Nasci na Linha Araçá. Como naquela época gravidez ainda não
era doença, vim ao mundo como todos os mamíferos vêm, apenas uma parteira
ajudou a mãe. Quando eu tinha uns 5 anos viemos para Santa Cruz, onde meu
pai se estabeleceu com casa comercial perto da Sudan. Dois anos depois , tendo
meu pai progredido, nos mudamos para a Rua Tomás Flores, esquina com João
Werlang, onde praticamente terminava a cidade.
Pois bem, ali era a estrada para a Linha João Alves. Aos
domingos os colonos vinham com suas carroças apinhadas de gente para
missa na Matriz ( hoje Catedral). Estacionavam , desciam de chinelos, com
os sapatos na mão. Entravam pelos fundos de nossa casa e ocupavam o banheiro
para lavar os pés e lá deixavam sombrinhas e
chinelos. E iam a pé para a missa.
Minha irmã Lia e eu nos comprazíamos em esconder chinelos e
bolsas e subíamos nas carroças. Quando os colonos voltavam era aquele alvoroço,
mas levavam com bom humor nossas peraltices.
Na época era a coisa mais natural do mundo sair de funda ou
bodoque a matar passarinhos. Como as pombas rolas passavam comendo grãos
que caiam dos caminhões, eram uma barbada os meus pré-delitos ambientais .O que
me alivia a consciência é que minha mãe fazia sopa das vítimas aladas.
Mais tarde já me aventurava, escondido de meus pais, a tomar
banho no Caveira ou no Rio Pardinho. Não raro eu ia de bicicleta, pasmem os
leitores, até Rio Pardo, e olhem que a estrada não era asfaltada.
Num verão meus pais cismaram de mandar minha irmã e eu para
passar duas semanas com os avós em Boa Vista. Nos primeiros dias até que foi
bom, mas logo senti falta dos meus amigos. Esperei o caminhãozinho do leite
passar, e pulei para a caixa, no meio dos tarros, após prometer para a mana que
a mandaria buscar em seguida. Quando o caminhão chegou na altura do Grasel
saltei fora pois dali eu sabia ir a pé ( literalmente, pois fui
descalço). Imaginem o estupor de minha mãe ao me ver chegar assim no
mais. Como meu pai ameaçou me dar uma tunda, só me restou usar minha mãe como
escudo e depois fugir para a casa da tia Olga Beck, que era nossa vizinha. Após
algumas tratativas diplomáticas, da tia com meu pai, ficou combinado que
eu apenas receberia duas chineladas em cada palma da mão. Meu pai não bateu com
muita força, já penalizado, mas eu gritei mais do que carneação de porco para
fazer render o castigo.
O incrível é que nenhuma das tundas que recebi me fez virar
bandido ou um “ serial killer”. Nem fiquei traumatizado pelo fato de meu pai
nunca me “ frouxar” os pilas. Hoje não dá nem para se olhar feio para um filho....E não dar presentes nas “ datas” vai acabar dando
prisão em regime inicial fechado para os pais. Quem viver, verá.
( publicado em Gazeta do Sul)