Aproveito para enviar um texto reflexivo que enviei tempos
atrás, num debate muito parecido com este.
Dizem que Francisco Pinto da Fontoura, ao escrever o hino
rio-grandense, lançou em alguns versos uma crítica aos resultados práticos da
tal revolta dos farrapos, assim como ao evento de barbárie dos líderes
farroupilhas ocorrido ao final da rebelião.
Preste atenção a partir de “Mas não basta pra ser livre....”
Abrç, Rogério
“Para quem se dedicar a uma pesquisa simples, constatará que,
ao final do Século XIX, quando o Brasil travava uma grande campanha política
entre monarquistas e republicanos, foram “ressuscitados” aqueles eventos então
esquecidos e sepultados, ocorridos décadas antes no RS, no início do mesmo
Século XIX, entre 1835 e 1845. Foram aqueles fatos reapresentados então, numa
espécie de marketing, com a exortação para atrair gaúchos para a causa
republicana.
Naquela ocasião, idos de 1880, líderes do movimento republicano
apresentaram como uma “revolução vitoriosa”o que até então era tido como uma
esquecida rebelião charquista derrotada, feita por fazendeiros contra o
Império, por conta da invasão do charque uruguaio e argentino. Uma
rebelião que foi derrotada e sufocada e durante a qual ocorreram muitas
atrocidades, principalmente com os negros.
Ou seja, em torno de 1880, transformaram o que era um vinagre em
um vinho fino. Talvez não tivéssemos historiadores naquela época, mas,
com certeza, já tínhamos bons marqueteiros.
Comprova tudo isto o fato de que a imprensa gaúcha, entre 1850 e
1880, não publicou absolutamente nada sobre a dita rebelião, que a partir de
1880 passou a ser referida como “Revolução Farroupilha”.
Algumas perguntas me assolaram com esta descoberta: somos
todos hoje vítimas de um golpe de marketing do final do Século XIX?
Idolatramos como “revolução” uma revolta derrotada de fazendeiros com problemas
no mercado de charque, que resolveram com seus soldados-escravos tomar
territórios para demonstrar sua insatisfação contra o Império?
E cultuamos com orgulho a derrota desta rebelião como se fosse
um evento épico vitorioso?
Poucos sabem, mas Bento Gonçalves, pelos anos de 1844 e 1845,
doente, fraco e alquebrado, vagava escondido, com um pequeno grupo, recebendo
esconderijo de fazenda em fazenda. Ele era o retrato da falência da causa
farroupilha-charquista.
Não sou adepto de revisionismos históricos, para fins de
justificar alguma causa atual de ocasião. Mas me angustio quando vejo
gerações de pessoas que cultuam valores em cima de fatos inventados ou
maquiados, que simplesmente não ocorreram como são contados através das
gerações. Não se pode retirar valores de uma punhado de mentiras,
traições, crimes e distorções.
O fato é que o Rio Grande do Sul não comemora uma “revolução” no
dia 20 de setembro. Isto pode causar calafrios em muitos CTGs, mas é uma
constatação histórica.
Numa outra pesquisa que fiz, fui a fundo sobre a origem da
palavra “farrapos”. Após muito perambular sobre várias informações a que
cheguei, constatei que ela vem, simplesmente, das roupas que os escravos dos
fazendeiros usavam. Estes escravos eram os soldados colocados a lutar
pela causa dos seus senhores sob a promessa de ganharem a liberdade ao final do
conflito. Eles não recebiam armas, nem equipamentos, nem mantimentos,
pois seria uma heresia dar estas coisas para escravos. Eles eram tratados como
se fossem bichos pelos seus comandantes: retiravam das árvores as lanças
que suavam para se defender e para lutar. E stornaram exímios no manejo
destas lanças, tanto assim que compuseram os chamados batalhões de lanceiros
negros. Todavia, armas de fogo como garruchas e espingardas, estas não
eram permitidas nas mãos deles.
E para coroar este festival de falsidades e de valores invertidos,
o supremo crime cometido pelos até então negociadores da dita Paz de Ponche
Verde: descumprindo a promessa feita aos escravos, os ditos
revolucionários farroupilhas não sabiam o que fazer com 200 destes negros
lutadores, acampados em Porongos ao final do conflito. David Canabarro
tinha acabado de retornar de seu encontro com Duque de Caxias, onde a “paz” foi
selada (leia-se: a rendição dos revoltosos). Fato é que ninguém queria a
liberdade para aqueles negros, nem o Império, nem os chefes da rebelião.
Com a liberdade, se insuflaria nos demais escravos um anseio maior pela
conquista da liberdade. A solução veio da forma mais covarde
possível: numa manhã, desarmaram os escravos de suas lanças e facas,
alinharam eles num fundo de campo e então os chefes farroupilhas ordenaram que
se degolassem os negros, um a um.
Sou gaúcho nascido em Cruz Alta, filhos de pais e avós gaúchos.
Ninguém pode se considerar mais gaúcho do que eu sou. Meu avô era dono de
campos na região de Porongos, cuja terra ficou manchada com o sangue daquele
negros traídos pelos líderes farroupilhas. Talvez venha daí o termo gaúcho
“barbaridade”.
Mas desde que tomei consciência de todos estes fatos, procuro me
orgulhar de muitos feitos realizados aqui no Rio Grande do Sul. Mas não me
peçam para cultuar uma revolução falsa, que não houve, mas uma rebelião de
senhores do charque para resolver uma problema de mercado deles, a qual foi
esmagada pelo Império e ainda selada com a marca da morte covarde daqueles
lanceiros negros.
David Canabarro não virou nome de cidade. Talvez de alguma rua
ou praça. De herói, para mim, ele não tem nada. É um criminoso de
guerra. A ele atribuiu-se a maior culpa sobre o destino dos negros
assassinados.
A dúvida histórica daquele evento, nunca elucidada, é sobre se
Duque Caxias teria exigido este final covarde aos negros ou não, quando
negociou a rendição com Canabarro.
As informações pesquisadas dão conta de que Caxias, perguntado a
respeito, nunca disse nada, nem sim nem não, levando este segredo para o
túmulo.
O Brasil tornou-se um dos últimos países do mundo ocidental a
libertar seus negros escravos, em 1888, que seqüestrara da África.
Por tudo isso e outras questões, não creio que aqueles que
lutaram contra os fazendeiros rebelados sejam menos gaúchos do que os líderes
farrapos.
Uma coisa me parece certa: cultuar valores em cima de engodos e
de mentiras históricas que ensinamos às nossas crianças não me parece nada
salutar.
Temos aqui no RS uma história rica em fatos e acontecimentos
reais que ajudaram a moldar o que somos hoje. Cito o exemplo dos
imigrantes alemães e italianos que foram aqui “despejados” e abandonados nas
escarpas da serra gaúcha pelos governantes locais, que eram, em sua maioria,
fazendeiros-políticos que jamais dariam aos recém-chegados qualquer naco dos
seus campos nas pradarias. Pois estes imigrantes passaram por colossais
dificuldades, mas se estabeleceram e ao cabo de muito sacrifício (que alguns
vivem até hoje) prosperaram com privações e trabalho duro. Hoje, por ironia,
eles e seus descendentes garantem ao RS a situação de prosperidade em relação
ao resto do país que os fazendeiros não mais conseguem.
Se temos tantos exemplos assim de coragem e de bravura, por que
temos que eleger justamente aquela rebelião protagonizada por alguns
fazendeiros, que foi derrotada e esmagada, tocada à base de soldados-escravos e
que terminou em selvageria e matança covarde de negros em Porongos, e utilizar
tudo isso como fonte de valores e virtudes para nossa cultura e nossa
tradição?”