terça-feira, 28 de março de 2017

COMENTÁRIOS SOBRE A FINESSE DAS PESSOAS

ROSANE DE OLIVEIRA (com autorização de publicação, ( parte publicada em ZH )


Adoro ler teus textos. A cena dos dois tocando violino, com essa "plateia", me  emocionou, como te disse em outra mensagem. E já que estamos falando de "berço", muitas vezes os críticos das minhas posições sobre a reforma da Previdência ou a terceirização dizem que sou filhinha de papai e nasci em berço de ouro. Tanto isso é verdade que na crônica de domingo (um espaço que criei na ZH digital para me refrescar), escrevi no domingo passado:

 

 

Crônica de domingo 

É verdade, eu nasci em berço de ouro e sou filhinha de papai


Venho de uma família que soube compensar as carências materiais com amor, dignidade e lições que nenhum dinheiro é capaz de comprar 


24/03/2017 - 21h08min | Atualizada em 26/03/2017 - 10h00min


Na discussão sobre temas indigestos, como a reforma da Previdência e a terceirização, em que tento fugir das posições radicais, é comum que leitores e ouvintes me acusem de ser uma "filhinha de papai" que trabalha sentada, em sala com ar refrigerado, ou de ter nascido em berço de ouro. E não é que essas pessoas têm razão? Sem a pretensão de escrever uma autobiografia, vou contar a verdade: sim, eu nasci em berço de ouro. Sim, eu sou filhinha de papai.

Sou a primogênita de um casal de agricultores que em 1960 morava numa casa de chão batido, sem luz, sem água encanada, sem conforto algum. Minha mãe tinha 18 anos. Meu pai, 25. Sou a filhinha de um homem íntegro e de uma mulher guerreira, que me deram amor acima de qualquer bem material. Com as próprias mãos, meu pai serrou as tábuas de pinheiro e fez o berço de ouro em que me abrigaram no frio de agosto. Com palha de milho, que pela cor lembra ouro para quem é da roça, minha mãe recheou o colchão em que sonhei meus primeiros sonhos.

As carências materiais foram compensadas por tudo o que não tem preço: amor em abundância, lições de dignidade, exemplos de ética, respeito, confiança, e incentivo para seguir em frente. A filhinha do papai ganhou seu primeiro carro antes de completar um ano de idade. Não exatamente um carro, mas uma carrocinha de duas rodas, feita de madeira. A carrocinha servia de meio de transporte para ir de casa até a lavoura e era nela que eu dormia ou ficava sentadinha, protegida pelo Duque, um genérico de buldogue, enquanto o pai e a mãe trabalhavam na terra.

Em berço de ouro nasceram também meus quatro irmãos. Porque mesmo sendo muito pobres, nunca nos faltou amor nem carinho. Cinco filhos em nove anos. Desde muito cedo, aprendemos a dividir o pão, o leite e as frutas do pomar. Juntos inventamos alternativas para a falta de brinquedos de loja. Cuidamos uns dos outros. Ensinamos aos mais novos lições que aprendemos na escola, usando carvão feito giz. Compartilhamos roupas, sapatos surrados e livros escolares. Trabalhamos na roça no turno inverso ao da escola, às vezes rezando para chover e assim escapar do sol inclemente. Aprendemos na prática o sentido de família.

A filhinha do papai teve de sair de casa aos 10 anos, para estudar na cidade, porque ele decidira que a educação seria a única herança do quinteto que dormiu em colchão de palha dourada nos primeiros anos de vida. O pai e a mãe seguiram trabalhando na roça, de sol a sol, para sustentar a prole. Ela costurava para aumentar a renda escassa. Ele não refugava trabalho. À noite, ouvia rádio para saber o que se passava no mundo. Os dois estiveram presentes em todos os momentos importantes das nossas vidas, especialmente no dia em que cada um vestiu a toga e foi diplomado.

Hoje não sou mais a filhinha de papai. Há exatos dois anos somos cinco órfãos e uma viúva que tentam, cada um a seu modo, sobreviver à ausência física preenchendo o silêncio com as lembranças que ficarão para sempre, prova de que existe vida depois da morte.

LISSI BENDER
 
 
Falas de uma realidade em paulatina extinção: de uma educação que não vem da escola, mas literalmente do berço, da família, que é a fonte primeira,  para o ser se humanizar e se transformar em pessoa social e culturalmente rica. Pode o ser dispor de imensa riqueza material, se não se humanizou, se não desenvolveu sensibilidade para  a vida, se não desenvolveu honestidade, senso de justiça, se não aprendeu a verter amorosidade para dentro de si nem para com o meio em que vive,  será um ser pobre.
 
DES. ELISEU GOMES TORRES
 
Ruy. Gente humilde ! Chico Buarque, em sua fase pré-Lulla e pré- Lei Rouanett, segundo os maldosos, escreveu uma página antologica da MPB , titulada GENTE HUMILDE. È a gente que é incapaz de abusar, de imiscuir-se, de usar o que não é seu. E,singularmente,a gente que é mais espezinhada e roubada por ladrões de todos os coturnos.  A esquerda brasileira sente calafrios quando se fala em segurança pública, confundida desde sempre com o aparato de segurança de Estado que a ditadura militar acalentava. Segurança Pública, hoje, seria “segurança do Povo”, instituição que os governos não vislumbram. Falo da segurança de um pobre operário que recebe a semana suada e vai para casa entregar à patroa para comprar os gêneros de primeira necessidade para a família. É esse que está sempre à mercê de um safado que, armado de um revolver alugado  toma-lhe o fruto do trabalho. Ou de outro, mais safado ainda que, de posse de uma caneta, rouba-lhe a esperança e um mínimo de assistência médica e educação. Mas o povo segue adiante.Gente humilde que dá vontade de chorar... Eliseu
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FRANKLIN CUNHA


Prezado amigo Ruy

Pois vai outra história que completa tuas finas observações..

Nos frios e escuros cubículos de um hospita público onde fazíamos  o prenatal de pobres mulheres que vinham da periferia de PA desde as 5hs, no recinto, dito consultório, havia uma mesa e duas cadeiras. De um lado, uma mais ampla, estofada, macia e do outro, uma de ferro, dura, fria .As pacientes , ao entrar, reflexamente sentavam na cadeira de ferro.Um belo dia, troquei as cadeiras: a estofada para elas e a de ferro para mim.Então, passei a ver que as grávidas ,ao entrar,  olhavam, hesitavam um pouco  e sentavam na dura e fria cadeira de ferro no lado da mesa que habitualmente era ocupado por mim.

É como bem dizes, fatos de um Brasil simples, de boa índole, cordato ( a meu ver  até demais)..

São histórias para um segundo livro de tua lavra, que se me deres a honra, prefaciarei, de novo e com grande prazer..

Abraço.

Franklin Cunha