quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O QUE FICOU DO MUNDIAL

 O preclaro jornalista Romeu Neumann se adiantou de mim e publicou uma excelente coluna dia 19.12, na Gazeta do Sul. Mauricio Goulart também com muita argúcia na terça feira. 

Agora, seguindo seus passos, vou me permitir algumas considerações. 

Os esportes são algo muito diferente uns dos outros, mas o que será necessário sempre é o cumprimento da ética.

Dou, por todos , os exemplos do tênis e suas regras.

Na dúvida em um lance, decida contra você. Eu disse  contra você.

Penso que no futebol é importante que, ao par dos treinamentos, haja noções mínimas de civilidade. 

Há pessoas que brincam muito, mas não concordo com a assertiva de que a maioria dos jogadores de futebol  vieram na favela, mas  a favela não saiu deles. Não é assim, pois  os mal comportados se sobressaem e aparecem. E isso resulta em falsa opinião.

Neste mundial houve muito bom comportamento. Todos vimos.

O grande exemplo foi a final. 

Que maravilha, poucas faltas, cavalheiros se degladiando no gramado. Via  de regra jogou-se com muita força, mas é do jogo. Também achei que foram muito  corretas as arbitragens.

No que tange aos cabelos pintados de branco e as dancinhas, é coisa normal, assim como as pinturas corporais. Todas essas coisas são uma característica dos povos  que vivem em climas quentes. A muitos pode parecer deboche. 

Algo que me fez espécie foram duas coisas lamentáveis.

Alguns atletas não cantaram seus hinos e outros ficaram naquela postura absurda de mascar chicletes. Dizem que fazem isso para evitar o vômito…

Também houve casos em que alguns atletas fizeram pouco das medalhas que receberam. Isso é muito lamentável.

Sempre achei que alguns raros, conquanto joguem bem, se excedem com “luxos” que não são exemplos para ninguém. Muito já se viu o atleta se tornar  pobre tempos depois de parar.

Outra coisa. Quase todos os atletas do mundo sabem falar inglês. 

Os atletas  brasileiros quase não  dominam o idioma . São, em sua maioria, monoglotas.

Quanto ao jogo oferecido pelo nosso time, continua sendo muito lento por vezes. É bola para o lado e para trás. 

O nosso Tite é boa gente, mas creio que cometeu muitas faltas . A pior foi mandar um menino inexperiente para cobrar um pênalti. 

Parabéns a todos demais atletas do mundo.

A final entre dois times mostrou muita educação, cortesia, “ fair play”, coisa que o Brasil  está aprendendo a ter.

No final, vimos os atletas   se cumprimentando com os adversários. Pouco depois os filhos de vários jogadores se abraçando .

Parabéns,   atletas da Argentina e da França.


terça-feira, 27 de dezembro de 2022

SAUDE, SORTE, SUCESSO

 

Tg2023


TITO GUARNIERE


FELIZ 2023 – SAÚDE, SORTE, SUCESSO


Que lhes posso desejar para 2023? Só coisas boas – saúde, sucesso, sorte, nessa ordem e só na letra "s" do dicionário.

O principal é a saúde. Pergunte ao homem mais rico do mundo, quando fica doente, o que ele mais deseja, e na ponta da língua está a palavra mágica : saúde! Ou mudando um pouco , perguntem se ele daria metade da fortuna em troca de ficar 10 anos mais jovem. Como em nenhum negócio espetacular dos tantos que fez ao longo da vida, ele responderá de pronto, sem pensar ou vacilar : sim, mil vezes sim.

Vi uma foto que me comoveu, Pelé e a filha Kelly no leito de hospital , em São Paulo. O craque, a celebridade, o gênio, o rei, certamente vivendo o ocaso de uma existência gloriosa, as batidas do coração lentas e descompassadas, talvez desse todo o seu reino de glória para se movimentar, sentar de conta própria, respirar normalmente. Mas mesmo o rei estava ali se rendendo à lei da vida, que é a mesma lei do fim e do passamento. Em momento fugaz de lucidez, ele talvez esteja implorando por um pouco de força, de luz – de saúde. Nessa hora não há rei, nem riqueza ou genialidade: o mundo fica igual e ninguém escapa à dor e ao sofrimento.

Então, saúde é o que interessa, como dizia o bordão da tevê. Saúde para caminhar lentamente na alameda olhando ao redor e pensando na vida, respirar o ar puro do campo, olhar as estrelas na noite clara, tomar no colo a criança e embalar-lhe o sono inocente. Saúde, caro(a) leitor(a) é o que lhe desejo mais do que tudo, e aos seus, no ano que está para começar.

Torço pelo seu sucesso no estudo, no trabalho, no seu projeto de vida. O sucesso é demorado e difícil – uma trajetória de altos e baixos, uma longa aventura cheia de percalços. O sucesso, que depende acima de tudo do nosso esforço pessoal - muito mais suor e vontade do que de talento e habilidade.

O sucesso, que não é garantido nem mesmo para quem se esfalfa no trabalho. Como nada é perfeito, nem sempre o empenho, o interesse, o esforço e o foco redundam na vida bem sucedida. Mas sem a energia, o esforço pessoal, a perseverança, dificilmente você conhecerá o êxito, a realização plena, o reconhecimento e a admiração (e às vezes a inveja ) de todos. Então, mãos à obra e quem sabe, com um pouco de sorte, o sucesso lhe abrirá um largo sorriso.

A sorte, ah sorte. É preciso muito sorte para desfrutar de certos privilégios (tipo viajar de classe executiva a Paris, Londres, Nova York duas ou três vezes por ano, morar na mansão e no bairro seguro, passar o final de semana na casa de campo ou da praia, trocar de carro todo ano e coisas assim) – sorte de vir ao mundo com talentos especiais(atores e atrizes de cinema, atletas de ponta, cantores e cantoras pop), nascer em berço de ouro, ganhar na loteria, casar com milionário ou mulher rica. O ruim é que estamos exaustos de saber que essas coisas só existem para uns poucos afortunados. Mas se a sorte nos contemplar em 2023 , seja bem-vinda!

Bem, meus caros, de toda forma são os votos que formulo para você e os seus em 2023: saúde, sorte, sucesso.

sábado, 24 de dezembro de 2022

SOBRE NATAL E ANO NOVO

 Vamos recapitular.

Nasci em Linha Arlindo onde meu pai tinha um pequeno armazém. Naquele tempo o nascimento não era complicado: meu pai chamou uma parteira que assistiu ao parto em casa mesmo. Apesar das advertências da minha mãe,  que não queria outra criança tão logo, meu pai alegou que mulher  não engravidava enquanto desse de mamar. Resultado: minha irmã Lia nasceu antes que eu completasse um ano.

Meu pai se mudou para a cidade em Santa Cruz e abriu um armazém de secos e molhados  na rua Thomas Flores, na esquina com João Alves. Isso quando eu tinha 6 anos.

Na época a cidade parava  praticamente aí.

Nos domingos o pessoal da colônia vinha de carroça para assistir a missa bem de madrugada. Lavavam os pés nos fundos do nosso armazém .

Naquele tempo o Natal era algo muito lindo. As mães montavam vistosos enfeites, que elas mesmas faziam. Os pinheirinhos eram naturais.

Os presentes eram muito poucos, mas nos traziam muita alegria.

Enquanto eu era solteiro  sempre passava o Natal com meus pais.

Aí aconteceram uma série de evoluções. Ao me casar logo vi que os costumes da minha então  esposa eram diferentes dos da minha família. Não digo melhores ou piores. Eram diferentes.

Pouco a pouco notei que o Natal, em muitos lares, não tinha as cantorias e rezas a que estávamos acostumados.

O consumo foi se apossando de quase tudo. As crianças passavam a  nadar em presentes. 

Ao invés das simples refeições e orações, alguns natais se transformaram em foguetórios.

Resolvi  me esconder, com a família, em lugares calmos e silenciosos.

Acontece que os filhos crescem, casam, têm seus filhos. Por vezes vão morar em lugares distantes. 

Meu filho mais velho mora com sua família na Alemanha. Já está há cinco anos e não tem planos de voltar.

Resumo da ópera: nem sempre se consegue reunir todos em seu torno. 

Decidimos então, minha esposa do segundo casamento  e eu, passarmos o Natal na fazenda, comendo algo frugal e dormindo cedo. 

Lá não chega o barulho dos fogos de artifício.

Não nos arriscamos mais a ficar na cidade no dia primeiro do ano. Aí sim é um horror  para cães e outros animais, principalmente nos balneários. O foguetório faz os pobres animais entrarem em pânico. Muitos fogem de casa. O estrondo  dos fogos machuca o tímpano dos nossos irmãos animais.

Como é que tem gente que gosta disso?

Esse é o preço que se paga quando se tem mais idade: ao fim e ao cabo se constata que o divino aniversariante é totalmente esquecido.

Aos poucos as orações e as tradições desaparecem e em seu lugar reina o nada.

Estarei em erro?




quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

O SENSATO GENERAL MOURÃO

“Lula foi eleito e tem que governar”. Mourão descarta intervenção. ( entrevista na Gazeta de 2.12, 2022). Esses dias o General concedeu uma bela entrevista à Gazeta do Sul.Por sinal a Gazeta é um Grupo para o qual escrevo desde os 15 anos. Gostaria de dizer que gosto muito do Exército Nacional e por ele tenho muito respeito. Fui Juiz de Direito em Santiago-RS, com menos de 30 anos. Santiago tem quatro quartéis , se não me engano. Ali conheci o General Heraldo Tavares Alves, hoje falecido. Era um homem religioso, muito refinado e elegante. Nós dois sempre nos sentávamos juntos na antiga igreja de Santiago. Havia um padre jovem que gostava de censurar os autores do golpe militar. Eu ficava na minha e o General ficava tranquilo. Dito isso, vamos aos assuntos com o General Mourão. Desculpem-me se erro. O então candidato a Presidente Bolsonaro não parecia ser muito próximo do General. Eleição terminada, me pareceu que Bolsonaro não fez muito caso de seu vice. O General, no entanto, manteve-se tranquilo e não reclamou. Quando se aproximaram as novas eleições o General foi esquecido. Mourão não gritou, não reclamou , candidatou-se ao Senado e foi vitorioso. Imediatamente surgiram, de muitos cantos, indivíduos que não se conformavam com o resultado das eleições. Para irem votar não reclamaram de nada. Pessoas de boa índole, até acho que sérias, foram convencidas de que houvera fraude. O General Mourão, ainda vice-presidente da República, concedeu uma entrevista à Gazeta dizendo que Bolsonaro perdeu as eleições e que o vencedor iria assumir. Enfim, o General Mourão, homem sério, no próprio dia em que terminaram as eleições, apoiou o que a maioria do povo decidiu. Concordo que é lícito a quem perdeu não se conformar. A inconformidade, porém, não há de ser agressiva, muito menos se vem acompanhada de fechamento de estradas e outros logradouros. Consta que vários bloqueios de estradas foram patrocinados por terceiros, o que entendo como beirando às raias de ilícito penal. Por sinal ,a matéria está sendo estudada pela Polícia Federal. Nem Bolsonaro apoiou esses absurdos que fizeram o país parar por uns dias. Ao contrário, proclamou para a nação inteira que cessassem os distúrbios. Esclareço que não entro no mérito das qualidades ou não dos candidatos. Refiro-me a “ virada de mesa”. Os que acham que as Forças Armadas devem intervir, que protestem de maneira ordeira . Ou querem discordar do General Mourão e do próprio Bolsonaro?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

EDUARDO LEITE

Como eu disse num artigo de algum tempo atrás,durante a Expointer eu sempre era convocado pelo Paulo Sérgio Pinto, vice-presidente da Rede Pampa, para participar das entrevistas com diversos personagens da política e do agronegócio. Tudo ao vivo desde a bela casa que a Pampa tem lá dentro da parte nobre do Parque. Paulo Sérgio e eu somos amigos antiquíssimos. Inclusive a filha dele, Ana Paula, ao se formar em Veterinária, nos honrou com um pedido de estagiar na Pecuária Gessinger. E lá ficou Ana Paula vários meses sujando as botas, vacinando o gado. Enfim, aprendendo a prática. Nos comovemos, Maristela e eu, porque existem centenas de estâncias mais aparelhadas. Ana Paula não aceitou, quando de nossa ausência, almoçar na nossa casa. Ela fazia questão de almoçar na casa do capataz. Voltando ao assunto do programa, também já ia esquecendo que durante cinco anos tivemos um programa na Rádio Pampa, todos os domingos das 7 às 9.30, ao vivo.O Rudolf, ainda piá, anotava os recados. Parei por causa da falta de tempo. Mas tenho saudade. Bem antes das eleições vencidas por Eduardo Leite ele foi convidado para integrar a banca da Pampa, ao vivo, direto do estúdio ali no parque. Quando Eduardo Leite adentrou, ele sentou ao meu lado, após as apresentações. Muito bem vestido com a indumentária gaúcha. Logo pensei: esse rapaz de seus trinta e poucos anos deve ser gauchinho de apartamento. Nada disso, o cara conhecia tudo de pecuária , finanças e tal. Na saída eu profetizei ao grupo: " bota esse cara na televisão e ele mata a pau". Leite se manteve calmo e respeitoso ante as crises que jorravam de Brasília. Ficou frio durante esse emaranhado de “fake news” em que uma ala da política se envolveu. Num churrasco no galpão do Palácio, recebeu vários próceres políticos de outros Estados. Não muitos, mas também não poucos. Era um balão de ensaio. Colocaram seu bloco na rua. Hoje, com a TV e as redes sociais, nunca se pode prever com exatidão uma eleição. Vide Bolsonaro. Voltando: Eduardo expôs sua preferência sexual sem medo. Pensei , desde o começo, que ele teria que tentar um novo governo estadual. Andou tentando algumas alianças, mas não deu certo. Quase perdeu as novas eleições, mas foi hábil, muito hábil. Enquanto no Planalto fermentavam horrores inconfessáveis, Eduardo e seu vice agiram serenos. Tenho fé na minha amiga a Simone Tebet. Que dupla maravilhosa seria para um vôo mais ousado. Quem viver, verá. (Em tempo: saibamos perder. O Direito deve prevalecer.Dezenas de séculos sabem mais que nós).

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

A CRIMINALIDADE ESTÁ VENCENDO

Me doem as palavras sentidas do meu caro amigo Romeu Neumann ao narrar ,em sua crônica , os crimes de bandidos ao seu patrimônio. Peço emprestadas as palavras de Eliseu Gomes Torres, eminente jurista, desembargador aposentado. “Direito não é só retórica. É, também, conjuntura, circunstância e momento. Procuro explicar. Desde a redemocratização do país, isso em 1945 ( outubro,), passamos a viver uma era de perplexidade, decorrente da velha dicotomia entre liberdade e autoritarismo. As massas conseguiram eleger João Goulart, discípulo de Getúlio Vargas, Vice-Presidente por duas vezes. Na segunda, a renúncia de Jânio tornou-o Presidente, depois daquele sufoco que foi a Legalidade. Depois de um plebiscito, Jango retomou seus poderes presidenciais. Mas aí esbarrou num Congresso adverso e acabou deposto. Até então,vigorava no Código de Processo Penal, o instituto da prisão preventiva. Alí, nos arts. 311 a 313 do CPP, estava prevista a decretação da prisão preventiva como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal,desde que houvesse provas da existência do crime e indícios suficientes de sua autoria. Em plena vigência do regime militar, houve necessidade de abrandar o instituto da prisão preventiva. Tratava-se de assegurar a liberdade do Delegado Sérgio Paranhos Fleury, paulista, que era tido como o algoz-mor dos presos políticos da OBAN e do DOI-CODI . A chamada Lei Fleury continua em vigor até hoje e assim permanecerá, não por razões políticas, mas pela simples incapacidade do poder público em prover as vagas necessárias para segregar da sociedade os que cometeram crimes graves, puníveis com reclusão. Todavia, mesmo com a drástica redução das exigências para a decretação da custódia preventiva, é inegável que subsistem os motivos determinantes de sua decretação : garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e possibilidade de que o réu venha evadir-se para evitar a aplicação da pena. O que pretendo frisar é que as circunstâncias e conjunturas brasileiras bradam pela custódia preventiva de tais réus. A prisão deles não é uma mera questão de retórica, mas uma imposição do momento.” Lembro-me claramente que esse afrouxamento da lei redundou em uma verdadeira falência penal. Os delitos tornaram-se banais . Os criminosos sabem que os processos se arrastam e não há lugar para todos nas prisões. Não há como a Justiça dar conta de todos processos. Neumann tem razão: o crime está vencendo. (É o que penso, respeitando quem discorde, pois a matéria é controversa)

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

A "TAL" DE RESPONSABILIDADE

TITO GUARNIERE Lula está eleito e seu governo está em formação. Não votei nele no primeiro turno. Ainda tenho para mim que Bolsonaro, além de um péssimo governante, além de não ser chegado ao batente, e da vocação para a mentira e a encrenca, é a uma ameaça para a democracia. Ou seja, o meu apoio a Lula no segundo turno não se deu por afinidade, não foi escolha firme e pensada, mas porque a alternativa era muito pior. Minhas restrições a Lula não eram por causa da corrupção. Enquanto ele não for condenado pela Justiça, ou enquanto se mantiver a decisão de anulação dos seus julgamentos, no estado de Direito, prevalece a teoria da presunção de inocência. Eu, todos nós, podemos ter dúvidas sobre a sua honestidade, e temos do direito de não votar nele por isso. Porém o juízo moral, ético e político é diferente da condenação judicial. Tanto é assim que a lei lhe permitiu concorrer em 2022 – da mesma forma que o impediu de ser candidato em 2018. Mas não aposto no governo Lula, a não ser nos estritos limites dos meus motivos. Comecei a ter razão muito cedo, antes mesmo da posse. As suas declarações sobre os limites de gastos e sobre a responsabilidade fiscal denunciam que em todos estes anos ninguém, lhe informou - e nem ele descobriu por si- sobre o valor intrínseco do equilíbrio entre o que o Estado gasta e o que ele arrecada. Quando Lula se refere a "essa tal" responsabilidade, revelando seu desprezo pelo conceito, dá mostra do seu desconhecimento, a sua ignorância a respeito. Ele está parado em uma página vencida da teoria econômica, segundo a qual a responsabilidade fiscal é um truque, uma artimanha das elites econômicas, dos endinheirados, em favor dos seus próprios interesses, para melhor saquear os recursos do Estado. Sim, tais elites promovem com frequência o saque dos recursos do Estado. Mas isso não significa que – necessariamente – o equilíbrio fiscal seja um instrumento diabólico para que eles (os ricos) ganhem sempre, como em um jogo de cartas marcadas. Trata-se de uma equação razoavelmente simples: para gastar mais na melhoria de vida dos desvalidos, dos mais pobres, é preciso ter mais recursos. Se não há correspondência razoável entre o que se dispende e o que se arrecada, então em algum momento as contas se desarrumam. As consequências – aquelas que vêm depois - são devastadoras : inflação, desemprego, juros altos, crise econômica, menos recursos para a educação, saúde, segurança pública. Não tem essa de que "um pouco de inflação não faz mal a ninguém ". Faz. O processo inflacionário já é uma disfunção, um desajuste, um descontrole. Um pouco de descontrole não gera controle, tende a mantê-lo e agudizá-lo até o desastre. Quem paga a conta? Os que mais necessitam da ação e da assistência do Estado, os desvalidos, os pobres.. Não fosse assim tudo se resolveria com uma boa máquina impressora e rolos de bom papel: fazer a guitarra da emissão de dinheiro tocar, cobrir os custos e os gastos do Estado com moeda tinindo de nova. Surpreende, de todo o modo, que Lula desconheça ou menospreze tão elementar realidade. titoguarniere@terra.com.br Twitter : @TitoGuarnieree

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

SALVE ARROIO DO MEIO

Fui o primeiro juiz da então recém criada Comarca de Arroio do Meio. Está festejando 50 anos. Deixem-me contar. Em 1969 me formei em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul aos 24 anos. Em 1968 fui aprovado, com o primeiro lugar, no concurso de Delegado de Polícia. Na época era possível se inscrever nesse concurso em se estando no quarto ano da faculdade. Por razões que não cabem agora, achei melhor pedir exoneração do cargo e fui advogar em Porto Alegre. Dois anos depois me submeti ao concurso para Juiz de Direito, aos 26 anos, sendo aprovado. Eu me achava muito verde ainda para enfrentar uma comarca perto da Capital. Escolhi uma bem longe: Horizontina, que era um lugar calmo e eu poderia estudar nas horas vagas. Ocorre que era muito longe e, na época, de difícil acesso. Hoje está muito diferente e é um lugar muito progressista. Fiquei um ano e soube que a Comarca de Arroio do Meio fora instalada, mas estava sem juiz titular. Pedi remoção e me mudei “com mala e cuia” para uma confortável casa nessa linda cidade. Quando fui olhar os processos em andamento, pasmem! Entre cível e crime o total dos feitos não chegava a 350! Ninguém matava ninguém, ninguém roubava ou furtava nada, todos pagavam suas contas. Achei que ia me entediar . Relatei isso ao Presidente do Tribunal, que resolveu que eu ficaria em Arroio do Meio com a jurisdição, mas em regime de exceção julgaria processos de Soledade. Me encantei com a região toda, Lajeado, Estrela, Encantado, onde muitas vezes substituí os colegas em férias ou outro motivo. Fiquei um ano maravilhoso em Arroio do Meio, onde fiz muitas amizades. Me lembro até hoje das partidas de futebol de salão que eu jogava. De dormir no verão com as janelas abertas. Da alegria das pessoas. Dos peixes do rio que costeia a região. Muitas vezes me indagava: porque não são todas as cidades assim? Por que não há criminalidade? Me lembro bem que a famosa cidade de Nova Bréscia fazia parte da Comarca de Arroio do Meio. Certo dia o Promotor de Lajeado e eu fomos convidados para um churrasco em Nova Bréscia, onde a maioria dos habitantes era de origem italiana. Na hora dos discursos o Promotor, que fizera estágio na Itália e falava corretamente o italiano, pediu a palavra e fez seu discurso. As pessoas faziam meneios com a cabeça, não entendendo nada. Claro, o pessoal falava um dialeto e não entendia esse italiano acadêmico. Ao ser promovido, depois de um ano, saí chorando. Até hoje tenho saudade. Por sinal, tenho saudade de todos os lugares onde jurisdicionei.

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

OS PENSAMENTOS SÃO LIVRES

( Die Gedanken sind frei). Me perdoem.Para Presidente votei no menos pior. Que chatice essa briga entre amigos, parentes , mil suspeitas. Bolsonaro foi muito ladino. Há quatro anos, quando de sua posse, mostrava-se insatisfeito por não ter conseguido entrar no primeiro turno. Debitou a culpa às urnas, que não seriam confiáveis. Bolsonaro tomou , para sua exclusividade, a bandeira nacional.Os adversários acabaram não fazendo um contraponto simples: colocar as bandeiras também, talvez com os números de sua grei. Bolsonaro arrebanhou para si a maioria do rebanho dos pastores pentecostais. Sempre invocando o nome de Deus. Lula sofreu percalços enormes, como sua prisão. Nitidamente a idade o pegou. Mas algo seu deu certo. Ligou-se com a direita. No que tange a candidatos do Governo Estadual, são vinhos da mesma pipa. Sou amigo de ambos.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

É MUITO GRITO E POUCA LÃ

Esse adágio é muito conhecido na Campanha. É quando se separa um porco para o carnear. Conforme o caso o coitado, prevendo o que lhe vai acontecer, desanda a gritar antes de o punhal cumprir seu papel. Quero crer que hoje em dia, haja um jeito menos cruel no abate de suínos. Por sinal, nunca tive chiqueiros na fazenda. Quando tinha vontade de comer carne suína, ia ao supermercado: era mais barato do que os peões estarem às voltas com a pocilga. Com a ovelha é diferente. Ela fica resignada, sua jugular é cortada e tem uma partida serena ao céus dos animais. Sem fazer alarde. Quando da tosa, a lã é tirada do corpo do animal, com todo cuidado, para não o ferir. Ele não dá nem um pio. Conclui-se que não adianta o suíno gritar. Isso serve para nós humanos. Gritar para que? Por que discutir? Tem razão o que grita mais alto? Que fiasco, em alguns palcos, sejam quais forem: num tribunal, na televisão, no futebol. É uma gritaria que pretende travestir-se de razão. Acontece um acidente na estrada. Dois carros se batem, mas não houve mortos nem feridos. Inobstante saem os dois de seus respectivos veículos e começam a discutir em altos brados. Ao invés de tentarem um acordo com calma, sacam de suas armas. Os dois perdem. Nosso povo está visivelmente dividido. Claro que dos dois lados há pessoas sérias e crentes de que está com a razão seu preferido. A maioria das pessoas se acalma, cuida do seu linguajar, procura não discutir em via pública, comparece às urnas respeitosamente, seja qual o candidato em quem quer votar. Terminada a eleição, entra em cena a “vendetta”, com degola dos adversários. “Vae victis”, como se lê nos brocardos latinos: “ai dos vencidos”. Sim, desde muitas eras impera esse brocardo cruel. “Vae victis é uma expressão latina que significa "Ai dos vencidos"], ou mais analiticamente, "triste sorte aquela reservada aos derrotados", pois os derrotados em batalha estão inteiramente entregues à misericórdia dos seus conquistadores e não devem esperar ou pedir leniência.” Daí porque o nosso sistema dá a alguns funcionários públicos, aos Promotores, aos Magistrados, enfim, a aqueles que devem ser protegidos dos que ululam como lobos. Pena que alguns pretendentes aos altos postos da administração pública não tenham o mínimo dos conhecimentos de milenares regras. A começar pela boa educação. Que saudade dos tempos em que as pessoas podiam divergir de maneira cortês.

terça-feira, 11 de outubro de 2022

COMPRANDO OS VOTOS

TGCORRUPÇAOELEITORAL TITO GUARNIERE COMPRANDO OS VOTOS Não me lembro de ter testemunhado uma eleição presidencial como esta , onde rola tanta corrupção. Trata-se de uma série inesgotável de pirotecnias que violam as leis – ao vivo, em cores, anunciadas sem pudor aos quatro ventos. Pior : fora uma ou outra reação, aqui e ali, tudo parece ocorrer dentro da normalidade. Como todo mundo está cansado de saber, a Constituição Federal e as leis eleitorais não permitem certas práticas nos meses que antecedem a eleição. A mais notória dessas normas proíbe a distribuição de benefícios à população por parte de governos e mesmo de empresas e pessoas físicas – nenhum bem material ou favor pode ser usado como moeda de troca para o voto. Poucas regras são mais sábias e justas como esta, pois do contrário os detentores das chaves do tesouro poderiam direcionar os recursos públicos para o partido, as candidaturas de sua escolha e preferência. No caso de reeleição é ainda mais grave: o governante pode criar programas e distribuir benesses – uma forma de comprar votos - com dinheiro do Estado em favor de sua própria candidatura. É o que está acontecendo, não na calada da noite, mas na claridade do dia. Foi assim como as medidas tomadas para baixar o preço da gasolina, a menos de três meses da data da eleição! Foi assim com o Auxílio-Brasil, que só pôde ser implantado porque se deu durante um suposto "estado de emergência", velhacaria inventada pelo governo e pelo Congresso Nacional do Centrão. Está sendo finalizado agora, entre o primeiro e o segundo turno, um reforço de última hora, para o plano de Bolsonaro de vencer a eleição: uma nova rodada de favores, mercês, mimos, benesses, como parcela extra do Auxílio-Brasil(13º), do Auxílio-Taxista no valor de R$ 1 mil reais, perdão de dívidas da Caixa, e antecipação de benefícios a caminhoneiros e outras categorias. As leis eleitorais e de Responsabilidade Fiscal foram arrombadas por Bolsonaro e pelos seus aliados do Centrão no Congresso. Foi dinheiro público que garantiu a Bolsonaro a votação que teve no primeiro turno. O que está em curso agora é um novo rombo, calculado em R$ 15 bilhões de reais a mais, antes de 30 de outubro, a data de eleição. Essas práticas, jamais antes cogitadas por nenhum governante anterior a Bolsonaro – Sarney, Itamar, FHC. Lula, Dilma e Temer, que tinham lá seus defeitos, mas conheciam a moderação e o decoro - agora vieram com tudo, se estabeleceram. O bolsonarismo, de tanto bater na tecla de que o TSE persegue Bolsonaro, fez prevalecer a versão fantasiosa. Assim, "ad latere", pode perpetrar à vontade as maiores barbaridades, as mais graves ofensas às leis atinentes, como o Código Eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Desse modo, e à vista de todos, a eleição vem sendo literalmente comprada por Bolsonaro e os seus aliados. O pleito está totalmente desequilibrado. Estamos diante de um assalto – cuja ousadia não tem limite – capaz de inverter o rumo da vontade popular nas urnas e consumar o maior estelionato eleitoral que este país já sofreu ao longo de sua história. Não tem como acabar bem. titoguarniere@terra.com.br

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

MINHA TEMPORÃ AFEIÇÃO PELOS CAVALOS.

Vou falar de amenidades. Sem o stress das eleições. Aos 47 anos eu estava relativamente satisfeito. Morava sozinho em Porto Alegre, fui promovido para o cargo de Desembargador, filhos encaminhados. Não pensava em convolar novas núpcias. Estava bom assim. Em breve voltaria a advogar em Porto Alegre. Sucede que, como já falei aqui, certa noite fui ao aniversário de uma colega bem jovem. Fui acompanhado de um colega. Fomos os dois ao Rose Place, um lugar muito bem frequentado. Minha colega veio acompanhada de seu namorado e junto estava uma jovem loirinha, que recém assumira seu cargo no Tribunal de Justiça. Tocou uma música romântica e a convidei para dançar. Disse-me que era natural de Santiago e seu pai era um médio fazendeiro e bancário. Eu fora juiz de direito na Comarca de Santiago e é claro que não poderia ter conhecido a moça naquela época. Ela era solteira, fomos nos encontrando e conversando, até que iniciamos um namoro. Fui me apresentar para seus pais, que me receberam muito bem. A partir daí passamos a viver juntos e eu, como já disse, não tinha muita noção do agro. Nessa altura eu já era advogado de novo e nossas idas a Santiago eram frequentes. Por isso compramos uma casa em Santiago. Certo dia o pai da Maristela me perguntou se eu não queria comprar uma gleba de campo. Fui ver e me apaixonei. Como a advocacia ia de vento em popa comecei a comprar novas glebas contíguas. Os campos eram bem baratos e o gado bom tinha valor. Achei que seria uma boa comprar mais e mais campo contíguo, inclusive do meu agora sogro. Com calma fui aprendendo as lidas campesinas, sempre ajudado pela Maristela que acabou sendo eleita a Presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Ile de France por dois anos. Com muito cuidado acabei aprendendo a montar a cavalo, coisa com a qual nunca tinha sonhado. Em homenagem aos meus dois “cavalos de patrão”, que só eu montava, fiz os versos abaixo: “Iahaha, lá vem meu dono/ me pegar para camperear /ligeirito vou para a forma/ para ele me encilhar/ uma escova de início/ e um pouquito amanunciar/ esses são os artifício/ de um tranquilo cavalgar. Sou cavalo de patrão/ quieto deixo ele montar/ só saio quando ele manda/ faço tudo para agradar/ vou desviando das quebradas, dos mio-mios e caraguatás/ não me assusto mais com nada, nem assombrações e boitatás. E assim levo ele faceiro/ recorrendo as invernadas/ contando vacas e terneiros/ e curando as “abichadas”/ essa é a minha sina/ ser cavalo de patrão/ outro destino não quero/ que morrer neste meu chão.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

EDUCAÇÃO DEVE COMEÇAR EM CASA

 Tipos raros esses gaúchos campeiros que, com sua lealdade, floreiam este Rio Grande.

Sim, os campeiros já foram cantados em prosa e verso por muitos. Até me lembro de uma canção que tirou um prêmio com o Nenito Sarturi e que diz "dom Ponciano cuida da tropa mais que o dono".

Queria dar mais dois exemplos:

a) no interiorzão, na campanha, o ônibus deixa os campeiros na beira do asfalto com suas compras que foram fazer na cidade. Daí, às vezes, eles têm que caminhar alguns quilômetros. Muitas vezes parei para dar carona aos viventes. Relutavam, não queriam incomodar, queriam tirar as botas, queriam ir na carroceria. Até que os convencia a entrarem e sentarem ao meu lado;

b) quando morei em Santiago, minha casa ficava no Centro e bem na frente havia uma parada de ônibus. Só eu sei como faz calor em certos dias de verão por lá. E as pessoas ficavam esperando e esperando debaixo daquela "lua". Comprei um banco bem bonito de cimento, coloquei na calçada, junto à parada e ainda puxei uma torneira de água até a cerca de ferro,para que fossem se refrescando.

Pois não é que as pessoas não se sentavam e nem usavam a torneira?

Fui até um grupo que estava  na parada:

- por que vocês não se sentam no banco e não usam a torneira para beber água?

- porque o banco não é nosso e a torneira está no seu terreno.

Bem assim, com toda simplicidade.

Sim, isso ainda acontece no Brasil simples. Onde ainda há vergonha.

Conto isso porque de uns tempos para cá a boa educação está desaparecendo, não no campo, nem nas vilas, nem nas pequenas cidades. Nesses lugares todos se conhecem, prestam auxílio na hora que o vento derruba as telhas, levam o vizinho doente ao hospital.

O que piora de alguns tempos para cá é a pouca vergonha na cara de algumas autoridades. Em todos os setores, sem exceção. 

Eu sempre brinco com meus amigos mais chegados dizendo: esse aí não dá nem para convidar a um churrasco, porque é certo que vai querer “mexer” com minha mulher ou minhas filhas. Apesar de ser uma alta autoridade vai usar palavrão para mostrar como é “interessante”.

E a que se pode debitar tudo isso?

Respondo sem pestanejar: é a falta de berço e de boa educação. É o que quase desapareceu. Não é o dinheiro que nos faz decentes. São os fundamentos básicos que se aprende no lar. 

Hoje o que se vê é lamentável.

Daí que o único caminho que nos pode encaminhar a uma civilização ao menos normal é a educação. Sim: as grandes civilizações,  que hoje são festejadas, tiveram um período muito duro para colocar as coisas no trilho. 

 


terça-feira, 20 de setembro de 2022

NELSON WEDEKIN

 TITO GUARNIERE

 

PÁTRIA E PATRIOTISMO

 

Os bolsonaristas dizem com orgulho que Bolsonaro resgatou o patriotismo do povo brasileiro. Pode ser. Mas é preciso primeiro perguntar se isso é bom ou ruim.

Patriotismo – se supõe - é amor à pátria. Desde logo: não se desconsidere um sentido de pertencimento ao torrão natal, à comunidade, ao idioma nacional, aos usos e costumes do lugar. Mas para isso tudo – e mais – não é preciso ser "patriota".

Uma vez que a pátria é uma abstração – na mesma medida em que o estado é uma ficção jurídica - , o que se queira ter a respeito dela é um sentimento difuso, uma impressão vaga, uma declaração retórica de apreço, de resto insuficientes para gerar uma atitude, uma ação capaz de mudar os rumos, quando eles se encontram em desajuste ou disfunção.

Não vejo grande mérito no patriotismo dos militares, estes patriotas de ofício, profissionais. Afinal é a pátria que lhes paga o soldo – convém, pois, enaltecê-la. Bolsonaro de gaba de patriotismo, mas é de sua lavra o conceito de que (essa gente do PT) " vem dos grotões, e dos rincões, de onde nada pode sair de bom a não ser esse tipo de gente". Se dos grotões e rincões, de onde eles (os pobres, os desvalidos) vêm, nada sai de bom, então eles não são dignos da pátria.

A pátria, para ser cultuada, não pode excluir uma parte dos seus concidadãos por causa de sua origem de classe, cor da pele, sexo, idade ou profissão religiosa, ou pela adesão a um partido. A pátria – para se tornar um valor – deve dar abrigo, refúgio e meio de vida decente a todos os seus filhos.

O conceito de pátria separa e diferencia os seres humanos entre si, como se o fato de terem nascido de um lado ou de outro da fronteira mudasse a essência das pessoas. Isso não faz nenhum sentido. As fronteiras são convenções históricas e políticas, linhas imaginárias traçadas de acordo comum ou na base da força entre os habitantes de uma parte do território.

Dito de outro modo: os seres humanos são iguais ou muito semelhantes entre si, independente do lugar onde nasçam. Vêm ao mundo, crescem, vivem, trabalham e um dia morrem. Suas necessidades, aspirações, virtudes e imperfeições, a noção do certo e errado, são mais ou menos as mesmas em todas as culturas, em todas as pátrias.

É em nome da pátria – associado muitas vezes à religião – que se cometem os maiores desatinos, as guerras mais cruéis, o sofrimento e a mortandade de mulheres, crianças e idosos. O patriotismo, que vem a ser a mesma coisa que o nacionalismo exacerbado, desune, fragmenta, isola, reaviva animosidades e ódios ancestrais entre os povos e nações.

Na guerra do Leste Europeu os dois países contendores, Rússia e Ucrânia, exaltam o patriotismo e as respectivas pátrias. " O patriotismo é a disposição para matar ou morrer por razões triviais" -

do matemático, filósofo e pacifista inglês Bertrand Russel.

Nas retóricas mais arrebatadas, como na Cuba revolucionária, o " patria o muerte ", no final não é a pátria que prevalece, mas a morte, a força bruta, a asfixia das liberdades.

Há um patriotismo humano, profundo e realmente virtuoso: é aquele que pensa toda a humanidade como pátria.

 

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

AS PEDRAS DA FOME ( HUNGERSTEINE)

 Achei uma reportagem de Teresa Canto Noronha que diz, em síntese, que  as imagens de satélite mostram o estado dos grandes rios da Europa, que têm sido afetados por uma seca que começa a deixar marcas. O rio Reno apresenta um nível de água abaixo do normal para esta altura do ano. Os moradores locais começaram por identificar as pedras no fundo do rio, intituladas de "pedras da fome", consideradas "mau presságio". Curiosamente, são rochas que, ao longo das décadas, as pessoas têm escrito nomes e datas durante períodos de seca.


Consta que moradores ribeirinhos costumavam registrar o ano de  muita seca colocando pedras na parte mais baixa do rio. Numa das pedras estava escrito: "Se me vir, chore". 

Prossegue a reportagem dizendo que no rio Elba, “a inscrição mais antiga data de 1417. Nos séculos seguintes, muitos identificavam as pedras da fome em novos períodos de seca e registravam o ano nelas. Algumas das “Hungersteine” ( pedra da fome) que apareceram neste ano na Alemanha estavam completamente esquecidas.”

Me lembrei, então, de um artigo meu em que abordo essa questão da água. O maior erro que se pode fazer, penso eu, é a destruição das florestas ciliares. Não sou técnico no assunto, mas onde se destroem as árvores que margeiam os rios a seca aparece com facilidade.

Pego o exemplo, se me permitem, das terras que minha família possui em Unistalda. Nelas corre, de ponta a ponta, um córrego com o fundo de derrame  basáltico. Árvores nativas das margens fazem uma espécie de proteção da água que corre. Em vários anos houve seca, mas o córrego e seus lagoões sempre ficaram firmes, com as águas cristalinas.

Um dia fiquei observando, do alto de um cerro, numa invernada lá dos fundos de minha estância, um olho d’água. Surge perto de uma pedra e o filetezinho vai serpeando uns metros por entre o capoeiral. Logo depois,  encontra arbustos maiores um pouquinho e uns 50 metros além começa a chamada mata ciliar, com árvores mais frondosas dos dois lados do leito, já com meio metro de largura.   A mata ciliar se torna mais larga e mais espessa até que, num lagoão rochoso, forma-se uma verdadeira piscina,  com palmeiras ou coqueiros, e diversas árvores e arbustos.

A verdade é que, em todo o percurso, de uns 6 kms, não vi uma bolsa de plástico, uma lata, nada. E a água é cristalina quase azulada.  No verão canso de tomar banho, contemplando a cobertura das árvores que filtram o calor do sol. Na época das secas são  essas árvores, que jamais deixamos cortar, que garantem água para os bichos, domesticados ou não.


quinta-feira, 25 de agosto de 2022

LOS ANGELITOS NEGROS

 

“Pintor nacido en mi tierra /Con el pincel extranjero/Pintor que sigues el rumbo/De tantos pintores viejos/Aunque la virgen sea blanca/Píntale angelitos negros/Que también se van al cielo/ Todos los negritos buenos/Pintor si pintas con amor/Por qué desprecias su color? Si sabes que en el cielo/También los quiere Dios/Pintor de santos alcoba/Si tienes alma en el cuerpo/Por qué al pintar en tus cuadros/Te olvidaste de los negros/Siempre que pintas iglesias/Pintas angelitos bellos/Pero nunca te acordaste/De pintar un ángel negro.” ( Manuel Maciste).

Como o espanhol é primo irmão do português, omito-me de traduzir os versos acima.

Muitas catedrais percorri em várias partes do mundo e não havia me dado conta de  que Jesus era representado, ainda jovem, como um homem branco e loiro. Sua fixação na cruz mostra um homem de boa compleição física, mas branco. Não vou entrar no espinhoso tema de haver ou não alguma valia a mais pelo culto de imagens. Ocorre que no mundo inteiro há esse apreço a santos ou deuses. 

Tem razão, pois, o autor dessa música (Angelitos negros), quando se pergunta: como é que se explica que, havendo pessoas negras, elas  não tem representividade como anjos negros. E o autor, com muita razão se pergunta: todos os negrinhos bons são amados por Deus; como é que os pintores não os colocaram na tela? 

Temos que admitir, também no nosso país, que muito desapreço se fez às pessoas negras. 

A poesia dessa música merece grandes aplausos porque, de maneira educada e incontestável, põe o dedo na ferida do racismo.

Posso ter meus defeitos, mas nunca , nem de brincadeira, quis depreciar uma pessoa negra. Meus pais tinham duas empregadas negras, a Eva e  Dionda, que vinham esporadicamente lavar e  passar roupa. Ambas se sentavam à nossa mesa ao meio dia e almoçavam conosco. Por sinal era trivial, uns  tempos atrás, na época da segunda guerra,  nas colônias de origem alemã, que muitos negros  falavam  alemão, conquanto misturassem por vezes um vocábulo português. Todos os idiomas têm essas muletas. Basta ver os anglicismos campeando no mundo inteiro.

Posso estar errado, mas acredito que dar apelido de duvidoso gosto só serve para infelicitar a pessoa. O mesmo deve ser observado com brincadeiras picantes, de dúbia significação. Ou ditos como “Fulano é negro, mas de alma branca”. Isso, mesmo nas brincadeiras familiares, deve ser evitado. 

Também isso vale para qualquer pessoa de etnia diferente da nossa. Usemos seu nome com respeito e não o rotulemos.  

terça-feira, 23 de agosto de 2022

UMA AULA MAGNA

 


TITO GUARNIERE

 

FALSAS COMPARAÇÕES

Circula nas redes sociais uma tabela comparativa que exibe de um lado a bandeira do Brasil e de outro uma bandeira vermelha de foice e martelo - bandeira do comunismo. A tabela ornamentou uma parede externa de edifício em Porto Alegre, em escala gigante. Foi notícia em toda a mídia.

O expediente simplório gerou polêmicas previsíveis no embate eleitoral em curso.

Mas não passa de um "out-door" recheado de "fakes" grosseiros, de comparações entre categorias distintas e de bobagens homéricas. Peça de propaganda, panfleto de baixa extração, que diz muito da qualidade política e intelectual e do caráter dos seus autores.

No mural dos bolsonaristas, eles são a favor dos bandidos presos e de menos impostos, enquanto os outros(os comunistas) seriam a favor de bandidos soltos e de mais impostos. É uma tremenda forçada de barra. É "fake". É desonesto.

Ninguém defende bandido solto – a não ser no caso de uma minoria de excêntricos, maluquetes e anarquistas incorrigíveis.

A favor de impostos? Como sabemos todos , e já foi dito há muito tempo, só há duas coisas certas : a morte e os impostos. Quem por acaso – por tara pessoal ou teimosa idiossincrasia – for a favor de mais impostos, sempre serão os impostos dos outros, nunca os seus. Não se encontrará ninguém a favor de mais impostos nem entre os mais inveterados lulopetistas.

Há uma categoria especial que merece referência: os governantes (de todos os partidos, de todas as correntes) que gastam além da conta e depois compensam elevando alíquotas e criando novas fontes de arrecadação. Redução de impostos só em vésperas de eleição - o governante está de olho na (re)eleição e não no benefício dos contribuintes. No caso atual, a conta das bonanças eleitorais recentes será apresentada ao povo brasileiro no tempo certo, ano que vem e depois. E podem crer, sairá salgada.

A comparação afirma que Bolsonaro é a favor da liberdade, e que a bandeira vermelha(Lula ), é favor da censura. É verdade que Lula e o PT vem falando na regulação da mídia há muito tempo. É uma fala para dentro, para os seus. Eles estão cansados de saber que as disposições da Constituição e das leis não permitem a censura dos meios de comunicação. É duvidoso que alguém – seja quem for o ganhador da eleição – possa mudar esses sólidos delineamentos legais.

De qualquer forma, o PT , Lula, nas raras vezes em que quiseram calar ou mudar posturas da mídia, tiveram que fazer o que é normal no Estado Democrático de Direito : recorrer à Justiça. Foi assim e assim será , com Lula ou com quer que seja. E causa certo espanto acreditar que Bolsonaro seja uma voz a favor da liberdade de imprensa. Até onde consta nos autos, ele sempre elogiou e defendeu o regime militar de 1964 – este sim a favor da censura, na teoria e na prática.

E vai por aí o documento comparativo. Tudo, com frequência, se reduz à opinião de uma facção interna da esquerda ou do PT, à conceituação individual de um membro proeminente, que se estende arbitrariamente como se fosse do candidato e de todo o partido.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

A QUERIDA CASA DA UESC EM PORTO ALEGRE

 Semanas atrás a Gazeta publicou uma matéria sobre a Casa da Uesc em Porto Alegre. Matéria muito bem feita pelo competente Iuri Fardin.

Achei por bem acrescentar mais algumas coisas.

No início dos anos sessenta a criação de escolas de ensino superior engatinhava. O Curso de Direito ainda não existia em Santa Cruz.

Eu estava no 2 ° ano do científico do Colégio Mauá. Aconteceu que  meu pai teve que fechar seu comércio pelo advento dos supermercados e eu, para aliviar uma boca em casa, decidi me mexer para sobreviver.

 Também entendi que não teria chance no vestibular da Ufrgs em Porto Alegre se ficasse inerte. Decidi me matricular no Colégio Júlio de Castilhos em P. Alegre, no terceiro ano do Clássico. Não havia esse curso em Santa Cruz.

 Relembre-se que cada Faculdade da UFRGS tinha seu vestibular próprio. No Direito as matérias versavam sobre Latim, Filosofia, Francês ou Inglês, enfim as humanas. Nada a ver com as exatas.

Graças à casa da Uesc  pude ter um lugar onde morar. De dia trabalhava numa firma e à noite ia a pé ao Colégio. Nos fins de semana passava estudando.

A pior parte eram os sábados e os domingos. Nesses dois o Restaurante Universitário ( RU) fechava. Nos dias de semana havia almoço e janta gratuitos para quem fosse aluno da UFRGS. Pegava-se uma travessa de metal e se dirigia ao local onde era servida a comida. Muitas vezes guardei o pãozinho para servir de lanche mais tarde. 

No domingo a solução era tentar “filar” um almoço na casa do meu tio Huberto Gessinger, falecido pai do Umberto dos Engenheiros do Hawai. 

Na casa não havia, no meu tempo, televisão. A solução era ficar escutando o radinho Spica.

O leite era adquirido nalguma casa comercial ou na padaria. Comprava-se uma garrafa de vidro de um litro. Quando terminava o leite lavava-se a garrafa que se entregava para um funcionário. Com isso se comprava outra garrafa cheia. Quase sempre se formavam filas para comprar leite e pão.

Para não passar fome, várias vezes comprava um pão francês bem grande e no seu interior colocava banana amassada. 

Para visitar meus pais muitas vezes pegava carona com o falecido sr. Piccinin, que era vizinho dos meus pais.

Havia muita amizade e harmonia na casa. Sou grato até hoje por terem me acolhido. Tenho saudade dos queridos camaradas.

Fui aprovado no vestibular de Direito da Ufrgs. Em seguida, aos 22 anos,  assumi  um cargo público em concurso  e  então me retirei da casa para deixar a vaga para quem necessitasse. 

 Não fosse a bendita Casa as coisas teriam sido  muito complicadas. 


terça-feira, 9 de agosto de 2022

TITO GUARNIERE

 TITO GUARNIERE

 

Surpresa

O presidente Jair Bolsonaro surpreendeu, com uma nota educada e elegante a respeito da morte de Jô Soares. Não é do seu feitio homenagear quem não é do time.

Mas pegaria mal o silêncio, diante da personalidade marcante do falecido e de tudo o que ele fez em favor da cultura e do bom humor nacional.

Nada como uma eleição à vista para despertar atitudes saudáveis e bons sentimentos.

 

Três parágrafos

De todo o modo, há quem siga que não foi Bolsonaro que escreveu o texto. Seja pelo conteúdo, seja pelo estilo.

E, acrescento eu, pelo tamanho. Três parágrafos! Se ele é o autor, foi um dos maiores textos que já escreveu.

 

Não nos pertence

Já tive um sentimento mais forte de pátria e comunidade nacional diante da bandeira verde-amarela. Mas ela não pertence mais a todos os brasileiros. O bolsonarismo adotou-a como sua, apropriou-se dela.

 

Olha o nível!

O coronel Ricardo Sant'Anna , diante do que disse Simone Tebet – mulher vota em mulher - retrucou com uma agressão ao estilo vigente em certas áreas do governo e do bolsonarismo : " vaca vota em vaca ".

O oficial do brioso e orgulhoso Exército nacional é um dos membros do grupo das Forças Armadas que examina as urnas eletrônicas.

 

Excluído

O coronel Ricardo Sant'Anna, que ofendeu a candidata Simone Tebet - "vaca vota em vaca " - foi excluído do grupo de trabalho das urnas eletrônicas. Era um dos nove componentes militares da comissão junto ao TSE.

O Exército disse que ele seria mesmo afastado. Mas como sói acontecer, chegou atrasado e Sant'Anna foi afastado por ato do ministro Edson Fachin, do TSE.

 

Atrasados e botando banca

O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, em ofício "urgentíssimo", requereu ao TSE o acesso aos códigos-fonte das urnas eletrônicas. Tinha um porém : os códigos já estavam à disposição, inclusive das Forças Armadas, desde outubro de 2021.

Organismos como a Polícia Federal, CGU, Senado e UFRS já tinham cumprido a lição de casa. Os militares chegaram atrasado e ainda botaram banca.

 

Isolados

O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, fez um discurso vigoroso, sem meias palavras, atestando a integridade das urnas eleitorais.

Manifesto da FIESP, de entidades patronais e sindicais, universidades e ONGs, foram na mesma direção : as urnas eletrônicas são seguras e confiáveis.

Bolsonaro e os seus seguidores vão acabar falando sozinhos nos ataques desvairados ao sistema eleitoral brasileiro.

 

Mega-Sena não é confiável

O presidente Jair M. Bolsonaro deveria dirigir suas baterias contra a Mega-Sena , da Caixa.

O sistema não é seguro nem confiável.

Eu mesmo sou a prova disso : já apostei um monte de vezes e nunca ganhei.

 

Deus e o diabo no Planalto

Achava que a (aparentemente) afável Michelle Bolsonaro iria ajudar o marido a controlar as suas más inspirações. Mas aconteceu o contrário : Bolsonaro está influenciando Michelle.

Do contrário, ela não iria dizer que " antes o palácio era consagrado ao demônio ".

Péssima, deseducadora, mistificadora a ideia de misturar Deus, o diabo e a política.

titoguarniere@outlook.com