RUDOLF GENRO GESSINGER
https://www.gaz.com.br/direito-de-nascer
“Mãe, que me tens no ventre,
Dá-me o direito de nascer
Pai, quando eu nascer,
Dá-me o direito de viver”
Eu mesmo arredondei para o Português Brasileiro esse trecho
de uma música cantada pela caboverdiana Cesária Évora. Fica clara a posição
dela em relação ao aborto, tema que chacoalhou noticiários e redes sociais no
último Dia Internacional da Mulher.
Para quem não acompanhou, a França se tornou o primeiro
país a consagrar constitucionalmente o direito da mulher em se submeter ao
aborto voluntariamente até a 14ª semana de gestação, justamente no dia 8 de
março. Já existia lei no mesmo sentido desde 1975, mas a elevação de status da
norma para o âmbito constitucional a reveste de um respaldo máximo por parte do
Estado francês.
Historicamente
acostumado a decisões revolucionárias, boa parte do povo francês aplaudiu
quando a notícia apareceu, em diversos idiomas, projetada na Torre Eiffel,
evento que foi comemorado como conquista das mulheres. Aliás, a finada Cesária
Évora residiu em Paris.
O presidente da França, inclusive, pretende
que a emenda constitucional também seja incluída na Carta de Direitos
Fundamentais da União Europeia, para que o direito fundamental ao aborto possa
ser constitucionalizado por todos os países membros do bloco.
O
fundamento jurídico do direito ao aborto na França é razoável: a mulher tem o
direito de livremente dispor dos seus nutrientes corporais, podendo interromper
uma gravidez indesejada se assim quiser. Claramente, lá se adota a teoria
natalista da personalidade civil, ou seja, um indivíduo só é sujeito de
direitos depois de nascer com vida. Por outro lado, a teoria concepcionista
ensina que o nascituro (embrião) tem certos direitos de personalidade
protegidos pelo Estado, tais como nome, imagem e sepultura, caso nasça morto.
Menciono, por fim, que existe uma terceira teoria da personalidade civil,
aplicada no Direito Espanhol, mas a considero bizarra e não merecedora de aprofundamento
nesse espaço.
No
nosso Direito, o aborto só é legalmente possível caso a gravidez seja resultado
de violência sexual ou represente perigo de vida para a gestante. Brasil afora,
existem legislações municipais esdrúxulas (e formalmente inconstitucionais),
que “possibilitam” à gestante ouvir os batimentos cardíacos do feto antes da
realização de aborto autorizado. Perdeu-se a oportunidade de pedir para que
Augusto dos Anjos descrevesse poeticamente essa situação constrangedora.
Para
terminar a polêmica no Brasil, como foi feito na França, poderíamos fazer
constar na Constituição da República que o feto tem o direito de nascer, salvo
nas exceções previstas na legislação, ou que a gestante tem o direito de
escolher se leva adiante ou interrompe uma gravidez anterior ao 14º mês de
gestação.
De uma forma ou de outra, parabéns a todas
pelo Dia Internacional da Mulher!