IRMÃO FIDÊNCIO, UM FACHO DE LUZ
Armando
José Farah*
Parece-me que o nome
Fidêncio provém da palavra latina fides,
que significa fé. E ele foi, realmente, um homem com este sentimento forte. Não
apenas pela fé religiosa, da carreira que abraçou e nela permaneceu por toda a
vida. Refiro-me, também, à fé nos valores do ser humano e na importância da educação. Principalmente, na tarefa educadora
realizada através da inteligência e pela liderança espontânea. Em suma, pela
autoridade do saber e não do poder.
Aliás, por onde passou, Ernesto Dewes (mais conhecido pelo
nome religioso de Irmão Fidêncio) deixou um sem número de amigos e alunos,
todos imantados por sua inteligência, simpatia e cultura humanística, postas
permanentemente a serviço de abnegada missão de educar. E educar no sentido de
mostrar caminhos, descortinar horizontes, estimular a razão crítica,
respeitando idéias e indicando a convergência dos múltiplos ideais da alma humana.
No Colégio São Luís, ele
foi meu professor de português, inglês e de
música, matérias que serviam de instrumento para colocar à nossa
disposição sua vivência e transmitir o
fascínio pelas ciências humanas. Suas aulas de português partiam da palavra
escrita ou falada e se espraiavam-se pela riqueza dos textos e da linguagem bem
articulada. Mostrava aos alunos as belezas do idioma e sabia motivá-los. Aliás,
motivar e estimular a curiosidade constitui o núcleo da arte de ensinar, como
comprovei, mais tarde, ao lecionar em pré-vestibular e, depois, na
Universidade. Procurei seguir seu exemplo e colhi bons frutos.
Fidêncio sabia despertar
lideranças e desenvolver o espírito associativo. Criava grêmios literários ou
esportivos, distribuindo e alternando, entre os próprios alunos, as diferentes
atribuições e funções administrativas. Nas reuniões, franqueava a palavra e
estimulava o debate, orientando a crítica construtiva. Eram verdadeiras aulas
práticas de cidadania.
As belas artes, mas
principalmente a música, faziam parte de seu magistério e de seu viver
cotidiano. Por onde andava, criava coros e fomentava a formação de conjuntos
musicais. Compunha belas músicas em noites indormidas, pois não precisava mais
do que três ou quatro horas de sono. Na hoje catederal de São João Batista,
dirigia o coro masculino Santa Cecília e, no coral do Colégio, se esfalfava em
estenuantes ensaios para harmonizar vozes juvenis desafinadas ou rebeldes.
Uma de suas alegrias foi
ver concluído o auditório do Colégio. Em 1953, se não me engano. Para isto,
juntamente com outros líderes do São Luís (dentre eles o inesquecível Ir.
Emílio) e da própria comunidade, ele transpôs enormes obstáculos financeiros, a
fim de que a cidade pudesse dispor de um local adequado para palestras,
conferências, concertos etc.
Num dos primeiros
espetáculos, ele apresentou um grande coral e solistas, acompanhados pela
Orquestra de Concertos Lyra, esta dirigida pelo maestro Lindolfo Rech. Dentre outras obras, tocaram a marcha
triunfal da ópera Aída, de Giuseppe Verdi. Foi um sucesso raro, quiçá
desconhecido pela comunidade, até então. E nós lá, cantando em italiano. Vejam
só! Mas a custa de muito ensaio. É
claro.
Depois, foi a vez de
encenar A Casa das Três Meninas, de Franz Schubert, com solistas de Porto
Alegre. Ora, além de ser uma bela opereta, o libreto era em alemão. Portanto, o
êxito não poderia ser melhor. Seguiram-se concertos da Orquestra Sinfônica de
Porto Alegre e apresentações de conjuntos de câmera, bem como peças de teatro.
Hoje, estou certo de que
um corpo infatigável, servia a seu espírito clarividente e muito adiante de
seus coetâneos, revelando posições de vanguarda, até mesmo em assuntos de
educação religiosa ou nas relações com outros credos. Nesse sentido, ele como que
se antecipava às mudanças que, décadas depois, ocorreriam nos métodos da
educação e na convergência dos caminhos ecumênicos, preparados por João XXIII.
Era contrário, por
exemplo, a forçar os jovens internos a irem à missa todos os dias e de manhã
cedo. Achava preferível proporcionar-lhes atividades esportivas e exigir-lhes
apenas a missa dominical. O dever diário cabia a eles religiosos, por opção. A
seu ver, a obrigação da missa diária criaria reflexos negativos nos jovens,
provocando-lhes, mais tarde, sentimento de fastio, em relação àquilo que lhes
fora imposto e não escolhido.
Certa vez, perguntei-lhe
se eu poderia faltar uns três dias, para realizar uma viagem de caminhão a
Porto Alegre, com meu irmão mais velho.
Sua resposta foi pronta e espontânea: conhecer a capital do Estado
valeria mais do que uma semana de aulas, confirmando a expressão que, mais
tarde, apreendi em alemão: Das Lesen und
das Reisen macht uns weiser.
Esse modo de pensar e de
agir tornaram-no, para mim, um paradigma de professor. Representaram, ao mesmo
tempo, impulso valioso para descobrir novos caminhos que me levaram a
horizontes mais amplos do conhecimento. E, a partir daí, permanentemente
iluminados pela arte, em especial pela música dos grandes mestres.
Lamento que, embora
vivendo por vários anos, aqui em Porto Alegre, não tenhamos convivido com a
freqüência que eu faria hoje. Infelizmente, nem o tempo, nem a vida retroagem,
a fim de consertar o mal que fizemos ou resgatar as coisas boas que deixamos de
fazer. Fica, porém, este Registro como testemunho de minha admiração e de meu
respeito pelo grande professor.
O mestre que deixou um
facho de luz e um rastilho de saudade, por onde passou. Nesse sentido, bem se expressou o professor
Osvino Toiller, ao escrever, a propósito de Aloísio Boufleur: Ensinar é um exercício de imortalidade.
Estou certo que aqueles
que foram seus alunos - ou conheceram bem o Ir. Fidêncio - compartilham deste
sentimento e de guardam semelhantes lembranças, que associo às homenagens pelos
125 anos do Colégio São Luís.
* Advogado
e professor universitário.
ARMANDO JOSÉ FARAH
Nasceu em São Sepé (RS), 22.08.37,
filho de Ernestina Berger Farah e Niderau Farah.
Reside em Porto Alegre e é casado com
a advogada Marlene Teixeira Farah. Tem dois filhos: Eduardo e Cristina.
De 1950 a 1953 estudou no
Colégio São Luís e, em 1955, concluíu o curso clássico, em Porto Alegre, no
Colégio Estadual Júlio de Castilhos.
De 1960 a 1967 foi Professor de
Francês do Curso Pré-Vestibular Mauá, época em que fundou a Associação dos
Professores de Francês do Rio Grande do Sul e foi seu primeiro Presidente.
Em 1961, formou-se em Ciências
Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito de Porto Alegre - UFRGS, na qual
foi assistente da Direção e Professor de Direito Comercial.
Realizou estágios e cursos no
exterior.