170 anos, homenagem à cultura.Dra. Lissi Bender – integrante
da comissão 170 anos.
Celebrar 170 anos da Imigração Alemã é também celebrar a
fundação de Santa Cruz. Santa Cruz foi a primeira colônia totalmente planejada
e executada pelo governo da então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul.
O governo de nosso Estado convidou, por meio de seus emissários, famílias de
língua alemã, de regiões germânicas a se estabelecerem na recém fundadaKolonie
Santa Cruz.
A Universidade de Santa Cruz do Sul se uniu às celebrações
que ensejam honrar e festejar este começo.
Com músicas e cantos da cultura germânica, a orquestra e o coro da UNISC
promoveram um concerto que tocou fundo a alma dos participantes, e deixou a
alma dos descendentes dos imigrantes em júbilo. Foi uma noite cultural ímpar,
para celebrar a cultura germânica em um de seus aspectos mais sensíveis, a música,
o canto, a cultura. Deveras, as famílias de imigrantes vieram de um mundo
cultural marcado pela reforma da Igreja, pelo mundo das ideias de Martim
Luther. Luther defendia queler fomenta a inteligência;
que o povo precisa ler, precisa aprender a pensar para ser livre e não poder
ser ludibriado; que a Bíblia precisa ser lida e compreendida por todos e, para
isso, a traduziu para o alemão. Sua impressão foi possível graças a invenção da
imprensa por Gutenberg.E não é à toa que hoje a Alemanha sedia a maior feira
mundial do livro.
A defesa de Martin Luther
também permeou os ideais do Iluminismo, incentivando as pessoas a fazerem uso
de sua própria capacidade racional; o grande filósofo alemão Kant as
encorajava: Habe Mut, dich deines eigenen Verstandes zu bedienen, ou
seja, tenha coragem de fazer uso de seu próprio entendimento. No início de 1800,
já se havia tornado muito popular uma canção que lembrava ao povo que os
pensamentos são livres: Die Gedanken
sind frei.
Os imigrantes vieram
de um mundo que valorizava o canto, o livro, a leitura. Na Prússia a frequência
à escola já era obrigatóriadesde 1752; de um mundo em que já existiam
universidades, antes mesmo de o Brasil ser descoberto (fiz meu doutorado em uma
dessas universidades seculares); vieram de um mundo em que floresciam
pensadores e poetas. Em que poesias, como as de Goethe, Heine, Fallersleben,
Eichendorf eram transformadas em canções populares.
O advento da imprensa, incentivou os poetas Clemens Brentano
e Achim von Armin a coletar canções da tradição oral alemã, desde a Idade Média
até o início de 1800 e a publicá-los em três volumes, em
1805 e 1808, sob o título Des Knaben Wunderhorn, em tradução literal: A
corneta mágica do menino. Nestes três livros registraram inúmeros cantos que
acompanhavam as pessoas em suas caminhadas, cantos voltados para a natureza em
sua profusão e transformação ao longo do ano, cantos infantis, cantos de amor,
de despedida, de reencontro e muitos mais.
Deveras, o cantoe a música compõem um dos muitos bens
culturais que acompanhou os imigrantes a Santa Cruz. O canto esteve e está
presente na vida das pessoas desde o berço até a morte. Canto para a criança
adormecer, para acompanhar a família nas lides do dia a dia, seja em casa, na
roça, na igreja, na comunidade, no enterro. Na minha infância o canto participava
de todos esses momentos. E continuamos cantando, por que sem o canto, sem a
música, a vida seria um engano, nos lembra Nietzsche: “ Ohne Musik wäre das
Leben ein Irrtum”.