Livros, fonte de
ventura – Lissi Bender – lissi@unisc.br
Eu iria completar
quinze anos. Na Kolonie as
possibilidades de estudo haviam se esgotado. Estudar lá fora, na cidade,
tornara-se sonho teimoso. Como realizá-lo se meu português era rudimentar, se
dinheiro era um nobre ausente, se nem conhecia bem a Großstadt? Vezes e vezes levei minha Mama à beira de ataque de
nervos com minha insistência. Primeira vitória foi a aprovação no Admissão ao
Ginásio. Munida de entusiasmo, minha Mama foi ter com o saudoso
deputado Silvérius Kist. Mediante sua intervenção encontrou-se a solução:
uma bolsa ‘carente’ para estudar no Mauá. O busão do Bauermann era
pago com o dinheirinho que recebia da Frau Mandler por lhe alcançar
leite de sua chácara, perto de casa. Por estes meandros pude entrar em contato
com um mundo novo.
Minha ventura foi
encontrar no Mauá espaço apropriado para ampliar meus conhecimentos de mundo e
de meus conhecimentos linguísticos, tanto do idioma alemão quanto do português.
Lá também tive acesso a uma excelente biblioteca da qual passei a ser
frequentadora assídua. Nela os livros eram separados por nível de escolaridade.
Vez por outra eu tentava retirar algum do segundo grau, mas aos olhos de lince
da bibliotecária não escapava nada. Isso fazia crescer dentro de mim o desejo
de ler aquilo que me era vedado. Numa ocasião eu pegara um livro da lista negra.
Nossa! Die hat mir mal die Leviten geles‘! A reprimenda
ficou indelevelmente registrada em minha memória.
Não é que pouco depois eu descobri a biblioteca
pública? Lá eu encontrei o livro proibido. Fiz minha carteirinha e
resolvido estava o impasse. A partir de
então eu costumava vagar por entre estantes recheadas de livros interditos para
mim, selecionava um, decorava o título e o tirava na biblioteca municipal.
O entardecer, ao
pé de uma frondosa árvore, costumava ser o
momento mágico em que meu pequeno mundo se encontrava com o universo
novo que eu descortinava nos livros. Por meio da leitura instruía-me nos
idiomas e, à medida que deles me apropriava mais, meu horizonte ganhava em
amplitude, minha alma alçava voos, desvendava mistérios para além dos confins
de meu roseiral.
Nem tudo era
ventura. No que tange os livros, alcançou-me um evento em particular. Naquele
tempo corriam histórias de um e outro seminarista que abandonara os estudos
porque teria enlouquecido no seminário. As beatas propagavam, à boca pequena: ‘dea hat zuviel geles!’, que
era por excesso de leitura. Como eu
vivia com o nariz enfiado em livros, minha Mama começou a cismar, ‘mein Kind wird verrückt’,
tratou de tomar medidas preventivas. A leitura deveria ficar restrita ao
essencial.
Como eu não
observava as restrições, instaurou-se campanha implacável de proibição de
leitura. Passei a ler de noite na cama. Quando minha Mama entrava no quarto, o
livro sumia embaixo da coberta de pena de ganso. Não é que um dia ela me
flagra? Fechou o tempo, tirou-me o livro e lhe deu sumiço para que entendesse a
seriedade de sua ordem. Minhas leituras ficaram limitadas ao horário entre os
dois turnos de aula lá fora, na cidade. Schade!
Pena!