sábado, 2 de fevereiro de 2013

UMA AULA DE FILOSOFIA

POR MARCELO DA SILVA DUARTE
 
assunto pedregoso esse da teoria das condições mesmo na lógica, ruy. 

um semestre de lógica na com. social - que foi, pelo menos, o que eu tive, além de outro de filosofia contemporânea - é insuficiente para dele dar conta, certamente, embora eu acredite que em dois semestres a coisa comece a ficar clara.

 

há mesmo um belo debate acerca dos conceitos de "causa" e "condição". 

há quem afirme que ambos são distintos, quem defenda que tal distinção é uma questão de se convencionar qual evento, numa série "x" de acontecimentos antecedentes, é "mais importante" p/ o fim que se tem em vista, e quem diga que não se distinguem.

 

essa não é uma questão irrelevante e sem implicações, pois aristóteles, p. ex., tem toda uma teoria da causalidade [causas material, formal, eficiente e final], e em descartes o conceito de causa é fundamental em sua teoria da causalidade das paixões [em sentido lato e estrito] da alma, em sua definição de "substância" e em suas duas provas a priori da existência de deus, "causa sui".

 

mas tu estás correto. por caridade interpretativa com zh, tomemos "espuma" por "fumaça tóxica no ar" e sigamos:

 

"fumaça tóxica no ar" é somente "condição suficiente" p/ que haja "mortes em boates", mas não "condição necessária e suficiente".

 

uma condição "a" [fumaça tóxica no ar] é dita "suficiente" p/ um evento "b" [mortes em boates] ocorrer quando esse evento ocorre sempre que a condição "a" for satisfeita - ou seja, quando houver "mortes em boates" sempre que houver "fumaça tóxica no ar" -, mas vejas que não é necessário que haja "fumaça tóxica no ar" [a] para que haja "mortes em boates" [b]. "ser gaúcho" é condição suficiente p/ se "ser brasileiro" 

[se é brasileiro sempre que se é gaúcho], mas não é condição necessária - vejas que nem é preciso que haja gaúchos no mundo p/ que haja brasileiros, pois há brasileiros [paulistas, cariocas, etc] sem que haja gaúchos; não é "necessário", portanto, que haja gaúchos p/ que haja brasileiros.

 

"condições suficientes" garantem que tudo aquilo que satisfaça uma determinada condição ["fumaça tóxica no ar", "ser gaúcho"] dita "suficiente" seja o caso ["mortes em boates", "ser brasileiro"], mas não garantem que tudo que seja o caso ["mortes em boates", "ser brasileiro"] a satisfaça ["fumaça tóxica no ar", "ser gaúcho"]. ou seja, elas garantem que "fumaça tóxica no ar" causa "mortes em boates" 

e que "gaúchos são brasileiros", mas não podem garantir que [todas] "mortes em boates" sejam causadas [exclusivamente] por "fumaça tóxica no ar" e que "brasileiros sejam gaúchos".

 

o que se faz em casos em que não se conhece lógica o suficiente, ou mesmo quando não se transita com desenvoltura por entre seus conceitos-chave, é uma espécie de analogia pelo bom senso - o que sugere que é mais do que rigor lógico que falta ao jornalismo, sempre ávido pelas simplificações, pelo clássico "ecce homo!":

 

assim, "fumaça tóxica no ar" é "condição suficiente" para "mortes em boates" desde que [i] haja mortes em boates [ii] sempre que houver fumaça tóxica no ar, mas não é "condição necessária" porque é possível se morrer em boates de outros modos [choques elétricos, homicídios, quedas, de tédio lendo-se a coluna da rosane de oliveira, etc] e, sobretudo e em geral, pela conjunção de uma série de "fatores" [ou condições, ou causas, como queiramos os chamar], que é o caso do problema que analisamos. em nosso caso, também foram fatores o "catalisador" do acidente - o acendimento da espuma pelo fogo de artifício, que fez com que a fumaça fosse liberada -, a superlotação, a ausência de um sistema anti-incêndio, a ausência de um sistema de indicação de saídas de emergência eficiente, a ausência mesma das saídas de emergência obrigatórias, a falha do extintor, a ausência de treinamento dos funcionários, a contenção das portas da única saída do local, o pânico, enfim? e vejas que ainda foram "fatores" a indevida liberação do alvará pela prefeitura, a anuência dos bombeiros ao plano de prevenção contra incêndios [ppci] apresentado, o ppci ter sido elaborado ou não por especialista?

 

uma coisa é certa: é longa a cadeia de eventos que originou a tragédia; uma não é, porém: afirmar-se que "a culpa foi da espuma" 

suficiente e necessariamente.

 

a consequência lógica dessa afirmação - que só vale no sentido banal, figurativo, em que quase todos que morreram, morreram intoxicados - é a de que a espuma foi "condição necessária e suficiente" da tragédia, situação que ocorre quando uma mesma causa é simultaneamente necessária e suficiente. mas, nesse caso, isso implica, grosso modo, se comprometer com a tese de que a fumaça tóxica foi totalmente responsável pelas mortes, que ocorreram totalmente em função da fumaça.

 

logo, zh confunde condição suficiente com necessária e comete a chamada "negação do antecedente", falácia que pode ser assim

apresentada:

 

se a, então b;

b, então a.

 

Se havia fumaça tóxica no ar, então houve mortes; houve mortes, então havia fumaça tóxica no ar.

 

ora, como sabemos, a fumaça tóxica no ar foi uma das causas das mortes, e não a única.

 

de modo semelhante,

 

se havia fumaça tóxica no ar, houve mortes; ora, houve mortes; logo, havia fumaça tóxica.

 

este argumento é falacioso porque, mesmo que as premissas sejam verdadeiras (o que não é o caso, uma vez que a primeira premissa é falsa, pois sustenta que houve mortes unicamente porque havia fumaça), a conclusão apresentada delas não se segue, pois as mortes podem ter ocorrido porque as portas estavam fechadas, porque não havia sinalização, porque só havia uma saída de emergência, etc.