sexta-feira, 22 de agosto de 2014

DE ORAÇÕES E CANTORIAS




 

Da minha feliz meninice em Santa Cruz,que quanto mais recordo, mais feliz me parece, quero compartilhar  passagens, algumas que até podem parecer menos verossímeis.

Eu era coroinha e sabia de cor e salteado toda missa em Latim. É certo, me fascinavam as missas solenes. Continham  uma série de rituais que me impressionavam, além da beleza de vestes e paramentos. Mas eu gostava mesmo era da missa fúnebre . O padre de preto. Ao invés das sinetas,  as matracas e o grave “ dies irae, dies illa”. Talvez isso explique o gosto que tenho ao ouvir o Requiem de Mozart.

Como já contei, estive dois anos no Seminário. Mais tarde lecionando numa Universidade, reencontrei diversos colegas daquele tempo. Pronto: nosso programa era nos reunirmos sextas feiras, após as aulas noturnas , assarmos um churrasco e  dê-lhe cantoria quase até de manhã . Cantávamos desde canções populares até o Hino Inaciano, não deixando jamais de entoar o “ Stabat Mater, dolorosa, juxta crucem, lacrimosa “. E muitas passagens da missa, como o Tantum ergo sacramentum.  Coisa, é bem de ver, meu jovem leitor, de dinossauros. De pteridáctilos.

Na minha casa era costume rezar antes de iniciar o almoço. À noite rezávamos o terço, ajoelhados ante o fogão , no inverno; e, no verão, na sala de refeições. E só então jantávamos. Depois , na hora de dormir, cada um se ajoelhava ao lado da cama e rezava mais um pouco. 

Também por muito tempo rezei para  ter sucesso nalgumas empreitadas ou para sair de apuros. Não sei se a oração foi a causa eficiente do sucesso daquilo que eu queria, mas que mal não fez, isso não fez. Mas algo que me faz rir até hoje  foi o pioneirismo de meu pai no que tange à terceirização. Sim, a História há de fazer justiça a ele, um dia, por ter sido o precursor dessa prática.

Quando rezávamos em família ele, por vezes, dizia: Lia ( minha irmã), agora tu vais no quarto  rezar mais uma dezena, porque eu prometi isso se conseguisse vender uma mercadoria bem. Em outra ocasião: Ruy , tu vais ter que  rezar um terço inteiro, pois prometi isso se não estragasse meu caminhão. Ou seja: pedia uma graça e terceirizava o cumprimento da promessa. Genial.

Com o tempo a gente se embrutece, começa a se achar onipotente, que nunca vai ficar doente ou envelhecer e nem reza mais. Mas canso de me perguntar: e como explicar o semblante plácido , sereno  e feliz das pessoas que costumam orar? Só pode fazer bem. Portanto: “oremus”!