O jovem médico foi ascendendo na
carreira acadêmica até ser aprovado assistente numa cadeira
da faculdade de Medicina.
No primeiro dia de aula, uma turma de
rapazes e moças, todos muito jovens, relutavam em fazer silêncio para que ele
se apresentasse. A duras penas se
impôs e pediu que cada
aluno dissesse seu nome e de onde vinha. Não deixou de notar uma mulher um
pouco mais madura, perto das frangotas que havia ali. Deveria ter seus 26 anos.
Era loira, alta. Não usava jeans ao contrário das demais, nem tinha tatuagem.
Usava saia e blusa e sua pele era alva. Loira natural, tinha um nariz aquilino
e uma boca que poderia ser um pouco mais carnuda.
Não se sofreu e lhe perguntou quantos
vestibulares tentara. Cinco, disse ela.
Ela não se misturava nos grupelhos e
tribos que se formam. Ficava ereta e misteriosa na sua saia preta, meias
escuras, salto alto e camisa branca, deixando a entrever seios muito firmes.Seu jaleco era até engomado.
E assim foi se seguindo o semestre.
Quando Artur não estava na faculdade,
atendia um pouco na clínica do pai.
Numa 2ª. Feira de tarde chegou e viu na
sala de espera a Maria da Graça. Só então observou que ela tinha belíssimos
joelhos mas suas meias tinham furos e seus sapatos de salto estavam puídos.
Dirigiu-se a ela, que permaneceu sentada mas colocou o rosto entre as duas mãos
e prorrompeu num pranto discreto e manso.
Sentou-se ao lado dela.
Ela contou que era do interior, fora
casada dois meses, o marido se mostrara violento e ela estava sendo sustentada
pelos pais, mas agora o dinheiro mermara e não tinha mais como pagar a
faculdade.
Já no apartamento dele à tardinha,
ofereceu-lhe nozes, castanhas, abriu
uma Freixenet.Ela jamais havia tomado uma espumante,
que dirá importada.
Acordaram abraçados às 6 da manhã, ela
levantou antes, tomou um banho após ele lhe indicar a
torneira quente..
Começaram a namorar discretamente.
Até que um dia ela, numa festa,
excedeu-se na champagne e começou a flertar com um colega estudante. Dançava
frenética feita uma Jezebel.
Arthur largou tudo e foi embora para seu
apartamento. Já deitado, depois de uma hora, pensou que fizera uma cena de
ciúmes infantil.
As horas foram passando e ela não veio.
Não apareceu mais na faculdade.
Dez anos mais tarde encontrou-a em
Paris, de braços com um senhor de cabelos brancos.
Vestia-se com apuro, os cabelos tinham tomado a tonalidade “ blonde gris” tão rara
no mundo e só encontradiça na Alsácia.
Ela só o cumprimentou com um solene
meneio de cabeça.
De volta ao seu hotel, concluiu que
gostava mais dela com seu jeito desvalido e despojado. Não conseguiu
dormir e sua mulher lhe perguntou o que estava havendo.
- nada, amor. Acho que alguma coisa que
bebi não me fez bem. Deve ter sido aquela Freixenet“ Cordón Negro”..
- Conta outra, amado... Freixenet aqui
em Paris?
(Publicada hj em Gazeta do Sul)
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