Eu era jovem. Resolvi conhecer a Europa. Desembarquei em Lisboa e de lá, com meu cartão Eurailpass ( que não sei se ainda existe),fui indo e parando onde me aprouvesse, passei por Madrid, Barcelona, fui indo até chegar a Roma. Hospedei-me num lugar simples, a Pensione Abadan, que ficava ao lado do Hotel Quirinale, este muito suntuoso ( in illo tempore). Dei uma passada no Trastevere e fui almoçar num restaurante meia boca ( na Itália te obrigam a comer como eles querem, primeiro prato, segundo prato , terceiro prato e que bebida combina com isso. Já na Alemanha te obrigam a comer tudo, limpar o prato, deusolivre deixar um restinho).
Entrou um senhor já grisalho, magrinho, com um violino e começou a tocar de mesa em mesa. Quando chegou na minha eu lhe disse que daria 5 dólares de gorjeta ou de cachet, desde que ele me deixasse tocar uma música. O violino estava desafinado.A partir da corda la, fui para a ré e a sol e depois, passando da la, para a mi. Dei um arpejo do sol até o quarto dedo da mi. Uns japoneses já pensando que era uma música bateram palmas. Toquei então Negrinho do Pastoreio, bem lentamente, começando na sol ( grave) e subindo depois uma oitava. Lentamente.
Terminei e o restaurante quieto. Sim, nem barulho dos talheres se ouvia.
Devolvi o violino ao senhor:
-Grazie, lhe disse.
- Prego, respondeu.
E se retirou.
Só quando o senhor grisalho saiu é que bateram palmas.
Fico em dúvida até hoje se fiz bem ou fui impiedoso . Não sou essas coisas, toco como amador, mas não suporto instrumento mal afinado.
Será que o velhinho quebrou seu violino, ou se atirou no Tevere?
Essa dúvida terá solução no dia do Juízo Final.