Em 1964 eu recém chegara a P.Alegre, trabalhava o dia todo no escritório de uma firma, estudava de noite no Julinho, para onde ia a pé.
Estava preocupado em não passar fome e em passar no vestibular.
Eu vinha de uma família conservadora e, na verdade, estava preocupado com outras coisas.
Mas eu me lembro que nas ruas houve, a par dos protestos, demonstrações de júbilo pela deposição de Jango. Até um parente meu e sua esposa deram suas alianças de ouro para a campanha " Dê ouro para o bem do Brasil" .
Só após ingressar na Faculdade de Direito da UFRGS fui me inteirando desses grandes embates ideológicos.
Estando já no quarto ano de Direito, soube que estava aberto o concurso para Delegado de Polícia, a que tinham acesso os bacharéis e os acadêmicos de Direito em final de curso.
Inscrevi-me e fui aprovado. Fiz o curso na Academia de Polícia, onde, modéstia a parte, me classifiquei em primeiro lugar e fui orador da turma.
A academia funcionava no último andar do Palácio da Polícia. Certa manhã ouviram-se gritos aterradores lá do térreo. Era nítido que estavam torturando alguém. Levantei-me na sala e protestei ante os colegas e o professor. Este disse apenas:
- cuidado rapaz, isso que estás fazendo é perigoso.
É testemunha do episódio o hoje Procurador de Justiça aposentado Antonio Dionísio Lopes, meu colega de turma na Polícia.
No dia da minha formatura em Direito, em 1969, pedi minha exoneração do cargo de delegado e fui advogar.
Em 1971 me submeti a concurso para Juiz de Direito.
Fui aprovado com mais uns 20 candidatos. Na época a nomeação era feita pelo Governador, mas a tal de nomeação não saía.
Até que alguém me assoprou que o motivo era eu. Eu seria comunista.
Fui falar com o delegado Pedro Seelig, que fizera a academia comigo e me queria bem, como eu a ele, e lhe expliquei o caso.
Agora vem uma parte que hoje considero quase risível.
Pedro me perguntou:
- mas tu és comunista mesmo?
Respondi que não tinha tido nem tempo para ler Karl Marx, muito menos me dar ao luxo de ser comunista.
Tu assinas uma declaração? , perguntou.
Claro, respondi.
A nomeação saiu.
Se eu fosse comunista mesmo, talvez bancasse o herói.
Como não era, nunca fui e nunca serei, assinei.
Exerci meu cargo não me metendo em política, procurando cumprir esse sacerdócio com devoção.
Nunca ninguém interferiu no meu trabalho, nem eu iria deixar.
Mas , quando saiu o comício das Diretas Já, lá compareci.