segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

NATAL NA PICADA - POR SILVIO MEINCKE


                                       

 

     A meio caminho, entre nossa casa e minha escola, morava a família Hagemann. Nas semanas que antecediam o Natal, eu apeava ali, quase todos os dias. Romildo, o filho mais novo da casa, era meu amigo. Quando me via aparecer na coxilha, saía correndo buscar uma espiga de milho para meu cavalo. Depois, íamos admirar o trabalho de sua mâe, dona Annilda, ocupada na montagem do presépio. Ela iniciava o trabalho na primeira semana do Advento, com a criacâo das pastagens. Fazia o canteiro com uma camada de algodâo umedecido, colocava tecidos de linhagem em cima e semeava sementes de arroz.

     -     No Natal, as ovelhas dos pastores de Belém podem pastar a vontade – explicava o Romildo.

     Dona Annilda nâo poupava em detalhes. Em um dos cantos, ela plantava pequeno capâo de mato, com pés de banana, butiá, pitanga e camélias, que criava especialmente para esse fim; no outro lado, fazia um monturro de pedras, com esconderijo para animais selvagens; no centro, botou a nadar meia dúzia de gansos e cisnes, sobre um lago feito com a lâmina de antigo espelho.

     Ficávamos admirando esse belo quadro. Bem ao longe, na linha do horizonte, podíamos reconhecer José e Maria, a caminho do estábulo e da manjedoura em construçâo.

     -     Maria e José vâo chegar aqui somente no Natal – informou meu colega.

     Dia após dia, dona Annilda acrescentava detalhes ao presépio, até completar o cenário com o enfeite do pinheirinho.   

     Nessa época do ano, quando era sábado, o professor reunia todas as classes na parte da manhâ. Para controlar mais de cem alunos e alunas, andava entre os bancos e ostentava sua régua de cerne de guajuvira, pesada e dura. Costumava puxar as calças dos alunos pelos fundilhos, com a mâo esquerda, e baixar a régua com a mâo direita, com força, geralmente com raiva, até cansar o braço.

- Disciplina em primeiro lugar!

    - Com esse método – dizia-me um professor da geraçâo posterior – os jovens tornam-se medrosos e perdem qualquer iniciativa e criatividade, por medo do erro e do castigo. 

     Nos meses de novembro e dezembro, os sábados eram dedicados aos ensaios para a Noite de Natal. Todos os alunos participavam. Uns declamavam poesias, outros cantavam, ainda outros atuavam nas encenacôes, porque todos os pais queriam ver seus filhos no palco. A mim cabia cantar “Ó Vinde Meninos”, na segunda voz, além de fazer o papel de Papai Noel.

     - Tu és alto e forte – exagerava o professor – tu tens que botar o Valdir no saco!

     Valdir era um colega baixinho e magro, fácil de botar no saco. Cabia a ele, por isso, o papel de guri mal educado.

     Era a cena mais esperada da noite. Eu entrava com enorme saco de moagem sobre os ombros e uma vara na mâo. Distribuía chocolatinhos e caramelos para as crianças bem comportadas e castigava os mal educados. Já que o Valdir, no papel de menino malcriado, nâo se deixava intimidar, levava algumas varadas sobre os fundilhos, antes de ser enfiado no saco.

     Terminada a programaçâo, voltávamos para casa. A caminhada de 7 quilômetros fazia parte, todos os anos, do Natal da nossa família.

    Numa dessas noites, quando cruzamos a mata dos Koefender, uma coruja do mato piou.

- O que foi isso - queriam saber os irmâos menores, assustados.

    Antes que o pai respondesse, o graxaim latiu, e o Brazino dos Wolff, ao longe, respondeu. Olhei para a escuridâo que nos envolvia e senti um arrepio.

- Pai, posso carregar a lanterna?

- Pega a lanterna – respondeu o pai – e depois, vamos todos caminhar de

mâos dadas.

Assim, de mâos dadas, atravessamos a mata. Senti-me protegido e relacionei

esse sentimento de aconchego e segurança com o anúncio do anjo aos pastores de Belém:

- Nâo tenham medo  ...

    Quando chegamos na divisa dos Hagemann, decidimos olhar o presépio de dona Annilda, como fazíamos todos os anos. O menino Jesus repousava sereno na manjedoura, e o anjo fazia o anúncio:

- ... pois hoje vos nasceu o Salvador.

-   Bem – disse o pai – vocês podem olhar mais um pouco, mas eu já vou

indo. Talvez o Papai Noel precisa da minha ajuda, para repartir os presentes que vai trazer para vocês.

     Quando chegamos em casa, encontramos 7 pratos sobre a mesa da sala de visitas. Em cada prato havia um pequeno chocolate, alguns caramelos, bolachas coloridas feitas pela mâe, e um “presente útil”, como dizia o pai. O presente útil podia ser um par de sapatos, um material escolar, uma camisa, um vestido. Todos estávamos muito felizes, e eu ia dormir com um sentimento profundo de paz e aconchego.