em que eu assumi meu cargo de Juiz de Direito. Tenho idade para ser teu pai.

Tomo a liberdade de sugerir que não aceites o cargo de Ministro da Justiça. A enorme maioria do povo não sabe que o Ministério da Justiça é órgão do Poder Executivo, não sendo, portanto, um ente judiciário. Nós juízes temos uma formação jurídica, onde não entram condicionantes políticas. A qualquer momento poderá acontecer algo que force o Governo federal a te defenestrar. E aí, como é que fica?

Não te iludas com as luzes da política. É outro departamento, regido por outros algoritmos.

Permito-me sugerir que aguardes  um pouco, porque é certo que serás indicado para o Supremo Tribunal Federal. Lá sim, estarás no teu campo e farás História. Continuarás juiz, o que é muito importante.

 Aguarda que em breve vão se abrir duas vagas no STF!)”

Às vezes o juiz se inebria com seu poder e , ao sair, acredita que pode fazer quase tudo. Ledo engano.


Um  amigo meu, que escreve sob o pseudônimo de Tito Guarniere, (mas é o ex senador por Santa Catarina, Nelson Wedekin), observou:  

“O ex-juiz Sérgio Moro foi da ascensão à queda em pouco tempo. Mas não pode culpar ninguém, a não ser ele mesmo. Descobriu tarde demais que a glória é efêmera, que os aplausos de hoje podem se tornar os apupos de amanhã. Duvido que Moro, hoje em dia, ande com a mesma pose nos lugares públicos, e receba os mesmos aplausos de quando viajava em aviões de carreira e frequentava bons restaurantes. 

 

O primeiro dever do juiz é a imparcialidade: como aceitar que ele faça combinações com a autoridade policial, com o Ministério Público? Fazer arranjos com o Ministério Público, como fez Moro sem medo de ser feliz, é a mesma coisa que fazer arranjos com os advogados de defesa.” 

 

 Moro quis colocar Bolsonaro contra a parede mas não deu certo. Entrou na política achando que seria um passeio sua condução à presidência da república. Doce ilusão. Quis passar por cima das raposas, levou um sofrenaço.

Como se diz na campanha, talvez fique “sem mel e sem porongo”.


quarta-feira, 6 de abril de 2022

JOÃO DORIA

 TITO GUARNIERE 

JOÃO DORIA

O que faltou a João Doria para prosseguir com alguma chance na candidatura à presidência? Afinal, o governador de São Paulo é como que um candidato natural, tal o poderio econômico e político do maior estado da federação.

Além do cargo, Doria teve papel central no combate à pandemia. Não fosse ele a vacina contra a Covid ainda tardaria talvez três meses antes de chegar ao primeiro braço, graças ao negacionismo operoso e estúpido de Bolsonaro e do seu governo. 

Ele enfrentou todas as dificuldades para fabricar a Coronavac e foi vitorioso. No entanto isso não lhe rendeu nenhum dividendo político, ao menos daqueles que se expressam nas pesquisas eleitorais. Doria andou de arrasto nas projeções, uma vez ou outra passou do rés do chão, dos 2% das preferências do eleitorado. 

Então onde ele errou? Na minha opinião o que faltou ao governador paulista foi o conhecimento da política, da vida partidária. Deslumbrado com duas vitórias improváveis, a de prefeito da capital e depois governador do maior estado, achou que podia dar o salto maior, a presidência. 

Não é assim que funciona. Em algum momento, a falta de experiência política e de convívio partidário cobra o seu preço. O PSDB era um partido expressivo, com uma trajetória vitoriosa, com serviços prestados a São Paulo e ao Brasil. Não era – e nem é – uma dessas legendas pequenas, de aluguel, que um Valdemar Costa Neto, um Bolsonaro da vida negocia, adquire e toma conta. 

O PSDB era uma organização política sofisticada, com nomes proeminentes, Montoro, Covas, FHC, Serra, Alckmin, Aécio Neves (não estranhem citá-lo: Aécio teve 54 milhões de votos em 2014. O que veio depois é outra história). Um partido que havia chegado à presidência em duas ocasiões com FHC e que deixou um legado importante para o país – e que não foi uma herança maldita, como maldosamente o PT carimbou. 

Doria, voluntarioso e autossuficiente, meio que desconheceu o peso histórico do PSDB, menosprezou nomes como o de Geraldo Alckmin, quis fazer um PSDB à sua feição e maneira. Quis tomar conta do partido como um cacique de última hora. Faltou-lhe a paciência, habilidade comum nos grandes políticos, – que ele não é nem nunca foi – de agregar, somar, de aumentar as suas áreas de influência pelo respeito e persuasão. 

Nunca o engoliram no partido. Ele venceu as prévias contra Eduardo Leite, mas basicamente pelo que ele herdou: o formidável aparato, a máquina poderosa do PSDB de São Paulo.  

Doria não se projetou nas pesquisas por sua única e exclusiva culpa. No caso de Alckmin: não se escanteia um ex-prefeito e ex-governador do estado, que chegou duas vezes à candidatura presidencial de um partido do porte do PSDB, pacificamente, sem oposições ou dissidências. Não uniu seu próprio partido - e não saiu do chão. 

Doria parece ser do tipo de líder que não gosta de sombra. Quer liderados incondicionais, subordinados. Não quer dividir o poder com ninguém, nem mesmo com os companheiros de jornada. 

Semana passada fez uma manobra confusa, desistiu da candidatura presidencial e voltou atrás. O erro não foi desistir, mas voltar atrás da desistência. 

titoguarniere@outlook.com 

twitter: @TitoGuarnieree