sexta-feira, 8 de novembro de 2013

GAUCHISMO, UFANISMO, IRREALIDADE, A MAGIA DA FAZENDA E SUAS POESIAS QUE NÃO EXISTEM. LEIAM ESTE MAIL DE ROGERIO GUIMARÃES OLIVEIRA, GUARDEM-NO


Muito bom este texto.

A propósito, há uns anos, escrevi artigo sobre a enganosa (ou fraudulenta, ou, pelo menos, equivocada) estética do acampamento farroupilha, realizado todo santo ano em Porto Alegre, desarmonizando o Parque da Harmonia perante nossas próprias tradições. Pintei o acampamento como a melhor síntese de como é possível detratar e degradar uma cultura inteira, enxovalhando os seus valores. E de como não-mostrar e não-contar como é e como vive um povo em suas origens culturais.

Na oportunidade, qualifiquei aquilo de favelão gaúcho anual, onde, por uns dias (os mais chuvosos do ano), tem-se ali a maior concentração de trogloditismo pampeano-gaudério por metro quadrado do mundo todo.

É o que se pode extrair da cena artificial de uns 400 casebres de pau-a-pique e telhado de zinco, chamados de galpões, amontoados por entre ruelas em geral embarradas. Cada casebre destes com seus espaços amiudados pretendendo, ao estilo de cada um, “contar” para os passantes sobre as coisas do Rio Grande do Sul. Ao lado de cada casebre, a indefectível churrasqueira esfumaçante, peloq eu o resultado de 400 churrasqueiras é uma defumação bestial de tudo e de todos, numa agressão aos olhos (literal e figurativamente), enegrecendo pulmões e idéias. E por aí me fui, desgarrado, a descrever os anversos e antíteses estéticas daquilo tudo lá, eviscerando-lhe os erros crassos e as contradições, em todos os aspectos.  Isto tudo foi me saltando à mente do tanto que carrego na memória de minha infância e adolescência, quando estive em estâncias, granjas e fazendas. Ali vivia a peonada, a capatazia, os donos de estância, genuinamente. Parentada toda do interior de Cruz Alta, Panambi e Porongos, com cenários gaúchos originais e autênticos onde passei muitas das minhas férias. Por ter conhecido, na origem e estado de pureza, a vida do gaúcho, do mais modesto ao abastado dono de estância, por isso mesmo, talvez, os engodos e contradições do tal acampamento xucro me sejam tão evidentes e gritantes, ao ponto até de incomodarem como um coice no estômago.

Recebi críticas, é claro, algumas pouco veneráveis ou edificantes à minha modesta existência, outras pouco polidas. Teve umas tão sutis quanto, digamos, talhos de machado em tronco de lenha.

A crítica expressada foi realmente compreendida, é verdade, por bem poucos.

De lá para cá, apenas vi confirmarem-se os diagnósticos. Na edição deste ano de 2013, teve até o triste e emblemático caso do gaúcho montador de casebre que despencou de cima de um telhado do favelão abraçado a uma motosserra ligada a toda, fabricada na China. Por sorte, o vivente “só” perdeu um braço inteiro, pois podia ter se decapitado (tecnicamente, seria uma auto-decapitação por método chinês).  Ora, vejam: galpão crioulo gaúcho montado com motosserra chinesa..?

Com base neste texto do Ruy, digo-lhes que aquele acampamento é um estereótipo às avessas do que esteve ou está na alma e no corpo do verdadeiro gaúcho. Uma ofensa, em todos os sentidos, às nossas tradições mais caras. Não é nada daquilo lá.

Algo ou alguém deveria encerrar o engodo, num canetaço só, extirpando o tal acampamento esquizofrênico-gaudério do calendário cultural de Porto Alegre e do Estado e isto já ajudaria muito a preservar a nossa memória cultural.

Bem pior do que cometer um erro é reeditá-lo todos os anos, por questão de tradição...

As secretarias estaduais que cuidam de cultura e turismo, em conjunto com algumas prefeituras, poderiam adotar fazendolas antigas que retratem, genuinamente, sem nenhuma aberração ou apelo troglodita, o cenário original e simples da cena campeira do RS, onde a cultura gaúcha se desenvolveu. Um lugar que possa contar esta cultura, retratando-a com os seus elementos culturais todos, característicos de como vivia o gaúcho em seu habitat, em seu nascedouro cultural, para quem desejasse conhecer. Um fazendola, com campo no volta e uma só churrasqueira, um só galpão, mais a casa-sede do estancieiro. Seriam conjugados ali os elementos gaúchos da montaria, do peão, do mate, do campo, do gado, da campereada, da música, da prosa, das lendas, da poesia, da tosquia, da marcação, da castração, etc.  Um lugar que aconchegasse os visitantes, os turistas, que os trate bem, prestando-lhes serviços de qualidade, desde hotelaria campeira até a culinária gaúcha, mais passeios a cavalo, etc.

Algo de real qualidade, algo realmente cultural, que funcionasse de forma permanente, muito ao contrário e ao oposto do que ocorre no frenesi defumado e tresloucado do atropelamento gaudério do Parque da Harmonia (mesmo na parte em que é chamado pelo nome do fundador da RBS, continuo com o hábito arraigado de chamar o lugar de Parque da Harmonia...).

Quem quiser, poderá ver nestas fazendolas algo realmente autêntico e genuíno, um pedaço vivo da vida e da História do RS do campo e da lavoura, disponível em qualquer das cidades que adotassem o projeto, montando a sua fazendola original e abrindo suas porteiras para a visitação pública.  Os europeus conseguem fazer isso, por exemplo, muito bem. Porque nós, aqui, seus descendentes em grande medida, não conseguimos?

Um projeto que, muito possivelmente, se auto-financiaria e nos deixaria de lambuja a opção de levarmos para lá os amigos que viessem de fora (pois ninguém, em sã consciência, leva um amigo de fora para “visitar” o acampamento do Parque da Harmonia, certo?).