Natureza - entre abundância e avidez – Lissi Bender – lissi@unisc.br
Estou em meu Arbeitszimmer,
que ouso chamar de biblioteca, centrada em meu projeto Memória Viva,
quando os fios do meu pensamento são interrompidos por um insistente tucano.
Levanto meu olhar em direção ao verde abundante que se descortina diante de
minha janela e vejo um solitário filhote no alto do angico. Volto para minha
atividade, mergulho em sensíveis poesias brotadas da alma de Irma Lau: “Ich möchte alles andere sein, nur nicht ich
selber! Im tiefsten Meeresgrund, ein Stein, am fernen
Himmelszelt, ein Stern…“ as palavras me
transportam para …. Oh Gott!,
sou trazida outra vez à realidade, agora por um coro de tucanos . Volvo meu
olhar novamente para o angico e vejo cinco, não, seis tucanos.
Há muito percebo, em minha wilde Heimat que fica nos fundilhos da Alte Pikade, um se achegar maior de aves silvestres.
Estariam estas vidas sendo coagidas a migrar pelos acelerados
desmatamentos promovidos pelo homem usurpador que se impõe sobre todas as
demais vidas? Que em sua voracidade apodera-se sem dó nem piedade
de espaços vitais para inúmeras vidas silvestres, vitais para a
diversidade biológica no planeta e a vida humana. Entre os viventes que por
aqui se refugiam e buscam sustento tenho saudado Waldtauben (Pombas do mato), Pfeffervögel
(Tucanos), Eulen (Corujas), Wasserhühner
(Saracuras) Jacús, ... . Também Stachelschweine
(porco-espinho) hospedam-se por aqui durante o verão. Todos são bem-vindos a
compartilhar a mesa da ceia do Senhor, mas sou tomada de um sentimento de
desalento quando penso nos motivos que levam os homens a destruir árvores e o
habitat de inúmeras vidas. Enquanto minha mente divaga, sou sobressaltada pela
constatação de que neste final de primavera minha wilde Heimat não recebeu a costumeira visita do Blechschmied (seu gorjeio de som
metálico como o repicar de sino ficou ausente). Minha alma cismadora se
confrange em apreensão. O que terá impedido sua anual visita?
Tenho lido também que em áreas centrais da cidade se percebe
um aumento de aves em busca de alimento nos pomares que resistem ao
avanço implacável do concreto (em meados dos anos
70 havia muitas hortas e pomares, como na casa do vô Max Schmidt,
pai do saudoso Deputado Norberto Schimdt, que ficava na Borges, frente à
entrada do Mauá). Mas o que estaria impelindo as aves para áreas
urbanas? Desmatamentos? Defensivos agrícolas no cultivo da terra?
Em minha wilde Heimat
vivem muitas aves. Como aqui tudo é orgânico, tem sobrado pouca fruta para Schmier. As uvas, as amoras, as
ameixas, as guabirobas e as peras (este ano a safra foi fraca) já foram
degustadas pelas vidas que comigo partilham vida. Sobraram os butiás. Os figos
estão começando a amadurecer. Preciso visitá-los diariamente ao amanhecer,
antes dos passarinhos, para assegurar um pouco de Schmier no pão matinal (adoro
Schmier de figo). A safra de
caqui em fevereiro promete, os galhos estão pedindo estaca de apoio.
Ainda não conferi o Angá (Zuckerschote), nem o Araçá, mas as pitangueiras
estão novamente em flor . Em março as goiabeiras, os ariticuns
(Afferbäre) e os abacateiros estarão assegurando alimento para
todos. Maravilha-me a abundância na mesa do Senhor. Maravilham-me os prodígios
da vida! Oprime-me a avidez humana.
*Gostaria de ser tudo, menos eu mesma! No mais profundo
oceano, uma pedra, no distante firmamento, uma estrela ... – Irma Lau