assunto pedregoso esse da teoria das condições mesmo na
lógica, ruy.
um semestre de lógica na com. social - que foi, pelo
menos, o que eu tive, além de outro de filosofia contemporânea - é insuficiente
para dele dar conta, certamente, embora eu acredite que em dois semestres a
coisa comece a ficar clara.
há mesmo um belo debate acerca dos conceitos de
"causa" e "condição".
há quem afirme que ambos são distintos, quem defenda que
tal distinção é uma questão de se convencionar qual evento, numa série
"x" de acontecimentos antecedentes, é "mais importante" p/
o fim que se tem em vista, e quem diga que não se distinguem.
essa não é uma questão irrelevante e sem implicações,
pois aristóteles, p. ex., tem toda uma teoria da causalidade [causas material,
formal, eficiente e final], e em descartes o conceito de causa é fundamental em
sua teoria da causalidade das paixões [em sentido lato e estrito] da alma, em
sua definição de "substância" e em suas duas provas a priori da
existência de deus, "causa sui".
mas tu estás correto. por caridade interpretativa com zh,
tomemos "espuma" por "fumaça tóxica no ar" e sigamos:
"fumaça tóxica no ar" é somente "condição
suficiente" p/ que haja "mortes em boates", mas não
"condição necessária e suficiente".
uma condição "a" [fumaça tóxica no ar] é dita
"suficiente" p/ um evento "b" [mortes em boates] ocorrer
quando esse evento ocorre sempre que a condição "a" for satisfeita -
ou seja, quando houver "mortes em boates" sempre que houver
"fumaça tóxica no ar" -, mas vejas que não é necessário que haja
"fumaça tóxica no ar" [a] para que haja "mortes em boates"
[b]. "ser gaúcho" é condição suficiente p/ se "ser
brasileiro"
[se é brasileiro sempre que se é gaúcho], mas não é
condição necessária - vejas que nem é preciso que haja gaúchos no mundo p/ que
haja brasileiros, pois há brasileiros [paulistas, cariocas, etc] sem que haja
gaúchos; não é "necessário", portanto, que haja gaúchos p/ que haja
brasileiros.
"condições suficientes" garantem que tudo
aquilo que satisfaça uma determinada condição ["fumaça tóxica no ar",
"ser gaúcho"] dita "suficiente" seja o caso ["mortes
em boates", "ser brasileiro"], mas não garantem que tudo que
seja o caso ["mortes em boates", "ser brasileiro"] a
satisfaça ["fumaça tóxica no ar", "ser gaúcho"]. ou seja,
elas garantem que "fumaça tóxica no ar" causa "mortes em
boates"
e que "gaúchos são brasileiros", mas não podem
garantir que [todas] "mortes em boates" sejam causadas
[exclusivamente] por "fumaça tóxica no ar" e que "brasileiros
sejam gaúchos".
o que se faz em casos em que não se conhece lógica o
suficiente, ou mesmo quando não se transita com desenvoltura por entre seus
conceitos-chave, é uma espécie de analogia pelo bom senso - o que sugere que é
mais do que rigor lógico que falta ao jornalismo, sempre ávido pelas
simplificações, pelo clássico "ecce homo!":
assim, "fumaça tóxica no ar" é "condição
suficiente" para "mortes em boates" desde que [i] haja mortes em
boates [ii] sempre que houver fumaça tóxica no ar, mas não é "condição
necessária" porque é possível se morrer em boates de outros modos [choques
elétricos, homicídios, quedas, de tédio lendo-se a coluna da rosane de
oliveira, etc] e, sobretudo e em geral, pela conjunção de uma série de
"fatores" [ou condições, ou causas, como queiramos os chamar], que é
o caso do problema que analisamos. em nosso caso, também foram fatores o
"catalisador" do acidente - o acendimento da espuma pelo fogo de
artifício, que fez com que a fumaça fosse liberada -, a superlotação, a
ausência de um sistema anti-incêndio, a ausência de um sistema de indicação de
saídas de emergência eficiente, a ausência mesma das saídas de emergência
obrigatórias, a falha do extintor, a ausência de treinamento dos funcionários,
a contenção das portas da única saída do local, o pânico, enfim? e vejas que
ainda foram "fatores" a indevida liberação do alvará pela prefeitura,
a anuência dos bombeiros ao plano de prevenção contra incêndios [ppci]
apresentado, o ppci ter sido elaborado ou não por especialista?
uma coisa é certa: é longa a cadeia de eventos que
originou a tragédia; uma não é, porém: afirmar-se que "a culpa foi da
espuma"
suficiente e necessariamente.
a consequência lógica dessa afirmação - que só vale no
sentido banal, figurativo, em que quase todos que morreram, morreram
intoxicados - é a de que a espuma foi "condição necessária e suficiente"
da tragédia, situação que ocorre quando uma mesma causa é simultaneamente
necessária e suficiente. mas, nesse caso, isso implica, grosso modo, se
comprometer com a tese de que a fumaça tóxica foi totalmente responsável pelas
mortes, que ocorreram totalmente em função da fumaça.
logo, zh confunde condição suficiente com necessária e
comete a chamada "negação do antecedente", falácia que pode ser assim
apresentada:
se a, então b;
b, então a.
Se havia fumaça tóxica no ar, então houve mortes; houve
mortes, então havia fumaça tóxica no ar.
ora, como sabemos, a fumaça tóxica no ar foi uma das
causas das mortes, e não a única.
de modo semelhante,
se havia fumaça tóxica no ar, houve mortes; ora, houve
mortes; logo, havia fumaça tóxica.
este argumento é falacioso porque, mesmo que as premissas
sejam verdadeiras (o que não é o caso, uma vez que a primeira premissa é falsa,
pois sustenta que houve mortes unicamente porque havia fumaça), a conclusão
apresentada delas não se segue, pois as mortes podem ter ocorrido porque as
portas estavam fechadas, porque não havia sinalização, porque só havia uma
saída de emergência, etc.