Sei
que choverei no molhado. Mas penso que em matéria de segurança pública
precisamos de muita chuva no molhado. Só uma verdadeira avalanche, causada por
sucessivas e repetidas manifestações, poderá frear a expansão da criminalidade
a cujo crescente poder, leis e demandas estamos todos sujeitos. É exasperador
ler que o provável assassino de um empresário está condenado a penas que se
concluem em 2039, mas já flanava no semiaberto, liberado para trabalhar durante
o dia. É intolerável saber que esse não foi um episódio ocasional, mas evento
rotineiro, parte da agenda cotidiana de ocupações e reclamações, para
magistrados, promotores e delegados. É profundamente frustrante, aos pagadores
de impostos, saber que autoridades remuneradas com o fruto do nosso trabalho se
declaram obrigadas a soltar indivíduos sabidamente perigosos "porque a lei
assim determina". E mesmo essa justa frustração fica diminuta perante o
sentimento que nos domina quando lemos que há, entre os magistrados, quem faça
isso de bom grado, por motivos ideológicos.
Ao fim e ao cabo, ainda que não o
confessem, como aquele parlamentar, lixam-se quase todos. A criminalidade
campeia solta, como repetidas vezes tenho afirmado, porque existe muito bandido
agindo com inteira liberdade, rindo da lei e auferindo ganhos crescentes em
atividades de quase nenhum risco. Parte significativa dos incontáveis crimes
contra o patrimônio e a vida dos cidadãos é praticada por indivíduos que já se
defrontaram com a polícia e com a justiça. E não deu nada, ou quase nada. Quem
agiu para que gozassem de liberdade, a gosto ou contragosto, tem, sim, uma
parcela pessoal de responsabilidade perante as vítimas. Que elas pesem nas
respectivas consciências! De modo especial, têm responsabilidade direta os
magistrados que usam os instrumentos legais com que contam para soltar, quando
poderiam usar outros para manter presos indivíduos cuja periculosidade não pode
proporcionar margem à dúvidas em quem ponha os olhos sobre seus prontuários. Têm
responsabilidade os governos, que abandonam o sistema aos próprios azares, que
entregam as penitenciárias ao crime organizado e deixam as corporações
policiais à míngua por indigência de recursos humanos e materiais. Têm
responsabilidade os legisladores, desatentos ao clamor da sociedade que pede
por urgente revisão da legislação penal. E, muito especialmente, por revisão
das execuções penais, via franqueada às facilidades e indulgências do
semiaberto, das prisões domiciliares, das tornozeleiras aplicadas em quem, para
o bem da população, tinha que estar com os dois pés do outro lado das grades.
Sobre progressão de regime, a lei diz que o magistrado é quem decide. É um disparate que a
superlotação dos presídios sirva como causa para as inauditas complacências. A
superlotação deveria ser causa, isto sim, da construção de novas e mais dignas
unidades de internação.
Da população, por fim, não se cobre
responsabilidades. Já nos basta recebermos das autoridades policiais
orientações sobre como agir sob a lei do bandido. É bom que nos orientem. Mas
essa confissão de impotência, de rendição, é mais uma evidência do grau de
desamparo a que foi levada a sociedade brasileira, por motivos ideológicos e
políticos. A realidade nacional derruba os chavões sobre pobreza e
criminalidade. O desemprego cai, a renda aumenta e a criminalidade expande suas
hordas.
A segurança pública, a segurança da
comunidade, é primeiríssimo fator de agregação social e primeiríssimo papel do
Estado. Todo governante inapto, todo legislador insensível, toda autoridade
leniente em qualquer dos poderes, deveria pendurar as chuteiras, pegar o chapéu
e bater em retirada. Não ocorrendo isso, deveria, pelo voto dos leitores, ou
por ato das respectivas instituições, ser afastado para tarefas onde resulte
menos danoso ao interesse público.
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* Percival Puggina (69)
é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de
dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas
e Gaviões, membro do grupo Pensar+.