TITO GUARNIERE
TRUMP
Mesmo para os padrões de Donald Trump, o final de governo foi um vexame e tanto. Trump, na Casa Branca, desempenhou vários papéis, nenhum deles memorável: o de "clown" que anima o auditório, o de bravateiro de baixa extração, o de menino birrento, o de "enfant terrible" das instituições americanas, o de canastrão mal-educado. Em momento algum foi o estadista bem assentado, cioso da magnitude do seu cargo, capaz de trazer paz ao ambiente conturbado da política. Em momento algum levou em conta a convenção virtuosa dos governantes civilizados, de agir com certo decoro e comedimento.
E como poderia terminar bem um governo que ignorava a história, que desprezava a cultura e as artes, o processo civilizatório, para o qual o seu próprio país, os Estados Unidos, deu inestimável contribuição? O governo Trump desconhecia as sutilezas do convívio entre os povos, da diplomacia, das nuances de um mundo complexo e multifacetado. Um governo de ideias prontas e acabadas, de preconceitos arraigados sobre as questões da América e do mundo – uma fonte inesgotável de mentiras, um poço fundo de contradições.
Teria o bufão imaginado que o assalto ao Capitólio, pelos seus seguidores mais exaltados, acenderia o pavio de uma revolta popular contra a "fraude eleitoral", capaz de provocar novas eleições e ou de reintroduzi-lo na Casa Branca, agora como ditador?
Não é de se duvidar. O sonho dourado de todo golpista e de todo revolucionário é o de um evento menor, um incidente vulgar que incendeie a nação, mobilize os ressentidos de todas as vertentes, subverta as instituições vigentes e bote abaixo o status quo. Se era isso não deu certo.
Para o homem comum, de razoável discernimento, foi uma patacoada, um insulto contra a democracia, uma tentativa de golpe. A direita trumpista porém, no melhor estilo do líder, além de minimizar a "tomada" do Capitólio, insinua que o vandalismo foi obra do Antifa e do Black Lives Matter, os movimentos que se opõem da forma mais vigorosa contra tudo o que representa o trumpismo.
Se fosse só pela economia até que ele merecia melhor sorte – o desemprego na América caiu e a renda dos americanos aumentou. Poderia ter contado também com o mérito de que, durante o seu governo, poucos pais americanos tiveram de chorar a morte de um filho em combate no exterior. Trump, ao contrário dos seus antecessores, Clinton, Bush e Barack Obama, não iniciou nenhuma guerra nova. Mas o figurino pacifista não combina com Trump. Os seus amigos supremacistas brancos não iriam gostar.
Foi uma eleição em que os maus modos, o egocentrismo doentio, o voluntarismo, a autossuficiência do presidente foram fatores decisivos. Trump, por exemplo, menosprezou o impacto da pandemia, e não demonstrou a menor empatia pelo sofrimento dos infectados, ou pela dor e o luto de 350 mil famílias que perderam entes queridos de 2019 a esta parte. Os democratas exploraram habilmente a má conduta do presidente e Joe Biden tomará posse na data marcada.
Donald Trump, no crepúsculo do seu governo, com os incidentes do Capitólio, além dos seus defeitos conhecidos, volta para a casa em boa hora e com a fama de mau perdedor.
titoguarniere@hotmail.com